Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 12-08-2006

PARTO DA ALMA
Ligaram-me avisando que ele havia acabado de nascer. Sa� desconjuntado, com a ansiedade agrad�vel das boas not�cias
PARTO DA ALMA

Ligaram-me avisando que ele havia acabado de nascer. Sa� desconjuntado, com a ansiedade agrad�vel das boas not�cias, peguei o carro e parti para o hospital. Era lindo o meu afilhado. Tomei-o nos bra�os, leve como um ramalhete e cheiroso como algu�m j� familiar; com os mesmos receios dos pais desengon�ados, acolhi o meu mais novo paroquiano n�o simplesmente como uma alma a mais para o meu rebanho, mas sobretudo como um sentido a mais para estar vivo. Sim, o nascimento de uma crian�a ser� sempre imbat�vel na arte de arrancar sorriso entre l�grimas.

� incr�vel como ficamos bobos diante de um rec�m-nascido. O que n�o passa da careta diante da luminosidade interpretamos como o esbo�o de um sorriso; � inevit�vel afirmar como ele se parece com o pai ou com a m�e, mesmo considerando que nada � t�o igual quando um bando de beb�s; nem sequer entendemos que seu idioma � o choro e j� queremos descobrir dor de barriga ou de ouvido.

Ao assistir ao cult "Janela da Alma", emocionei-me � be�a na �ltima cena, j� no minuto final: um parto normal. Talvez seja a �nica coisa que tenha conseguido ativar ao mesmo tempo meu est�mago, minhas gl�ndulas sudor�paras, meu cerebelo e meu batimento card�aco, n�o como um desarranjo, mas como uma sinfonia que a natureza orquestra em meu corpo para celebrar a vida. Interessante que, quando eu aluguei este filme para assistir novamente, estranhei o fato de esta cena ser completamente muda: no cinema me parecia ter havido uma m�sica de fundo; era, na verdade, a rea��o do meu organismo, da minha sensibilidade ao choque daquela profundeza imag�tica.

Tirei muitas fotos, de todos os �ngulos do quarto. Eu quis guardar cuidadosamente para, mais tarde, mostrar ao meu afilhado, com detalhes, como eram nossas caras diante da sua estarrecedora chegada ao mundo. Ser� bom v�-lo perceber, pelo min�sculo ensaio fotogr�fico do meu amadorismo, que seu nascimento tornou o nosso dia mais leve e cheio de esperan�a. N�o mudou a ordem do mundo como o nascimento de Alexandre Magno ou de Jesus Cristo, mas encheu a nossa vida de sentido e de raz�o de ser.

Padre significa pai no portugu�s arcaico. Em ingl�s, por exemplo, chamam-se os sacerdotes de "father", literalmente pai, sem qualquer trocadilho. Nestes meus cinco meses de sacerd�cio, essa � e n�o uma missa ou o atendimento de uma confiss�o � foi a experi�ncia que mais me ajudou a sentir-me "padre", no sentido mais denso do termo.


    Fonte: Reda��o Maratimba.com
 
Por:  Juliano Ribeiro Almeida    |      Imprimir