Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 22-08-2006

PECADOS VIRTUAIS
Conto porque n�o � segredo de confiss�o (na verdade, conto porque n�o passa de um conto em forma de cr�nica)
PECADOS VIRTUAIS

Conto porque n�o � segredo de confiss�o (na verdade, conto porque n�o passa de um conto em forma de cr�nica). Ele veio naquela sexta-feira ao confession�rio, ajoelhou-se persignando, pediu a b�n��o. Homem dos seus cinq�enta e poucos, poderia ser meu pai. E piedosamente contou o seu mal: estava dando oportunidade a maus pensamentos. De que esp�cie, meu filho? � perguntei. Ah, padre � ele confessou �, tenho sonhado que estou deitado numa rede feita com fibras �ticas e me aparece, nua e apetitosa, a dona Matilde, l� da filial.

E da�, meu filho, o que acontece? � tive que perguntar, para ver se havia a mat�ria para o sacramento. Como na missa, o p�o e o vinho; no casamento, um homem e uma mulher que se aceitam; na un��o, uma enfermidade; no batismo, �gua e catec�meno etc, para a absolvi��o � necess�rio haver o pecado. Isso n�o pode faltar em hip�tese alguma.

E da�, padre, que eu n�o consigo ver o rosto dela � ele agora parecia mais um paciente num div� que qualquer outra coisa � e ent�o o sonho acaba; mas essa imagem n�o me sai da cabe�a. Acaba assim?, perguntei. �, assim mesmo, ele explicou. Voc� � casado, meu filho?, inferi. H� vinte e sete anos muito bem casado, padre.

O nono mandamento. "N�o cobi�ar�s a mulher do teu pr�ximo". Deuteron�mio, cap�tulo cinco, vers�culo vinte e um. J� ia mencionar a Lei de Deus e estipular uma penit�ncia e alert�-lo quanto ao perigo etc, etc, mas ele continuou:

Eu a conhe�o pela intranet, padre... No momento, pensei ter ouvido o nome de uma senhora que o teria apresentado � tal Matilde mas, em quest�o de segundos, a ficha caiu: uma rede interna de computadores. Ent�o quer dizer que voc� n�o a conhece pessoalmente? � quis saber. Pois �, padre, nunca a vi, mas teclo com ela todos os dias, a servi�o da empresa; � por isso que eu n�o consigo nem ver o rosto de Matilde no sonho nem escutar a voz dela. Voc�s conversam sobre o que?, aprofundei. Sobre n�meros, padre, sobre dados, sobre hor�rios e tantas outras coisas como a velocidade da conex�o; e ela tecla palavras de uma tal forma, padre, que eu j� sei que ela faz inteiramente o meu tipo.

Pensei com os bot�es de minha batina: sinto o cheiro do pecado, mas como enquadr�-lo? Essa Matilde parece n�o comunicar nada al�m do trivial e corriqueiro; isso tudo pode ser apenas uma fantasia er�tica dele. Vai ver ela nem � "mulher do pr�ximo"; pode ser solteira � o que seria um problema a menos � ou pode ser um travesti � o que seria um problema a mais... Ele n�o sabe sequer como � o rosto dela, como � a sua voz. Pensei em jogar para o sexto mandamento, "n�o cometer�s adult�rio", mas n�o cabe... Pecar contra a castidade tem que envolver algo mais do que sentir prazer em ler o que algu�m est� digitando na outra ponta da rede... A quest�o est� mesmo no pen�ltimo mandamento: ele est� cobi�ando a mulher do pr�ximo. Mas o que � cobi�ar? Nem na realidade nem no sonho acontece coisa alguma entre os dois. N�o h� nem mesmo trai��o em pensamento; ele apenas entra em contato com um desejo. Ele apenas v� uma imagem de nudez sem rosto e permanece com ela. N�o se trata propriamente de algu�m. Ele est� desejando o que nunca viu, mas que sabe que existe, pois tecla com ele e tem um login.

M�stico isso!, pensei. Isso � f�, "a garantia dos bens que se esperam, a prova das realidades que n�o se v�em", hebreus, cap�tulo onze, vers�culo primeiro. Desejar o que n�o se sabe como �. O c�u, Deus, a bem-aventuran�a eterna. Os �mbitos sexual e espiritual sempre se ajudaram, sempre se utilizaram mutuamente para se explicarem a si mesmos. Benditos sejam o profeta Os�ias e o C�ntico dos C�nticos.

A penit�ncia que lhe apliquei foi objetiva: p�r as fei��es de sua esposa na Matilde sem rosto dos seus sonhos. No m�s seguinte, ele reapareceu para agendar a missa de vinte e oito anos de matrim�nio.


    Fonte: Reda��o Maratimba.com
 
Por:  Juliano Ribeiro Almeida    |      Imprimir