Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 26-01-2007

Garrafada pra Levantar Defunto
N�o sei o que o Silveira viu na minha cara. Desde que o conhe�o, h� uns trinta anos, ele acha que sou uma esp�cie de padre, ouvinte de seus problemas
Garrafada pra Levantar Defunto

N�o sei o que o Silveira viu na minha cara. Desde que o conhe�o, h� uns trinta anos, ele acha que sou uma esp�cie de padre, ouvinte de seus problemas, possuidor das solu��es definitivas para eles. Claro que eu n�o sou nada disso, mas o Silveira � boa gente, e eu n�o vejo problema nenhum em ouvi-lo e sugerir caminhos para tir�- lo de suas encrencas. Muitas vezes, dou boas risadas com suas est�rias. Dessa vez, no entanto, acho que as coisas foram longe demais.

O Silveira estava preocupado com sua vida �ntima. A mulher estaria negando fogo e ele, apaixonad�ssimo e cheio de tes�o, estava disposto a fazer o que f�sse poss�vel para resolver o impasse. Eu j� tinha visto a mulher do Silveira uma vez. Como diria Stanislaw Ponte Preta, era mulher para quatrocentos talheres. Corpo de viol�o, generosa nas curvas e nas lombadas. Uma pena que faltasse mais entusiasmo. Alguns at� poderiam dizer que era muita areia para a picape do Silveira, ali na minha frente, querendo a minha opini�o. "Eu iria � Feira do Guar�. L� existe toda aquela gente do Nordeste com umas garrafadas que s� faltam levantar defunto." Com um sorriso, Silveira agradeceu e foi rumo ao que ele achava ser o Santo Graal.

Mais de um m�s se passou at� que eu me encontrasse com o Silveira novamente. Na realidade, ele me procurou, e desta vez, com um ar de muita preocupa��o. Notei tamb�m que ele estava mais esbelto, logo ele que sempre fora meio rechonchudo. Era uma magreza que o deixava at� mais elegante. "Estive l� na Feira do Guar�, como voc� me orientou, e conheci a dona Socorro." Por um momento, fiquei pensando como esse era um nome apropriado para a situa��o. "Ela me disse que eu ia ficar curado depressinha, mas eu a corrigi, dizendo que a neg�cia da minha mulher � que n�o estava funcionando muito bem." Silveira disse que dona Socorro o tranq�ilizara, explicando que a garrafada serviria ainda melhor para a mulher � "ela vai ficar bem fortinha" � e ressaltando que era uma produ��o dom�stica, cujo conte�do era das melhores ervas indicadas para esse tipo de problema. "Dona Socorro me disse que tinha at� n�-de-cachorro na f�rmula", disse o Silveira em tom de desespero.

Mas� por que o ar de desespero? � que depois de um m�s tomando a garrafada, Silveira tinha outra mulher. Quero dizer, era a mesma mulher, mas completamente transformada. Parece que o n�-de- cachorro e as outras subst�ncias misteriosas contidas na garrafada tinham transformado a mulher do Silveira numa cadela no cio. "Minha mulher n�o pode me ver mais, que j� quer partir pros finalmente. � de manh�, na hora do almo�o, de tarde, de noite. Ela me telefona, me pede pra sair do emprego e dar uma passada em casa, me acorda de madrugada. Tem tido at� umas id�ias esquisitas, de chamar mais gente pra participar! E se ela estiver costurando pra fora, o que � que eu fa�o? Eu amo essa mulher e n�o quero divid�-la com ningu�m, mas a overdose de sexo est� me deixando sem rumo!"

Fiquei no mato sem cachorro. Eu j� tinha ouvido falar de garrafada para esquentar, mas de garrafada para esfriar� O jeito foi recomendar uma nova visita a dona Socorro, para ver se ela poderia fazer alguma coisa. E, enquanto isso, cruzar os dedos para que o Silveira continuasse dando conta do recado. A conferir.


    Fonte: Cl�udio Lessa:

Acesse o G1

 
Por:  Claudio Lessa    |      Imprimir