Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 23-02-2007

O ASSASSINATO DA CONCORDÂNCIA
Na surda briga de foice pelo controle da “educação” neste país, um novo elemento surge cada vez mais forte e aponta, de maneira irreprimível
O ASSASSINATO DA CONCORDÂNCIA

Na surda briga de foice pelo controle da "educação" neste país, um novo elemento surge cada vez mais forte e aponta, de maneira irreprimível, para a conspiração silenciosa de tomada dessas terras pelas potências estrangeiras – todas do mal, claro.

Tudo começou há décadas. Nunca antes nesse país alguém havia usado meias de nylon, ou ouvido baladas românticas, rock ‘n roll energizante, ido ao cinema ver filmes de caubói – e mais tarde filmes de ação, mastigado chicletes, ou fantasiado a respeito de um par de seios exuberantes pertencentes a uma loura de sorriso irresistível. Tudo foi fria e cuidadosamente calculado pelos cruéis invasores, que agora pretendem dar o passo final, transformando nossa terra num celeiro de metanol para seus carrões famintos, agora que o combustível fóssil está na iminência de ser extinto.

É por isso que, de joelhos e obsequiosamente ateus, temos que dar graças a Stalin pelo governo que temos hoje. Sua cruzada pela educação vai nos salvar de um futuro incerto, com nomes mais do que adequados para uma revolução tão fantástica quanto o valoroso plano de aceleração do crescimento, que certamente nos levará a taxas inimagináveis de progresso.

Nem tudo são flores, no entanto: em cada esquina, um perigo. E o preço desse desenvolvimento seguro e sustentado é a eterna vigilância, sem falar no incondicional apoio a nossos líderes. Eles, ligados ao que há de melhor no cenário mundial – Khadaffi, Chávez, Ahmadinejad, Sung, entre outros – nos levarão aos melhores momentos de nossa História!

Agora, por exemplo, o estágio da friamente calculada invasão está numa pretensa alteração irreversível do modo de falar e do modo de escrever. Assim como na língua invasora, nosso idioma sofre o ataque feroz para se incorporar aos usos e costumes alienígenas. Os estrangeirismos já são coisa do passado. Agora, trata-se de incorporar a estrutura frasal ao modelo imperialista, e esta, sem dúvida, é mais uma batalha a ser vencida com galhardia pelos nossos líderes e guardiães.

Nas conversas informais, nas emissoras de rádio e tevê, nos discursos, nos tribunais, agora "é proibido a entrada", "é setecentos e trinta detentas", "duas milhões de pessoas", "centenas de cidadões", "não será aceito a troca de ingressos", "dez centavos vai fazer uma grande diferença no preço da gasolina", e "como é que está os seus pneus?", etc.

Note, leitor(a), que estes exemplos foram todos tirados de relatos ouvidos de repórteres e entrevistados (alguns deles "otoridades"), de sites na web, e de propagandas de tevê, sem falar numa notícia que dava conta da maior incidência de "osteosporose" entre os mais jovens, ultimamente.

Nossos líderes precisam manter-se vigilantes quanto a este ponto, pois certamente o descaso com nossas mais elementares regras de concordância – nunca observadas nem mesmo pelos editores responsáveis pela colocação das matérias no ar – poderá minar todo um esforço que é feito diligentemente por nossos incansáveis líderes.

Daqui sai este humilde manifesto, na esperança de que possamos todos juntos, nesta comuna, erradicar o insidioso câncer do imperialismo que deseja nos condenar a um futuro indigente.

Anauê, e… avohai!


    Fonte:

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Por:  Claudio Lessa    |      Imprimir