"Foi uma madrugada longa a de 26 para 27 de fevereiro. Uma das mais longas que j� experimentei..."
Foi uma madrugada longa a de 26 para 27 de fevereiro. Uma das mais longas que j� experimentei. Aguardar, junto com dois amigos, a chegada do corpo da sua �nica filha, morta em conseq��ncia a uma a��o que ainda n�o encontro adjetivos adequados para qualificar, � uma experi�ncia que arranca a voz da garganta, retira do c�rebro os pensamentos, elimina do corpo qualquer sinal de vitalidade.
Fiquei ali, parada, apenas com a minha presen�a, sem nada pensar, sem nada falar, sem ter vontade de me movimentar. Ap�s muito tempo nessa atitude, veio-me � mem�ria um trecho de um poema de Emily Dickson que diz: "Esta � a hora de chumbo, lembrada quando se sobrevive a ela, como pessoas congeladas lembram da neve, primeiro... frio... depois letargia... ent�o a desist�ncia...".
Compreendi ent�o o que estava sentindo, eu estava desistindo da Fernanda viva e assimilando, irremediavelmente, a Fernanda morta diante de mim. Vivemos de perder, abandonar, desistir. E mais cedo ou mais tarde, com menor ou maior sofrimento, aprendemos que a perda � uma condi��o permanente da vida humana.
Palavras... Palavras.... Bonitas e consistentes � bem verdade... Mas como desistir com tanta facilidade � vida da �nica filha? Como m�e, e com certeza como fez a maioria das m�es que ali estavam, transferi para mim esse momento. A dor foi t�o grande e t�o insuport�vel que a transfer�ncia n�o durou segundos.
A id�ia de perder um filho � para mim t�o terr�vel que a afastei imediatamente da minha consci�ncia. E era s� uma id�ia... Como deveriam ent�o estar se sentindo L�gia e Adelmo diante da cruel e dolorida realidade que viviam naquele momento? Desesperados ? Com um choro incontrol�vel? Com lamenta��es e revolta pela situa��o da trag�dia?
L�gia e Adelmo traziam no cora��o uma paz que transcende a todo entendimento. Pois n�o existem palavras ou filosofias, por mais bonitas e consistentes que sejam, que confortem o cora��o de um pai ou uma m�e que perdem a �nica filha com tamanha crueldade.
N�o existem presen�as humanas, por mais importantes socialmente ou afetivamente que sejam, que consigam arrancar do peito o desespero e a dor de nunca mais poder sentir a presen�a f�sica de um filho, acalentar seu sono, mexer em seus cabelos ou espera-lo tarde da noite no ponto de �nibus quando volta da faculdade...
Muitos se admiraram e se intrigaram com a serenidade com que os pais de Fernanda enfrentaram essa terr�vel dor. Eu, apesar do privil�gio de conhec�-los bem de perto e de trabalharmos juntos � tanto tempo, inclusive com a Fezinha como nossa assessora para assuntos de propaganda, vi que ainda tenho muito que aprender com eles. Eu tamb�m quero sentir um dia, caso a vida me surpreenda com uma dor t�o terr�vel, essa paz que transcende a todo entendimento.
Tenho absoluta certeza que Deus os continuar� sustentando e tamb�m tendo miseric�rdia da minha f� t�o miser�vel.
Fonte: A Autora
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