Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 24-04-2007

TUDO SE MOVE
Tudo se move. E tudo se move com um ritmo. E tudo que se move com um ritmo provoca um som; isso est� acontecendo aqui e em qualquer lugar do mundo neste momento
TUDO SE MOVE


Tudo se move. E tudo se move com um ritmo. E tudo que se move com um ritmo provoca um som; isso est� acontecendo aqui e em qualquer lugar do mundo neste momento. Nossos ancestrais notaram a mesma coisa, quando procuravam fugir do frio em suas cavernas: as coisas se moviam e faziam barulho.

Os primeiros seres humanos talvez tivessem olhado isso com espanto, e logo em seguida com devo��o: entenderam que esta era a maneira de uma Entidade Superior comunicar-se com eles. Passaram a imitar os ru�dos e os movimentos � sua volta, na esperan�a de comunicar-se tamb�m com esta Entidade: a dan�a e a m�sica acabavam de nascer.

Quando dan�amos, somos livres.

Melhor dizendo, nosso esp�rito pode viajar pelo universo, enquanto o corpo segue um ritmo que n�o faz parte da rotina. Assim, podemos rir de nossos grandes ou pequenos sofrimentos, e nos entregarmos a uma experi�ncia nova sem medo. Enquanto a ora��o e a medita��o nos levam at� o sagrado atrav�s do sil�ncio e do mergulho interior, na dan�a celebramos junto com os outros uma esp�cie de transe coletivo.

Pode-se escrever o que se quiser sobre a dan�a, mas de nada vale: � preciso dan�ar para saber do que se est� falando. Dan�ar at� a exaust�o, como se fossemos alpinistas subindo uma montanha sagrada. Dan�ar at� que, por causa da respira��o ofegante, nosso organismo possa receber oxig�nio de uma maneira que n�o est� acostumado, e isso termina por fazer com que percamos nossa identidade, nossa rela��o com o espa�o e o tempo.

Claro que podemos dan�ar sozinhos, se isso nos ajuda a vencer a timidez. Mas sempre que poss�vel, � melhor dan�ar em grupo, porque um estimula o outro, e termina-se criando um espa�o m�gico, com todos conectados na mesma energia.

Para dan�ar, n�o � necess�rio aprender em academias; basta deixar que o corpo ensine � porque dan�amos desde a noite dos tempos, e n�o esquecemos isso. Quando eu era adolescente, ficava com inveja dos grandes "bailarinos" da minha turma da esquina, e fingia que tinha outras coisas para fazer durante as festas � como ficar conversando, por exemplo. Mas na verdade eu tinha pavor do rid�culo. At� que um dia uma menina, chamada M�rcia, me disse na frente de todo mundo:

- Venha.

Eu disse que n�o gostava; ela insistiu. Todos do grupo ficaram olhando, e por que eu estava apaixonado (o amor � capaz de tantas coisas!) n�o pude recusar mais. Fiz um papel rid�culo, n�o sabia seguir os passos, mas M�rcia n�o parou; continuou dan�ando, como se eu fosse um Rudolf Nureyev.

- Esque�a os outros e preste aten��o no baixo � sussurrou ao meu ouvido. � Procure seguir o seu ritmo.

Naquele momento, entendi que nem sempre � necess�rio aprender as coisas mais importantes; elas j� fazem parte da nossa natureza. Na juventude, a dan�a � um rito de passagem fundamental: experimentamos pela primeira vez um estado de gra�a, um �xtase profundo, mesmo que para os menos avisados tudo n�o passe de um grupo de rapazes e mo�as divertindo-se em uma festa.

Quando ficamos adultos, e quando envelhecemos, precisamos continuar dan�ando. O ritmo muda, mas a m�sica � parte da vida, e a dan�a � a conseq��ncia de deixarmos que este ritmo penetre em n�s.

Continuo dan�ando sempre que posso. Com a dan�a, o mundo espiritual e o mundo real conseguem conviver sem conflitos. Como disse algu�m que n�o me lembro, os bailarinos cl�ssicos ficam na ponta dos p�s porque est�o ao mesmo tempo tocando a terra e alcan�ando os c�us.


    Fonte: Reda��o Maratimba.com
 
Por:  Paulo Coelho    |      Imprimir