Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 21-05-2007

Fragmentos de um diario inexistente
Consigo que meu editor, Masao Masuda, finalmente me convide para a tradicional cerim�nia do ch�.
Fragmentos de um diario inexistente

Consigo que meu editor, Masao Masuda, finalmente me convide para a tradicional cerim�nia do ch�. Vamos para uma montanha perto de Hakone, entramos num pequeno quarto, e sua irm�, vestida ritualmente em quimono, nos serve ch�.

S� isso. Entretanto, tudo � feito com tanta seriedade e protocolo, que uma pr�tica cotidiana transforma-se num momento de comunh�o com o Universo.

O mestre do ch�, Okakusa Kasuko, explica o que acontece: "a cerim�nia � a adora��o do belo. Todo seu esfor�o concentra-se na tentativa de atingir o Perfeito atrav�s dos gestos imperfeitos da vida cotidiana. Toda a sua beleza consiste em respeitar as coisas simples que fazemos, pois elas podem nos transportar at� Deus".

Copacabana, Rio de Janeiro

Estou andando pelo cal�ad�o, e escuto uma mo�a dizendo para a outra, de maneira convicta: "Eu programei minha vida da seguinte maneira..."

Fiquei pensando: ser� que ela conta com as coisas que aparecem justamente quando n�o estamos esperando? Pensou que Deus talvez tenha um plano diferente, e muito mais interessante? Levou a s�rio a hip�tese de que - ao incluir outras pessoas na sua programa��o - esteja interferindo em id�ias e projetos distintos?

N�o sei se a frase que escutei era fruto da inexperi�ncia ou do del�rio total.

Melbourne, Austr�lia

Piso no palco com a apreens�o de sempre. Um escritor local, John Felton, me apresenta e come�a a me fazer perguntas. Antes que eu possa terminar um racioc�nio, ele me interrompe e faz uma nova pergunta. Quando respondo, comenta algo como "esta resposta n�o foi bem clara". Cinco minutos depois, nota-se um mal-estar na plat�ia. Lembro-me de Conf�cio, e fa�o a �nica coisa poss�vel:

- Voc� gosta do que eu escrevo? � pergunto.

- Isso n�o vem ao caso � responde. � Sou eu a entrevist�-lo, e n�o o contr�rio.

- Vem ao caso, sim. Voc� n�o me deixa concluir uma id�ia. Conf�cio disse: "sempre que poss�vel, seja claro".

Fragmentos de um diario inexistente
Vamos seguir este conselho e deixar as coisas claras: voc� gosta do que escrevo?

- N�o, n�o gosto. S� li dois livros, e detestei.

- OK, ent�o podemos continuar.

Os campos agora estavam definidos. A plat�ia relaxa, o ambiente enche-se de eletricidade, a entrevista vira um verdadeiro debate, e todos � inclusive Felton � ficam satisfeitos com o resultado.

No avi�o de Melbourne para Los Angeles

Recorto da revista de bordo o trecho atribu�do � Loren Eisley:

"A viagem � dif�cil, longa, �s vezes imposs�vel. Mesmo assim, conhe�o poucas pessoas que se deixaram deter por estas dificuldades. Entramos no mundo sem saber direito o que aconteceu no passado, quais as conseq��ncias que isto nos trouxe, e o que pode nos reservar o futuro".

"Procuraremos viajar o mais longe que pudermos. Mas, olhando a paisagem a nossa volta, sabemos que n�o ser� poss�vel conhecer e aprender tudo".

"Ent�o, nos resta lembrar tudo sobre a nossa viagem, para que possamos contar hist�rias. Aos nossos filhos e netos, vamos relatar as maravilhas que vimos e os perigos que corremos. Eles tamb�m nascer�o e morrer�o, contar�o suas hist�rias aos seus descendentes, e a caravana ainda n�o ter� chegado ao seu destino".


Fonte: O Autor
 
Por:  Paulo Coelho    |      Imprimir