Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 13-10-2007

LENDAS DO DESERTO
Conheci Yasser Hareb durante um encontro em Paris. Discutimos muito sobre a �ltima ponte intacta em um mundo cada vez mais dividido: a cultura.
LENDAS DO DESERTO

Conheci Yasser Hareb durante um encontro em Paris. Discutimos muito sobre a �ltima ponte intacta em um mundo cada vez mais dividido: a cultura. Apesar de tudo que estamos vendo, ainda existem valores comuns, e isso pode nos ajudar a compreender nosso pr�ximo. Pedi a Yasser que escrevesse algumas hist�rias de sua regi�o, que transcrevo (resumidos) a seguir.

Por que est� chorando?
O senhor bateu na porta do amigo, para lhe pedir um favor:

- Quero que me empreste quatro mil dinares porque preciso pagar um d�bito. � poss�vel?

O amigo pediu que a mulher juntasse tudo o que tinham de valor, mas mesmo assim n�o era suficiente. Foi necess�rio sair, solicitar dinheiro dos vizinhos, at� que conseguiram a quantia necess�ria.

Quando o senhor foi embora, a mulher notou que o marido estava chorando.

- Por que est� triste? Agora nos endividamos com nossos vizinhos, tem medo de que n�o sejamos capazes de pagar nosso d�bito?

- Nada disso. Choro porque � uma pessoa que quero muito, e apesar disso eu n�o sabia como estava. S� me lembrei dele quando precisou bater em minha porta para pedir dinheiro emprestado.

O c�digo da hospedagem
Dois homens atravessavam o deserto, quando viram a tenda de um bedu�no, e se aproximaram para pedir abrigo. Mesmo sem conhec�-los, foram recebidos como manda o c�digo de conduta dos n�mades: um camelo foi abatido, e sua carne servida em um lauto jantar.

No dia seguinte, como os h�spedes continuavam ali, o bedu�no mandou abater outro camelo. Espantados, disseram que ainda n�o haviam terminado de comer o que tinha sido abatido na v�spera.

- Seria uma vergonha servir comida velha para aqueles que hospedamos � foi a resposta.

No terceiro dia, os dois estrangeiros acordaram cedo e resolveram continuar a viagem. Como o bedu�no n�o estava em casa, deixaram cem dinares com sua esposa, ao mesmo tempo pedindo desculpas por n�o poderem esperar, j� que se demorassem muito ali, o sol ia terminar ficando muito forte.

J� haviam andado por quatro horas, quando escutaram uma voz que os chamava. Olharam para tr�s: o bedu�no os perseguia, e assim que os alcan�ou, jogou o dinheiro no ch�o.

- Eu os recebi t�o bem! Voc�s n�o t�m vergonha?

Os estrangeiros, surpresos, disseram que com certeza os camelos valiam muito mais que aquilo, mas n�o tinham muito dinheiro.

- N�o estou falando da quantia � foi a resposta. � O deserto acolhe os bedu�nos aonde eles v�o, e jamais nos pede nada em troca. Se tiv�ssemos que pagar, como poder�amos viver? Receber voc�s em minha tenda � retornar uma fra��o daquilo que a vida nos tem dado.

Generoso na morte
Um homem viajava de uma cidade para outra, quando soube que uma sangrenta batalha havia acontecido, e que seu primo estava entre os soldados feridos. Correu para o local, e viu que estava para morrer. Tirou o seu cantil, e ofereceu um pouco de �gua, mas neste momento um outro ferido gemeu, e o primo pediu que desse �gua ao soldado que estava ao seu lado.

- Mas se eu for at� l�, talvez voc� n�o sobreviva! Voc� foi sempre muito generoso em sua vida!

Juntando as �ltimas for�as, o ferido respondeu:

- Mais uma raz�o para ser generoso no momento de minha morte.

Fonte: O Autor
 
Por:  Paulo Coelho    |      Imprimir