Categoria Policia  Noticia Atualizada em 02-12-2007

Tráfico tem plano de aposentadoria para chefões
Em dois levantamentos feitos pela ONU, em 1991 e 2002, Acari apresentou o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Rio de Janeiro, com números comparáveis aos das nações africanas mais pobres.
Tráfico tem plano de aposentadoria para chefões
Foto: www.maratimba.com

Em dois levantamentos feitos pela ONU, em 1991 e 2002, Acari apresentou o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Rio de Janeiro, com números comparáveis aos das nações africanas mais pobres. Para os quase 40 mil habitantes do complexo de favelas do bairro, ao lado das precárias condições de saneamento, moradia, educação e saúde, resta um paradoxo: a convivência com uma das bocas-de-fumo mais rentáveis da cidade. São 100 Kg de cocaína por mês, segundo investigações da Polícia Civil, negociados em moldes empresariais, gerando faturamento de R$ 2 milhões mensais e que inclui até uma espécie de plano de previdência social, que cuida da "aposentadoria" dos chefões.
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Trata-se de uma "aposentadoria" que não prevê 35 anos de tempo de serviço. Um dos beneficiados, Carlos Eduardo Sales Cardoso, o Capilé, obteve, por exemplo, o benefício ano passado, aos 26 anos. Era o gerente-geral das bocas-de-fumo da favela. Juntou seus lucros (a polícia fala em R$ 1 milhão) e fugiu, deixando seu lugar para o traficante Abelha.

Mais um ano se passou e terminou o novo "mandato". No próximo dia 15, uma grande festa está prevista para marcar a saída. Com o que conseguir arrecadar, ele também terá o direito de abandonar a vida criminosa na favela.

"Trocar o comando foi a maneira encontrada por Derico de dar oportunidade a todos e, principalmente, evitar que alguém concentrasse poder por muito tempo", explica um inspetor da Polinter, que há seis meses investiga a quadrilha.

Derico é Alberico de Azevedo Medeiros. Preso em agosto de 2004, em Maringá, Interior do Paraná, ele foi absolvido e, convertido à fé evangélica, deixou Bangu 1 em março do ano passado. Depois, passou a acompanhar o pastor Marcos Pereira da Silva em cultos do líder da Assembléia de Deus dos íšltimos Dias.

O novo gerente
A filosofia implantada por Derico se espalhou. Em seu outro antigo reduto, o vizinho Conjunto Amarelinho, o primeiro a ganhar a "aposentadoria" foi Washington Luís de Oliveira Rimas, o Feijão. O bandido mudou-se para Salvador e, na capital baiana, tentou virar empresário. Comprou imóveis e até um táxi, mas acabou preso pela equipe do delegado Ronaldo Oliveira, na época à frente do Serviço de Repressão a Entorpecentes da Baixada.

O Amarelinho, hoje, é controlado pelo bandido conhecido como Boca. Em Acari, o candidato único para o "cargo" está escolhido: Fia.

Foguetório para troca de refúgio
As punições para quem descumpre as regras da "empresa" quase sempre são pagas com a vida. Nenhum traficante pode passear fora da favela sozinho, temendo que alguém seja pego pela polícia e se transforme em informante. Eles, então, saem em grupos e praticamente só freqüentam bailes de comunidades dominadas pelo Terceiro Comando Puro (TCP). Outra tática para evitar ser preso em casa é a mudança de local para dormir. Quase toda noite, às 4h30, um foguetório indica que todos devem trocar de esconderijo.

Os plantões são de 24 horas, divididos por equipes de oito "vapores". As cargas de 2.600 sacolés ficam na responsabilidade de cada gerente. Todos faturam alto. Um deles, Herbert da Silva Santos, o Marrom, foi preso no último dia 22 pela DRFC. Gerente da localidade conhecida como Coroado, ele admitiu que chegava a embolsar R$ 8 mil mensais. "Um vapor consegue ganhar R$ 4 mil, às vezes R$ 6 mil", contou o rapaz de 24 anos, no tráfico desde os 12.

Um arsenal de cerca de 200 fuzis faz de Acari uma das mais bem armadas quadrilhas do Rio. "Essa obsessão por armas foi disseminada pelo Robinho Pinga (Robson André da Silva) em todo o TCP. Acari, apesar de não adotar a política do confronto com a polícia, tem muita arma", diz um inspetor da Delegacia de Repressão a Armas e Explosivos (Drae).

Proibido roubar carro e carga
Na "empresa do pó" implantada dentro de Acari existem regras básicas. Não roubar é a principal delas. Hoje comandando a Delegacia de Roubos e Furtos de Automóveis (DRFA), Ronaldo Oliveira lembra que a quadrilha local não contribui em nada para o índice da região da Pavuna ser um dos mais altos da cidade em termos de ataques a motoristas. "Nossas investigações indicam que eles não roubam carros. É uma política para evitar a presença da polícia dentro da favela", afirma.

Diretor da Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas (DRFC), Marcus Vinícius Braga confirma o que diz Oliveira: "Eles sabem que se levarem um caminhão pra lá, nós vamos atrás deles".

Com essa política - adotada desde os anos 80 -, Acari ficou longe do foco da polícia ao longo de 2007. E para evitar as tentações, então, os bandidos resolveram sortear carros. A cada 15 dias, alguém da quadrilha ganha um. O último foi um Gol prata, devidamente colocado em nome de parente.

"Eles são comerciantes de droga. A cada três meses um matuto (fornecedor conhecido como João) coloca 300 Kg de cocaína lá dentro. E sem a polícia por perto, eles vão enriquecendo", atesta o agente da Polinter.

Transformar um quilo de cocaína em três - a média das favelas é misturar para obter seis - fez Acari atrair viciados de toda a cidade. E a política não é nova. Em 1990, uma operação da polícia chegou a prender 250 usuários em uma fila na comunidade.

Era o tempo de Darcy da Silva Filho, o Cy de Acari, um dos maiores fornecedores de drogas da época e o mentor desse império de entorpecentes. Quando foi preso, ele deu lugar a Jorge Luiz dos Santos, que manteve a postura assistencialista. Apesar da guerra interna que deixou 20 mortos em 1994, evitava os confrontos com a polícia e distribuía comida e presentes aos moradores. Após sua morte, seu filho adotivo, Derico, assumiu o controle com mãos de ferro e investiu no reforço do arsenal.

Tráfico tem plano de aposentadoria para chefões

Fonte: www.terra.com.br
 
Por:  Gabriel Tanure Sad    |      Imprimir