Categoria Ciência e Saúde  Noticia Atualizada em 19-12-2007

'Não agüento mais', diz psiquiatra de Ryan Gracie
Ele medicou o lutador de jiu-jítsu antes de o atleta morrer na prisão
'Não agüento mais', diz psiquiatra de Ryan Gracie
Foto: G1

Acostumado a lidar com situações de alto estresse, o psiquiatra Sabino Ferreira Farias Neto, que medicou o lutador de jiu-jítsu Ryan Gracie antes de ele morrer no sábado (15), dá sinais de que está sob forte pressão. "Não agüento mais. Minha vida está um inferno." No momento mais tenso da entrevista concedida na tarde de terça-feira (18), chorou ao conversar pelo telefone com Rodrigo Souto, advogado de Ryan.

Durante as mais de três horas de conversa na sala de sua clínica, em Atibaia (a 60 km de São Paulo), Farias Neto sacou documentos, fez ligações e chamou pacientes e funcionários em sua defesa cada vez que era questionado. O psiquiatra ficou visivelmente emocionado ao pedir que Souto confirmasse a versão de que ele pediu que Ryan, detido sob efeito de drogas, fosse levado até a clínica, mesmo que fosse em um camburão. "Não agüento mais", repetiu.

Nos últimos dias, o médico tem sido alvo de críticas por ter dado a Ryan um coquetel de medicamentos após o atleta ter sido preso em São Paulo na sexta-feira (14). No dia seguinte, o lutador foi encontrado morto na cela da delegacia. "Preferia carregar nesses anos a cruz que Jesus Cristo carregou, ser chicoteado, crucificado e viver em paz a passar pelo o que estou passando", afirmou.

Aos 56 anos, o baiano formado em medicina pela Universidade de São Paulo disse que engordou 20 quilos ao parar de fumar. O cigarro e o estresse lhe renderam três enfartes. Uma enfermeira mediu sua pressão durante a entrevista: 14 por 10. Para mantê-la estável, Farias Neto ordenou à secretária: "traga meu kit que está no carro". Tomou dois comprimidos e prosseguiu. A ex-mulher e os três filhos acompanharam o dia agitado e pediam cautela ao médico. Ficaram atentos até ao horário do jantar.

Convicção
Apesar da morte de Ryan" com quem teve contato por duas vezes -, o psiquiatra disse que faria tudo de novo no atendimento ao lutador. "Se eu tivesse de fazer tudo de novo faria o que eu fiz. Foi com a maior dedicação", afirmou. Um exame toxicológico indicou que o lutador estava sob o efeito de drogas quando foi preso.

O médico diz que deu cinco medicamentos para acalmá-lo e um para baixar a pressão arterial. Em 30 dias, o IML (Instituto Médico Legal) deve divulgar o exame que vai apontar a causa da morte de Ryan. O psiquiatra afirmou que o teste será "preciso".

Farias Neto voltou a negar que tenha subornado o carcereiro que vigiava Ryan no 91º DP (Vila Leopoldina). "Sou incorruptível. Minha intenção era fazer com que o Ryan fosse bem tratado. Pudesse comer uma pizza, um sanduíche, tomasse coca-cola". Ele diz que chegou até mesmo a sugerir que se colocasse uma cortina na cela para esconder os ferros. "Era um doente; ia se traumatizar mais", afirmou, referindo-se ao lutador, de 33 anos.

O zelo com o integrante da família Gracie, que popularizou o jiu-jítsu no Brasil, é o mesmo que ele diz ter com os cerca de 30 pacientes internados em sua clínica, a Maxwell. O nome é uma referência ao psiquiatra Maxwell Jones, um dos pioneiros da tese de que um paciente aprende a superar dificuldades com a ajuda dos outros.

O G1 teve acesso às dependências da clínica e ouviu alguns pacientes. Todos elogiaram e defenderam a reputação do médico, que disse ter recebido telegramas, e-mails e ligações em solidariedade. Na parede da sala do médico, uma carta emoldurada foi assinada pelo escritor Fernando Sabino (não há grau de parentesco) em 1986. Ele agradece ao psiquiatra, que atendeu uma pessoa próxima. Escreve que o reconhecimento é de "alguém que se orgulharia de tê-lo (o médico) como filho".

Executivo do setor financeiro, um suíço de 50 anos que luta contra alcoolismo e depressão disse que um mês de internação na Maxwell produziu mais resultados favoráveis à sua saúde do que duas internações em seu país de origem. Ele defende o médico das acusações no caso Ryan: "acho muito infeliz essa história. Ele (Farias Neto) é um ótimo psiquiatra, humano. Trata cada um de maneira muito pessoal", afirmou.

Conforto
A clínica parece um hotel. Piso de mármore, salas de jogos e até um piano na sala. As cinqüenta suítes podem ser individuais ou duplas, nos casos em que o paciente fica com um acompanhante de sua família. Há ainda restaurante, lanchonete, academia, piscina e sala de televisão. A mensalidade varia de R$ 10 mil a R$ 30 mil.

Farias Neto é cauteloso em relação à segurança. Cercas elétricas e porta com detector de metais impedem a fuga de internos. A medida é para evitar o episódio de agosto de 1995, quando um grupo de pacientes fugiu e o caso acabou na morte de um taxista, ex-paciente do psiquiatra.

De acordo com o médico, os internos saíram para trocar "agasalho e tênis por vodca". O taxista, de 33 anos, teria visto a cena e disse que contaria ao psiquiatra. Acabou morto a pancadas na porta da clínica. No mesmo ano, a Maxwell fechou "por deliberação minha", ressaltou Farias Neto. Reportagens da época o atacaram. "Eu fui chamado de traficante de drogas. Voltei para reabrir e mostrar quem eu sou", contou.

Em 1997, depois de reformas, a clínica voltou a funcionar, desta vez como asilo. Não deu certo. "Eu não tinha reconhecimento nesse setor e os dependentes químicos me procuravam", contou o psiquiatra, que atribui ao seu sucesso os inimigos que acumulou em 30 anos de carreira. "O sucesso incomoda a quem é incompetente e o dinheiro também". No meio de tanta turbulência, surge outro paciente na sala. "Isso é uma fase. Vai passar", disse ao médico, a quem chama de "guru".

'Não agüento mais', diz psiquiatra de Ryan Gracie.

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Por:  Felipe Campos    |      Imprimir