Categoria Ciência e Saúde  Noticia Atualizada em 28-12-2007

As maiores apostas da ciência para o Ano Novo
Neurocientista Stevens Rehen, da UFRJ, vê chances de ano brilhante para cientistas
As maiores apostas da ciência para o Ano Novo
Foto: Arquivo pessoal

Como sempre, nessa época que antecede as festas de Réveillon, meu pai lê todas as previsões para o próximo ano. Quais são as chances do Fluminense nos campeonatos carioca e brasileiro? Quem serão os indicados ao Oscar? Qual será a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto de nosso país? Ele se diverte fazendo anotações que, no futuro, serão comparadas com o que de fato aconteceu.

Desta vez, resolvi dar trabalho extra ao meu velho e preparei uma lista com cinco apostas para o mundo da ciência em 2008. Daqui a 12 meses, ele poderá conferir em seus apontamentos quantos dos prognósticos se confirmaram.


APOSTA 1: Em 2008 a ciência irá decifrar o código genético dos neandertais

Será possível conhecer as informações contidas no genoma desse primo do homem moderno, que dominou a Europa e Ásia Ocidental e desapareceu 30 mil anos atrás, depois de alguns milênios de contato com os ancestrais dos seres humanos de hoje.

Os códigos genéticos do ser humano e do chimpanzé, nosso parente vivo mais próximo, já são conhecidos, e essas informações são extremamente úteis para compreender um pouco melhor o que somos.

Seres humanos sabem falar, chimpanzés não. Nós possuímos uma forma do gene FOXP2 (do inglês forkhead box P2) que os chimpanzés não têm e, para alguns, isso explicaria a diferença na capacidade de comunicação das duas espécies. Mutações no FOXP2 estão associadas aos sintomas da chamada dispraxia, incluindo dificuldades de iniciar movimentos relacionados à fala.

Há indícios de que os neandertais possuíssem o "nosso" FOXP2 e talvez também pudessem se comunicar verbalmente. Entretanto, são necessárias várias habilidades motoras e cognitivas para que se consiga falar.

Ao compararmos o DNA de humanos e macacos com o de nossos parentes mal-sucedidos na luta pela sobrevivência, poderemos entender melhor como ocorreu a evolução humana e como surgiram algumas doenças genéticas. Quem sabe, poderemos descobrir até mesmo se em algum momento da história, o homem moderno e o neandertal tiveram oportunidade de bater um papo sobre amenidades da Idade da Pedra Lascada.


APOSTA 2: Da combinação entre neurociência e engenharia surgirão tecnologias capazes de controlar com luz redes cerebrais associadas a doenças

A técnica consiste na introdução de proteínas sensíveis à luz (derivadas de algas e bactérias) em células nervosas. Em 2007, a estimulação luminosa dessas células com fibras ópticas inseridas no cérebro permitiu o controle do movimento de camundongos. Nessa condição, os neurônios se comportam como carros diante de um farol de trânsito, com a peculiaridade de obedecerem a cores diferentes das convencionais. O azul faz com que sejam ativados, enquanto o laranja os "desliga".

Em 2008, essa tecnologia de "controle remoto neural" será aplicada em modelos animais da doença de Parkinson e epilepsia e, num futuro mais distante, poderá ser testada no tratamento dos mesmos distúrbios neurológicos em seres humanos.


APOSTA 3: A "biologia sintética" irá suscitar discussões ainda mais acaloradas sobre as possibilidades da ciência

Esse novo ramo da biologia pretende recriar o código genético de microrganismos, para que desempenhem funções específicas de maneira mais eficiente, ou até mesmo assumam novas funções. Ainda é difícil separar o sensacionalismo da realidade quando se imagina construir organismos à "la carte", a partir da fabricação de módulos artificiais de DNA, mas o sucesso obtido neste ano na substituição do genoma inteiro de uma bactéria por outro sintético antecipa o que está por vir.

As expectativas para essa tecnologia incluem a produção em grande escala de produtos naturais usados no combate a malária, câncer, HIV, diabetes e até mesmo biocombustíveis. É impossível que todos esses avanços aconteçam já no ano que vem. De qualquer forma, a sociedade terá muito o que discutir em 2008 sobre as implicações, vantagens e riscos dessa nova biologia.


APOSTA 4: Saberemos se toda e qualquer célula cancerosa tem a mesma capacidade de gerar um tumor

No ano que vem, 30 mulheres portadoras de câncer de mama serão tratadas com um medicamento originalmente desenvolvido para o tratamento de Alzheimer. Apesar de ineficaz contra a demência, esse fármaco liquidou o câncer de mama no laboratório.

A proposta do experimento é confirmar a hipótese, sugerida há mais de 100 anos, de que tumores sobrevivem aos tratamentos convencionais por serem constantemente repovoados com células provenientes de um pequeno grupamento de células-tronco tumorais presentes em seu interior. Essas células, apesar de possuírem "assinaturas" moleculares específicas e se transformarem exclusivamente em células cancerosas, utilizam as mesmas estratégias das células-tronco para sobreviver e se dividir.

O novo medicamento pretende interferir justamente com a engrenagem necessária ao processo de auto-renovação"- essencial às células-tronco no início do desenvolvimento"- mas que, no caso do câncer, acaba por contribuir para manter vivo o exército de células tumorais que debilitam o organismo do paciente.

Caso a hipótese se confirme, uma nova geração de medicamentos poderá ser testada contra tipos de câncer nos quais células-tronco tumorais já foram descritas, o que incluiria, além do câncer de mama, tumores de pulmão, cérebro, bexiga, cabeça, pescoço, próstata e pâncreas.


APOSTA 5: Células-tronco derivadas da pele serão criadas sem a utilização de vírus ou outras técnicas que as tornem potencialmente cancerosas

Células-tronco com a capacidade de originar todos os tipos celulares presentes em um indivíduo são chamadas pluripotentes. Normalmente são derivadas da massa celular interna de embriões, mas recentemente também foram geradas a partir da reprogramação de células da pele de adultos, com a ajuda de vírus e genes específicos.

Apesar de consideradas pluripotentes, as seqüências virais que carregam em seu DNA podem transformá-las em tumores da noite para o dia.

Com a criação dessa nova geração células-tronco reprogramadas, será possível perguntar se poderão ser consideradas (ou não) uma alternativa às células-tronco embrionárias, e utilizadas como ferramenta para se entender a formação do corpo humano, descobrir novos medicamentos e, quem sabe, tratar várias doenças.

Na virada do ano vestirei branco e comerei 12 uvas, enquanto mentalizo pensamentos positivos. É tradição e não vai me custar nada. Quem sabe até contribui para aumentar o número de apostas acertadas na crescente lista do meu pai.

As maiores apostas da ciência para o Ano Novo.

Fonte:

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Por:  Felipe Campos    |      Imprimir