Categoria Geral  Noticia Atualizada em 12-01-2008

Pacientes moram no HC há mais de 30 anos
Com seqüelas da poliomielite, eles vivem no Hospital das Clínicas (HC) desde a infância.
Pacientes moram no HC há mais de 30 anos
Foto:G1/G1

A porta de um dos quartos na Unidade de Terapia Semi-Intensiva, no 1º andar do prédio do Instituto de Ortopedia e Traumatismo do Hospital das Clínicas (HC), na Zona Oeste de São Paulo, é aberta e uma funcionária diz "boa tarde" aos pacientes. Eliana e Paulo respondem em coro e depois riem para a repórter do G1.
Instalados em camas hospitalares motorizadas, cada uma em uma extremidade do quarto, os dois começam a conversar como se estivessem em casa. E, de fato, estão. Do lado dele, em frente à cama, um computador com dois processadores, HD de 700 GB e 2 GB de memória e um celular com jogos. Na estante em frente, entre os DVDs, a trilogia do "Senhor dos Anéis" e todos os filmes "Matrix", "Indiana Jones" e "Star Wars". Na parede, cartazes de filmes e uma pintura de Darth Vader (vilão de Star Wars).

Do lado dela, vários bibelôs, caixinhas, fotos, bijuterias e um bebê "reborn", boneco que parece real. "Bianca", diz Eliana em referência ao nome da boneca adquirida há um ano em uma feira de artesanato. O quarto de uma mulher bem vaidosa.

Diferentemente dos outros pacientes do instituto, Eliana Zagui, de 33 anos, e Paulo Henrique Machado, de 40, moram no hospital. Ela vive no local desde os 2 anos e ele, desde 1 ano. Ambos precisam da ajuda de máquinas para respirar, pois ficaram com seqüelas de poliomielite. Ele ficou paraplégico e ela, tetraplégica.

Eliana conta que nasceu em uma família muito pobre, que até hoje vive em Guariba, a 337 km de São Paulo. Os pais não tinham condições de pagar pelo tratamento e a deixaram no hospital. Paulo chegou ao local doente, após a morte da mãe.

Nova casa

Mas eles conseguiram superar a distância dos pais e as limitações causadas pela doença. Transformaram o ambiente inóspito do hospital em um quarto aconchegante, que batizaram de casa" e que até a sexta-feira (11) ainda mantinha a decoração de Natal, com vários presentinhos e bonecos de neve pendurados na parede, presépio e árvore de Natal" e desenvolveram o talento nato que possuíam encontrando prazer e fonte de renda.

Autodidata em informática, Paulo conta que ganhou o primeiro computador em 1992. De lá para cá, incluindo três máquinas pifadas pelo caminho "devido à curiosidade excessiva", ele se transformou em "webdesigner", com vários sites vendidos. Agora, o desafio é ainda maior. Há quatro anos ele descobriu o que queria mudar de profissão.

Fã de cinema, principalmente de ação, ficção científica e animação, ele descobriu no mundo dos efeitos especiais o que queria fazer. Montou então um novo computador, o atual, apenas para que ele tivesse capacidade suficiente para rodar um programa de animação gráfica. Orgulhoso, ele mostra um dragão em movimento e um helicóptero criados por ele. "Quero trabalhar com isso. É meu sonho. Sei que tenho muito o que aprender, mas quero muito". Enquanto o sonho não se realiza, ele promete continuar alimentando a fonte de inspiração, o cinema. Com menos restrições físicas do que Eliana, Paulo tem autorização para sair às vezes do hospital, podendo ficar longe das máquinas de respiração artificial por até dez horas. "Vou ao cinema. Quero ir pelo menos quatro vezes por mês".

Pintora

Do outro lado do quarto, Eliana executa movimentos rápidos e logo a tela em sua frente vai se transformando em uma paisagem de céu azul. Aos 8 anos, com a ajuda de voluntários, ela descobriu a pintura. Primeiro trabalhou no papel, depois na madeira e, por fim, conheceu as telas, tudo feito com a boca. Em 12 anos trabalhando apenas com quadros ela diz já ter feito mais de 100 trabalhos, alguns deles vendidos na Suíça.

Entre uma e outra tela, ela sempre reserva um tempinho para pintar potes e pequenas caixas decorativas, que vende para o pessoal do hospital e para visitas. Sorridente, Eliana sintetiza a vida que leva com Paulo no hospital: "é como em todo lugar, tem seus altos e baixos". Chamando Paulo de irmão, ela diz que tem uma relação equilibrada com o pessoal do instituto, com pessoas que adora e outras que "nem tanto assim". "É como todo mundo diz: você não escolhe, família é aquilo que Deus dá. Também foi o nosso caso", completa sorrindo.

Pacientes moram no HC há mais de 30 anos.

Fonte:

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Por:  Felipe Campos    |      Imprimir