Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 30-01-2008

BAHIA NA VÉSPERA DO CARNAVAL
Bahia, terra dos orixás, terra de contrastes, terra onde o processo de seleção natural da espécie humana assume contornos mais vívidos
BAHIA NA VÉSPERA DO CARNAVAL

Bahia, terra dos orixás, terra de contrastes, terra onde o processo de seleção natural da espécie humana assume contornos mais vívidos. É por aqui, debaixo de um sol de rachar côco, que inicio minha peregrinação às areias onde são expostas todas as cicatrizes, todos os furúnculos, eczemas e estrias sem pudor nem constrangimento. Afinal, somos todos seres humanos, e a felicidade suprema consiste no bronzeado sem marcas.

A escolha de tal destino é quase um processo de auto- flagelação, não fôssem alguns belos - ainda que raros - espécimes do sexo feminino que se pode encontrar, de vez em quando, entre um grão de areia e outro. O ano começa, estou para voltar ao batente que me garante o pão de cada dia. Essa dose cavalar de uma sensação de que somos todos iguais, que devemos praticar a tolerância em todos os níveis, que devemos pedir sempre o perdão das nossas faltas e relevar o mal-feito alheio me vem bem a calhar, assim como o bronzeado que me é oferecido como bônus depois de três semanas de frio abaixo de zero entre os poderosos mas problemáticos irmãos do Norte.

A primeira constatação, no desembarque em Salvador, é quase óbvia: a Bahia de Jacques Wagner não é mais tão fotogênica quanto a Bahia do falecido Toninho Malvadeza. Falta algo no ar, um "je ne sais quois" que sobra no asfalto e é perfeitamente documentável: a petulância agressiva, dolosamente homicida, da esmagadora maioria dos motoristas baianos. Será culpa do "upgrade" desfrutado pelas classes D e E, que subiram para a C, e agora conseguem comprar carro - e com isso colocam em prática a teoria do "quem nunca comeu melado, quando come se lambuza", fazendo e acontecendo no trânsito? Dificilmente. E, mesmo que fosse assim, a situação no Distrito Federal seria a mesma (o que não é). Os abusados usam carros novos e caros, modelos que não são para o bico da peãozada que começou a ver uma luz no fim do túnel a partir das melhoras na economia mundial que arrastam o Brasil, mesmo contra a vontade de quem passeia pelo poder.

Sinalização não existe para essa classe de "pilotos". Faixa dupla entre as pistas, sinalizando proibição de ultrapassagem? Bobagem. O caminhão do Departamento de Estradas e Rodagem deve ter deixado cair tinta a mais no chão, quando passou por ali, só isso. A placa indica velocidade máxima de oitenta por hora? Tem alguém obedecendo? Então é hora de grudar na traseira desse carro, até que haja uma chance de ultrapassá-lo na marra, mesmo que venha alguém na pista contrária e seja proibido ultrapassar naquele lugar, ou ele saia da pista e vá parar no meio do mato até mesmo por simples pressão psicológica, igualzinho a gente vê nas corridas pela televisão, quando o piloto que está atrás acaba forçando um erro de pilotagem de quem está à frente.

É bem verdade que a duplicação de uma pequena parte da sub- dimensionada Linha Verde melhorou um pouco as coisas, mas nada justifica o estratosférico nível de irresponsabilidade coletiva praticado nas estradas baianas por onde passei. Posso dizer, com segurança, que meu anjo da guarda fez hora extra para garantir um descanso sem maiores complicações na terra do eterno carnaval.

É bem verdade, também, que na Bahia é preciso colocar tudo em perspectiva, quiçá a existência mesma. Afinal de contas, não é em qualquer lugar que, com o carnaval já comendo solto entre asas, babados, evas e chicletes, pode-se tomar café da manhã ao som de Billie Halliday e seu "Embraceable You" bem mais apropriado para um fim de noite.

É hora de ir embora. A folia vai fazer esse lugar explodir.

Fonte: O Autor
 
Por:  Claudio Lessa    |      Imprimir