Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 17-02-2008

TROPICALISMO Cí”MODO
Engraçado: nunca pensaram no contrário - impor um critério de construção de estradas com a qualidade das estradas do primeiro mundo, resistentes aos extremos de neve, gelo, calor, chuva e seca por anos a fio antes da necessidade de uma reforma
TROPICALISMO Cí”MODO

Brasília - A piada é muito velha - remonta aos tempos da ditadura militar - mas serve de base para a nossa exposição de motivos semanal (sem contar uma risadinha, sempre saudável): o político brasileiro viaja ao exterior e é recebido por seu colega estrangeiro. A caminho do hotel, o político estrangeiro mostra o novo centro de convenções da capital ao brasileiro e diz, apontando para o bolso: dez por cento! Passam em frente a um magnífico centro de arte e cultura, e novamente o anfitrião diz ao brasileiro: oito e meio por cento! O brasileiro fica maravilhado e, ao receber em terras tupiniquins seu colega estrangeiro, procura dispensar a ele a mesma deferência. Ao passarem por um grande descampado, o brasileiro vira-se para o seu convidado de alhures e diz: "Está vendo aquele grande estádio de futebol ali?" O estrangeiro, perplexo, responde que não. "Cem por cento!", diz o brasileiro, batendo orgulhoso em seus bolsos.

No Brasil, a "tropicalização" sempre foi um meio de vida. Para uns - as montadoras de automóveis, por exemplo - o termo significa mediocrizar um refinado projeto automotivo com o objetivo de torná-lo mais robusto e mais capaz de enfrentar o desatino que são as condições de tráfego do país.

Engraçado: nunca pensaram no contrário - impor um critério de construção de estradas com a qualidade das estradas do primeiro mundo, resistentes aos extremos de neve, gelo, calor, chuva e seca por anos a fio antes da necessidade de uma reforma. O lobby dos ladrões é muito forte, claro.

Para outros, a "tropicalização" representa o que a piada descreve: importação de um processo qualquer - seja ele corrupto ou não, com adaptações, que os brasileiros preferem chamar de "aperfeiçoamentos", como se nós fôssemos os mais adiantados. As alterações acabam sempre por provocar o caos e, depois, ninguém sabe de quem é a culpa. Filho feio não tem pai.

É assim, por exemplo, que os detrans (com minúscula, mesmo) se tornaram verdadeiros "departamentos caça-níqueis", sempre à espreita para o ataque ao cidadão indefeso, em vez de assumirem seu papel honrado de educadores e coordenadores de um trânsito decente. E é assim, também, que se tem hoje a farra dos cartões de crédito usados pelos funcionários do governo em churrascarias, feltro para mesas de sinuca, esteiras ergométricas e Deus sabe-lá-o-quê mais - o generalzinho cumpanhêro que cuida do assunto é também um saudosista da linha dura dos anos 60 e defende a menor transparência possível nesses casos, o que piora ainda mais as coisas quando se sabe que um caminhão de dinheiro vivo foi sacado dos caixas eletrônicos.

Tabula rasa: o cartão é necessário? Sim, absolutamente sim. O cartão representa um avanço em todos os sentidos? Sim, absolutamente sim. A revelação de detalhes de seu uso deve ser ampla, total e irrestrita? Sim, absolutamente sim. No entanto, o uso do cartão, desde o começo, tinha que ser rigorosamente restrito - não a um pequeno número de privilegiados funcionários - mas sim ao modo de uso desse instrumento.

A grande vantagem do cartão é a rastreabilidade, que inclusive poderia ser expandida no âmbito governamental para revelar o que foi adquirido, nome do(a) vendedor(a), além do local, data e preço. Dinheiro vivo? Nem pensar. Aliás, uma exceção de caráter humanitário: o funcionário portador de um cartão desses teria direito de sacar uma única vez algo como 300 reais no caixa eletrônico, e como último recurso (está no mato sem cachorro, com as calças na mão, e nenhum conhecido por perto tinha dinheiro pro táxi até o aeroporto mais próximo). Depois, teria ainda que explicar por escrito a necessidade premente que o levou a fazer tal saque, se não quisesse ver o dinheiro descontado de seu salário, o cartão recolhido e uma advertência por escrito lançada sobre seu prontuário funcional.

Mas, é assim mesmo. Fazer as coisas de maneira simples por aqui é algo muito complicado.

Fonte: O Autor
 
Por:  Claudio Lessa    |      Imprimir