Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 23-02-2008

OS LEITORES E A MÚSICA
Aconteceu há muitos anos na Ópera de Paris (não pude comprovar se é verdade). Os ingressos estavam todos esgotados para a apresentação de um famoso tenor,
OS LEITORES E A MÚSICA

O cantor substituto (enviada por Murali)

Aconteceu há muitos anos na í"pera de Paris (não pude comprovar se é verdade). Os ingressos estavam todos esgotados para a apresentação de um famoso tenor, mas no dia marcado, já com a casa repleta, descobriu-se que um problema de transporte iria impedir que ele chegasse a tempo.

Desconcertado, o diretor da í"pera subiu ao palco, explicou o que estava acontecendo, e pediu que um tenor local o substituísse.

A audiência reagiu como era de se esperar; desconforto, alguns expectadores se levantando para pedir o dinheiro de volta, e outros simplesmente aguardando o que estava por vir, já que tinham marcado seus choferes e seus jantares para determinada hora, e não sabiam exatamente como passar o tempo.

O tenor substituto subiu ao palco e fez o melhor que podia. Durante duas horas, cantou com sua alma e seu coração. No final, um silêncio quase completo" porque não era exatamente ele que esperavam escutar.

Apenas um espectador aplaudia. E em determinado momento, ouviu-se sua voz infantil:

- Papai, você é genial! Você é genial!

No momento seguinte, todo o teatro ovacionava de pé o espetáculo; uma simples palavra de amor havia mudado tudo.



O velho fadista (enviada por Cristina Santos)

A varanda de minha casa está virada a poente, por isso tem a vantagem de em dias claros, de inverno ou verão, receber a luz do sol durante quase toda à tarde. Certa manhã ocupava-me das tais tarefas domésticas, quando vi a figura humilde e andrajosa de um homem; se não era muito idoso, estava maltratado pela vida e pelo tempo.

Para se deslocar recorria à ajuda de muletas, pois uma das pernas estava atrofiada. E me impressionou porque mesmo assim ainda conseguia transportar uma velha guitarra clássica!

Sentou-se em um bar em frente e começou a cantar. Assim que escutei a sua voz, estremeci! Era tão bela, como
a de um anjo sereno e abençoado, embora triste. Aos poucos
preencheu todo o ambiente, ecoou nas paredes, envolveu-me, elevou-me... Percebi minhas lágrimas involuntárias que rolavam para o chão, pressenti as pessoas emocionadas que acorriam às varandas. E as crianças estupefatas e maravilhadas que já não brincavam...

Compreendi que vivia um momento de efêmera eternidade, de comunhão com outras almas, como se por magia estivéssemos sidos chamados à outra dimensão, a um universo mais belo, onde talvez tudo fizesse sentido... Ou talvez não!

Por fim, a sua voz calou-se e ficou um silêncio que tinha gosto de vazio, quase opressivo, mas logo as palmas troaram efusivas, os sorrisos iluminaram e as crianças gritaram "bis" entusiasmadas.

No entanto, o homem, como que completada a sua missão, preparou as muletas e continuou seu caminho. Saí correndo e só descansei quando o alcancei, esbaforida. Era tão óbvio deduzir que o fado era o seu ganha pão, que sem hesitar lhe apertei uma nota na mão, mas juro que foi apenas, quando comovida, o abracei e lhe pedi que nunca mais parasse de cantar, e o seu rosto enrugado e cansado se suavizou... e me sorriu!

Não voltei a vê-lo, mas quero acreditar que continua por outros caminhos, a chorar o seu fado, a cumprir a sua missão. Se por acaso ele passar aí perto, diga-lhe, por favor, que não o esqueci.

Fonte: Redação Maratimba.com
 
Por:  Paulo Coelho    |      Imprimir