Categoria Geral  Noticia Atualizada em 30-05-2008

Jovem com paralisia cerebral recebe carteira da OAB
Como celebridade, Flávia Cristiane Fuga e Silva exibiu sua permissão para advogar
Jovem com paralisia cerebral recebe carteira da OAB
Foto: Simone Harnik/G1

Na noite desta quinta-feira (29), 45 bacharéis em direito fizeram o juramento profissional em São José dos Campos, no interior de São Paulo. Mas um deles, com mais empenho. Flávia Cristiane Fuga e Silva, de 26 anos, com paralisia cerebral, recebeu sua carteirinha de advogada, após cinco anos de faculdade e três exames da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

A jovem praticamente não fala e se locomove com o auxílio de uma cadeira de rodas. Em parte do juramento, foi auxiliada pela mãe para levantar seu braço esquerdo. Persistente, a moça escapou da mãe, levantou a mão direita e, como tantos colegas, prometeu defender a advocacia com dignidade, com ética e lutar pelos direitos humanos e pela justiça social.

Perguntada se estava contente, Flávia se agitava, sorria e deixava que os olhos falassem sobre o momento. Sua mãe, a assistente social Maria do Carmo Fuga e Silva, traduziu o sentimento que compartilhava com a filha: "Hoje é o dia mais feliz da minha vida", disse orgulhosa.

Ao pai, o advogado, Eliezer Gomes da Silva, coube a tarefa de entregar o documento que permite à filha advogar em todo o país. Junto da carteirinha, ele repassou um pequeno livro de capa vermelha com os estatutos dos advogados.

Para conseguir passar no temido exame da OAB, Flávia se preparou em cursinho, após a graduação concluída na Universidade do Vale do Paraíba (Univap) em 2005. Tentou duas vezes até a conquista. A prova, com duas fases e cinco horas de duração em cada uma delas, teve o período ampliado para Flávia.

Sem o aumento do tempo seria quase impossível para a jovem escrever a peça profissional – uma simulação de um processo real – da última fase da avaliação. Ela teve direito a oito horas de prova muito bem utilizadas. A mãe a acompanhou: "Nem ir ao banheiro ela quis", conta.

No exame 133, realizado em agosto de 2007, 84,1% dos 17.871 candidatos foram reprovados. Essa foi a prova em que a moça garantiu o passaporte de advogada. Suas respostas para as questões foram coletadas com auxílio de um teclado virtual, com o qual Flávia forma com a mão esquerda as palavras letra a letra.

Celebridade
Na noite em que foi celebridade, a moça, em trajes pretos e sóbrios, atendeu com disposição os repórteres, fotógrafos e amigos. Chegou ao evento de entrega de carteirinhas, marcado para as 17h30, com dez minutos de atraso. Tudo bem. Todos a esperavam.

Mesmo na OAB, enfrentou as dificuldades cotidianas de portadores de deficiências: um veículo ocupava a vaga de deficiente e atrapalhou o acesso. Pelo microfone, alguém rapidamente alertou o proprietário para que retirasse o carro prata do local.

A família foi recebida sob flashes e entrou no salão com cerca de 150 pessoas. Flávia se esforçou em acompanhar o hino nacional e, em muitos trechos, sua voz baixinha podia ser ouvida pelos mais atentos.

Ela foi a primeira a receber a carteirinha na cerimônia – uma pequena transgressão, já que a ordem alfabética é que costuma comandar esse tipo de evento. O objetivo era facilitar a vida dos jornalistas que ainda queriam relatar sua história.

Depois, a jovem ainda deu entrevistas junto da família, tirou fotos, recebeu as amigas que a ajudaram no percurso da graduação. "No dia da matrícula, estava na faculdade com meu pai e ele viu a Flávia. Logo ele disse que aquilo sim era dificuldade e persistência, e que ninguém podia reclamar da vida. Eu nem imaginava que a Flavinha ia se tornar uma amiga", contou Camila Vilela Macedo do Nascimento, uma das primeiras a ajudar a jovem na faculdade.

Outra colega Ivania Moura e Souza lembra ter ficado emocionada durante uma aula. "Estava distraída, quando, de repente, ouvi meu nome. Era a Flávia me chamando e isso era muito difícil para ela." Segundo a amiga, a nova advogada no mercado não é nada tímida e mantém posições firmes quando entra em uma discussão.

Segundo o presidente da OAB em São José dos Campos, Luiz Carlos Pêgas, a aprovação de Flávia foi um marco: "A Ordem em São Paulo sempre defendeu os deficientes, mas não tinha advogados com paralisia cerebral. A Flávia não tem fala, mas tem um raciocínio muito legal. Atua com o pai, o que vai ajudar nas dificuldades", afirmou.

E não é só com o pai que Flávia vai trabalhar. Sua vaga na Comissão de Direitos das Pessoas com Deficiência já está garantida.

Jovem com paralisia cerebral recebe carteira da OAB. Como celebridade, Flávia Cristiane Fuga e Silva exibiu sua permissão para advogar.

Fonte:

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Por:  Felipe Campos Estevão de Freitas    |      Imprimir