Categoria Geral  Noticia Atualizada em 09-06-2008

Sargento gay diz que teme por sua vida em prisão do Exército
Em declaração ao Fantástico, Laci Marinho afirmou ter recebido ameaças. Ele foi preso pela polícia do Exército na terça-feira (3) em São Paulo.
Sargento gay diz que teme por sua vida em prisão do Exército
Foto: www.g1.com.br

Militares de carreira que já serviram até no batalhão da Guarda Presidencial, os sargentos do Éxercito brasileiro Fernando de Alcântara Figueiredo, de 34 anos, e Laci Marinho de Araújo, de 36, são mais do que colegas.

Ao ser questionado sobre o que sente por Laci, Fernando, especialista em combates arriscados, é taxativo: "Amor. Porque eu acho que o amor transcende. O amor não tem sexualidade."

O primeiro caso assumido de um casal gay na história das Forças Armadas do Brasil foi revelado pela revista Época. Na terça-feira (3), depois de uma entrevista para uma rede de TV, em São Paulo, na companhia do sargento Fernando, o sargento Laci recebeu voz de prisão da polícia do Exército. Em seguida, os dois foram levados para Brasília.

"Na Base Aérea de Brasília, nós descemos de um avião bandeirantes e um oficial, um tenente do batalhão de polícia do Exército, agrediu ele, jogou ao chão, algemou, jogou dentro de uma viatura militar. Existia um grupo de mais de 10 militares armados com fuzis, metralhadoras, pistolas. Parecia mesmo uma operação para prender um grande criminoso", disse Fernando.

Nesta sexta (6) de manhã, a reportagem do Fantástico conseguiu contato com o sargento Laci.

Fantástico: "Onde você está agora?"
Laci: "Eu estou no batalhão de polícia do Exército. Mas eu temo, viu?"

F: "Teme? Você tem medo de quê?"
Laci: "Eu tenho medo. Eu temo pela minha vida. Porque a instituição me tornou o inimigo número um."

F: "Mas você sofreu algum tipo de ameaça?"
Laci: "Várias."

F: "Que tipo de ameaça?"
Laci: "Não tem como falar agora. Estão faltando 20 segundos. Não tem como falar agora."

F: "Está certo."
Laci: "Porque eu estou rodeado aqui."

F: "Está certo."

No Exército, silêncio absoluto. Laci e Fernando estão juntos desde 1997. Eles moram em um apartamento funcional, em um prédio que pertence ao Exército, em Brasília.

As autoridades militares dizem que Laci desertou ao se afastar do trabalho por mais de oito dias sem justificativa. O Código Penal Militar prevê até dois anos de prisão para o crime de deserção, mas, para os dois sargentos, o que há é puro preconceito contra os homossexuais.

"O que aconteceu foi, muito naturalmente, essa descoberta da sexualidade da gente após o ingresso na força. Nós tomamos por conduta preservar isso aí. Não só pela aceitação, que a gente sabe que não seria muito bem aceito na instituição, mas porque é uma coisa muito íntima da gente. A gente levou essa situação o máximo que a gente pôde para que isso não fosse exposto. Mas como as perseguições ficaram uma coisa muito contundentes ultimamente, não tinha mais o que se esconder", alegou Fernando.

Ele disse que seu companheiro começou a ficar doente em 2006, com suspeita de esclerose múltipla, uma doença grave e degenerativa. "Ele entrou em depressão profunda, ele começou a adquirir um pânico em especial em relação à instituição e à farda", contou.

Fernando diz que seus superiores tiveram sempre uma postura de desconfiança. "E trataram com descaso, como se ele realmente estivesse forjando uma situação para se beneficiar de um possível afastamento da instituição. O que eu acredito ser o principal motivo é o grande preconceito que existe. Eu posso chamar isso de homofobia", afirmou.

Cássia Eller
A gota d’água teria sido a outra atividade do sargento Laci. "Era integrante de uma banda de pop-rock que se apresentava com um show intitulado ‘Eu queria ser Cássia Eller’, porque a voz dele é extremamente parecida com a da Cássia. E ele estava fazendo um certo sucesso local e isso incomodava as autoridades militares, que não viam isso com bom grado", revelou.

Laci aparece dando entrevista para a TV Globo de Brasília, em 2005, sobre a semelhança de sua voz com a da cantora Cássia Eller. "Dizem que o meu timbre é parecido com o dela e tal. Isso é interessante. Positivo por um lado, negativo do outro. Mas, por mim, tudo bem. O importante é comentar. Falem mal, falem bem, mas falem de mim", declarou Laci, na época.

Tal comparação teria gerado animosidade contra Laci dentro do Exército, segundo Fernando. "As pessoas começaram a ter um certo desagrado com a presença dele e o taxaram de sargento Cássia Eller", disse.

Foi a procuradora da Justiça Militar, Cláudia Lamas, quem pediu a prisão de Laci. Ela mostra um vídeo feito em fevereiro, em que o sargento Laci aparece chegando de viagem, no aeroporto de Brasília, durante um período de licença médica.

Fantástico: "O que eles dizem é que existe um clima de perseguição e intolerância no Exército. A senhora detecta isso?"

Procuradora: "Não. Eu ouvi alguns militares, dentre eles soldados. Quando um soldado me diz que é injusto um sargento tirar licença e fazer show, quer dizer, eu fico comovida com a história do soldado, porque o soldado está ali trabalhando todo dia, ganha muito menos do que um sargento."

Para ela, o Exército não discrimina ninguém.

Procuradora: "Ele fala: doutora, a minha opção sexual é bem definida, eu não tenho nada a esconder. E isso para mim é um fato. Eu também tenho a minha opção. Cada um pode ter a sua opção."

Fantástico: "E o Exército aceita isso de maneira tranqüila?"
Procuradora: "Aceita. A questão da opção sexual, sim."

O Código Penal Militar, de 1969, pune o crime de pederastia, cometido dentro de uma unidade militar, com até um ano de prisão. O texto define o delito: qualquer ato libidinoso, homossexual ou não. A palavra heterossexual não aparece na lei.

Procuradora: "A parte de português, a interpretação seria a mesma."
Fantástico: "É uma questão de português, na sua opinião?"

P: "O legislador, na época, poderia ter optado por colocar: heterossexual ou não. O legislador, não sei por que razão, colocou: homossexual ou não. Então, quer dizer, não há nenhuma predisposição da Justiça Militar."

Fernando diz não acreditar na total isenção dos membros do Ministério Público Militar e acusa também oficiais de sua unidade, o Hospital Geral do Exército, de fraude em licitações. E conseguiu, na Justiça Federal, uma liminar para impedir a transferência dele e de Laci para cidades diferentes, que o Exército já tinha determinado. Para ele, seus superiores não querem enfrentar o fato de que existe, no Exército, todo tipo de orientação sexual.

"Existem homossexuais, existem bissexuais, que se mantêm preservados. E outros que não. Que aí quando os superiores reconhecem que existe isso aí, lamentavelmente essas pessoas são mal vistas na instituição. Os colegas viram a cara, como tem acontecido comigo e com o Laci. Eu posso falar, porque eu não vou citar nomes, mas eu já fui assediado do soldado mais novo da corporação, um recruta, até oficial general. Isso aí é uma coisa comum que acontece", disse.

Uma decisão, ele já tomou: está vivendo seus últimos dias de farda. "E depois eu vou tocar a minha vida de uma outra forma, porque não tem mais condições de ficar lá. Eu vou fazer de tudo para conseguir um emprego e me estabilizar, e sair do Exército. Não é lugar para mim", finalizou.

Sargento gay diz que teme por sua vida em prisão do Exército
Em declaração ao Fantástico, Laci Marinho afirmou ter recebido ameaças.
Ele foi preso pela polícia do Exército na terça-feira (3) em São Paulo.

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Por:  Alexandre Costa Pereira    |      Imprimir