Categoria Politica  Noticia Atualizada em 18-07-2008

Vice-presidente derruba lei de impostos e impõe duro golpe
Líderes ruralistas Eduardo Bussi (esq.), Mario Llambias (centro) e Luciano Miguens comemoram após decisão do Senado argentino
Vice-presidente derruba lei de impostos e impõe duro golpe
Foto: Juan Mabromata

Numa maratônica e histórica sessão, o Senado argentino rejeitou o projeto de lei que aumenta o imposto às exportações de grãos, as chamadas retenções. A derrota do oficialismo chegou depois de 18 horas de debate e veio por onde menos se esperava. Foi o próprio vice-presidente da República, também presidente do Senado, Julio Cobos, o responsável por impor a derrota à presidente Cristina Kirchner.

Apesar de ser maioria no Senado, o bloco governista não conseguiu obter a maioria simples de 37 votos para aprovar a polêmica medida que gerou um enorme conflito setorial que acabou por tomar dimensão nacional durante mais de quatro meses.

O resultado da votação apontou um empate em 36 votos entre as posturas a favor (governistas) e contra (oposição) o aumento das retenções. O desempate cabia ao presidente do Senado, Julio Cobos, que constitucionalmente é o vice-presidente da República. Para surpresa geral da nação, o governo provou o sabor amargo do "fogo amigo".

A rejeição do projeto de aumento das retenções dos atuais 35% a mais de 50%, de acordo com o cereal e com a variação do preço internacional, significa um duro golpe no capital político da presidente Cristina Kirchner e do seu marido, o ex-presidente Néstor Kirchner, que estão no poder há cinco anos. Os dois colocaram todas as fichas numa vitória a qualquer preço sobre um projeto considerado emblemático para o modelo econômico e político. Está aberta uma crise institucional de consequências imprevisíveis.

Antes de convocar uma segunda votação pelo regulamento que também terminaria empatada em 36 votos, o vice-presidente pediu a palavra.

"Sei que o país nos está olhando. São 4 da manhã. Há gente nas ruas, nas praças, esperando do Congresso uma resposta que não seja uma derrota ou uma vitória e sim uma solução a este conflito. (Uma resposta) que preserve a paz social e que busque o consenso. Obviamente, o consenso não está presente e o país está partido. Todos estamos preocupados", apontou.

"Hoje deve ser o dia mais difícil da minha vida", concluiu Cobos, visivelmente emocionado, com a voz cada vez mais pausada e trêmula. "Tenho uma responsabilidade institucional neste momento. Tenho que dar tranqüilidade a todos os argentinos que querem viver em paz. Este assunto gerou esta divisão no país que para mim e para muitos argentinos é inexplicável", prosseguiu.

Depois de um emotivo discurso de meia hora, Cobos ainda tentou pedir um intervalo aos líderes das bancadas como forma de tentar encontrar um consenso entre as posturas.

O primeiro a rejeitar a proposta foi o presidente da bancada governista, Miguel Pichetto. Nitidamente nervoso e irritado, Pichetto mantinha o olhar fixo no vice-presidente.

"Tenho instruções (da presidente Cristina Kirchner). Jesus disse aos discípulos: o que tiver de ser feito, que seja feito rapidamente. Não gostaria de estar no seu lugar. Este debate está esgotado. Esperamos pelo seu voto", desafiou Pichetto, quem dias antes dissera que se o vice-presidente votasse contra a presidente, deveria renunciar.

Pela oposição, o senador Ernesto Sanz temia pelo pior nas ruas se adiassem a decisão: "Terminemos isto hoje pela tranqüilidade e segurança pessoal de todos os senadores", em referência às agressões sofridas nas últimas semanas por alguns legisladores governistas.

Depois da segunda votação, o vice-presidente voltou a falar. Preparou o terreno para a decisão e usou palavras para a posteridade. Referiu-se às contradições entre a fidelidade ao governo e o que o seu coração dizia.

"Não creio que isto seja o motivo para pôr em risco o país, a governabilidade, a paz social. Quero continuar sendo o vice-presidente de todos os argentinos, o companheiro de formula até 2011 com a atual presidente", disse Cobos, temendo as consequências da sua decisão.

"A história me julgará. Não sei como. Não posso acompanhar (a vontade do governo). E isto não significa que esteja traindo ninguém. Estou agindo de acordo com as minhas convicções", explicou. "Que a história me julgue. Peço perdão se estou errando. O meu voto não é positivo", concluiu.

Festejos
No bairro de Palermo, onde horas antes os ruralistas convocaram cerca de 250 mil pessoas na maior manifestação popular desde o retorno da Democracia em 1983, os ruralistas explodiram num grito de vitória. Eram as 4:30 H da madrugada. Milhares de pessoas participaram da festa. Um desavisado pensaria que a Argentina acabara de ganhar um Mundial.

"É um triunfo do povo. É o grito histórico por um país federal. O nosso mais sincero reconhecimento a Cobos, um verdadeiro patriota", discursou à multidão Eduardo Buzzi, presidente da Federação Agrária Argentina, uma das quatro entidades agropecuárias do país. "Reaparecerá a confiança, um elemento de ouro para a economia", entusiasmou-se.

Em frente ao Congresso, milhares de militantes kirchneristas eram decepção e raiva. Muitos atiraram paus e pedras contra o Congresso e tentaram derrubar a proteção posta para conter a fúria.

Reviravolta
Poucas horas antes do resultado da votação, o panorama era exatamente o contrário. Quando às 20:50 H o senador pela Província de Catamarca, Ramón Saadi, anunciara em plenário que apoiaria o projeto de lei que eleva as retenções, os governistas ficaram a um passo de uma vitória. Saadi era um dos "indecisos" cujo voto foi um mistério ao longo do dia.

Imediatamente, as reações eram diametralmente opostas nesta Argentina politicamente dividida depois de mais de quatro meses de um conflito agropecuário que deixou os ânimos à flor-da-pele. Ambos os lados, militantes do chamado "kirchnerismo" acreditavam que o jogo já estava decidido uma vez que os governistas chegavam ao mágico número de 37 votos, a partir do qual se atingia a maioria simples. Os senadores que rejeitavam o projeto de lei somavam 35 votos.

Os militantes kirchneristas explodiam num festejo. Cada voto confirmado parecia um gol numa final. Até ministros como o do Planejamento, Julio de Vido, e a do Desenvolvimento Social e cunhada da Presidente, Alicia Kirchner, foram até as barracas onde os militantes faziam uma vigília de 48 horas.

Num último sopro de esperança para reverter o final da votação, manifestantes a favor da causa agrária, também em vigília, iniciavam um panelaço pelas avenidas do bairro de Palermo, onde se concentravam. O som das panelas ecoava ainda por outros bairros da Capital, mas de forma isolada.

"Conseguir a aprovação dessa maneira não resolve o conflito", advertia Luciano Miguens, presidente da Sociedade Rural Argentina. "Esta lei não servirá para acabar com os protestos", completava.

O suor frio do governo
Uma hora depois, quando as reações pareciam definitivas, uma nova incógnita surgia. O senador Emilio Rached, da Frente Cívica Social da Província de Santiago del Estero talvez não votasse a favor do governo como fontes do oficialismo garantiam. Assim, a disputa passava para um eventual empate em 36 votos para cada lado. Esse único voto manteria o suspense sobre o resultado da votação até a primeira votação às 3:50 H, depois de 17 horas de debate.

O empate obrigava ao presidente do Senado, Julio Cobos, a desempatar. O vice-presidente estava diante do dilema de apoiar o setor agropecuário ou de representar o seu próprio governo, apesar de ter sido congelado pelos Kirchner desde que, nas últimas semanas, questionara a posição inflexível da Presidência quanto à medida de aumento das retenções. Para Cobos, mais importante do que conseguir a maioria do votos era conseguir o consenso para a unidade do país. Os Kirchner encararam a postura como uma afronta ao Poder e cortaram-lhe o diálogo.

A paridade final foi resultado de uma jornada em que os governistas viram como, um a um, alguns novilhos desgarravam-se do rebanho. Logo pela manhã, antes do debate, os cálculos indicavam que cinco senadores mantinham-se "indecisos". As baixas sucediam-se e faziam acender as luzes amarelas na Casa Rosada, sede do governo. Os produtores rurais, por outro lado, enchiam-se de esperanças.

A votação foi precedida por suspeitas de compra de votos por parte do governo, através de favores políticos, cargos e recursos financeiros para as províncias, dependentes do caixa do governo. Caixa formado pelas próprias retenções, um imposto não-federal, responsável por 90% do superávit fiscal do país.

A tarefa de persuadir os "indecisos" incluiu telefonemas diretos do ex-presidente Néstor Kirchner e até da sua esposa, a presidente Cristina. Mas o resultado final foi um balde d"água fria do próprio vice-presidente. Só o futuro sabe até onde a água salpicou.

Vice-presidente derruba lei de impostos e impõe duro golpe a Cristina Kirchner

Fonte: Márcio Resende
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Por:  Alexandre Costa Pereira    |      Imprimir