Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 04-10-2008

ECONOMIA E FÉ
O crédito substitui, no mundo da economia, o papel que a fé desempenhava nas sociedades cristãs
ECONOMIA E FÉ

Juliano Ribeiro Almeida

Depois da crise mundial do preço dos alimentos, que não chegou a causar rombos tão grandes assim, agora é a vez dos mercados financeiros ameaçarem quebrar. Uma crise imobiliária nos Estados Unidos deu o alerta daquilo que veio a desembocar nas últimas semanas na queda geral das bolsas de valores, na subida do preço do dólar no mundo todo e na falência da quarta maior instituição bancária das Américas. A economia em um mundo globalizado é assim: cada ponto da rede que afunda acaba levando toda a rede consigo. Parece um princípio de solidariedade no seio do capitalismo, mas definitivamente não é.

A grande ferramenta que os bancos centrais têm hoje para influir no cão raivoso e indomável da economia liberal é a indexação dos juros. Há algumas décadas, a Igreja Católica ainda apregoava, como um João Batista institucionalizado, que a cobrança de juros era imoral e, portanto, algo pecaminoso e proibido aos cristãos. Essa idéia, hoje zombada e colocada no mesmo nível que o modelo geocêntrico que puniu Copérnico, não deixa de fazer sentido. E muito! O dinheiro é uma criação humana e não um ser vivo; logo, como o homem não tem o poder de criar nada que venha a se reproduzir, então o dinheiro não pode gerar mais dinheiro. Era considerado ilícito ao ser humano lucrar sem trabalhar, acumular sem ter empreendido, crescer financeiramente apenas fazendo o milagre diabólico da multiplicação do dinheiro, sem usar nada a não ser o próprio dinheiro. Os juros eram considerados abusivos e exploradores em si mesmos.

Então o capitalismo inventou a variação cambial e a inflação, que por sua vez acabaram inventando a contínua necessidade de correção monetária. Foi à forma politicamente correta de se conseguir aprovar moralmente a idéia da usura como inevitável para a sobrevivência do sistema. De lá pra cá, é aquela história: o preço do feijão sobe porque subiu o preço do combustível que viabiliza o seu transporte; o preço do aluguel sobe porque subiu o valor do salário mínimo, que na verdade subiu para compensar as perdas que a inflação já havia provocado; o preço de determinado tipo de roupa sobe porque o mercado decidiu que naquela estação essa roupa vai ser a moda; pior: o preço daquela empresa sobe ou cai simplesmente porque alguém especulou, blefou, estimulou a competição. O valor está cada vez menos agregado fisicamente ao produto, e mais ligado a uma idéia, um conceito.

O crédito substitui, no mundo da economia, o papel que a fé desempenhava nas sociedades cristãs. Antes, uma pessoa precisava de fé para alcançar o sucesso (fé no sentido de ser uma pessoa em quem se podia colocar fé, ou seja, alguém confiável moralmente); hoje em dia, basta que ela tenha crédito no mercado. Se ela é confiável ou não, isso não importa; se ela é digna de fé, isso não interessa; até porque o crédito é agora consignado. As financeiras estão esbanjando anúncios do tipo: "fazemos empréstimos sem documento, sem consulta ao SPC, sem comprovante de renda" etc. Isso porque o mercado não quer mais saber se você é confiável, se vai ser um bom pagador etc. O importante é que você assine os papéis e "compre" o crédito; aí, se você não conseguir pagar, vire-se! "Dali você não sairá, enquanto não pagar o último centavo" (Mt 5,26). Mesmo com tanto crescimento econômico no Brasil, nunca houve tantos endividados como hoje em dia. O rolamento da dívida acaba "rolando" a pessoa para a depressão e para os vícios.

Tudo isso que estamos vendo era o que a Igreja Católica, inspirada pelo Espírito Santo, previa nos inícios da modernidade ao alertar sobre o perigo da cobrança de juro. A Igreja já imaginava que isso de dar ao dinheiro status de procriador ainda nos levaria à escravidão social. Deu no que deu: hoje o mercado tem variação de humor, precisa ser acalmado e alimentado conforme suas próprias exigências, senão surta e nos devora. Criamos um monstro e agora passamos a vida inteira para satisfazer os seus caprichos. Já dizia o Salmo 15: "Senhor, quem pode hospedar-me em tua tenda Quem anda com integridade e pratica a justiça... e não empresta dinheiro com usura" (1.2.5).


    Fonte: O Autor
 
Por:  Juliano Ribeiro Almeida    |      Imprimir