Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 05-02-2009

VOZES DE GUANTÁNAMO
Uma das promessas de campanha do presidente americano Barak Obama - o fechamento da prisão de Guantánamo...
VOZES DE GUANTÁNAMO
Foto: Abdul Wahid

Uma das promessas de campanha do presidente americano Barak Obama - o fechamento da prisão de Guantánamo - tem o prazo de um ano para ser cumprida. O sinal verde já foi dado pelo presidente recém-empossado. Por manter detentos suspeitos de terrorismo desde 2002, sem direito a informação ou julgamento e muitas vezes submetidos a torturas, a prisão erguida num enclave americano em Cuba ainda é um símbolo da arrogância americana da era Bush. Além dos próprios presos e de advogados, poucos chegaram a conhecer essa realidade de perto. Mahvish Khan, americana filha de afegãos, não só conseguiu como escreveu o livro "My Guantanamo Diary", um relato inédito, já que jornalistas não tem acesso aos presos. No livro, ainda não lançado no Brasil, ela traça perfis de presos que visitou no centro de detenção, em Cuba. "Queria que eles fossem humanizados e tivessem o direito de falar, coisa que todos os supostos estupradores e assassinos dos Estados Unidos tem", diz ela em entrevista para a revista Super Interessante deste mês, da qual faço o resumo abaixo.

Em 2005, quando ainda era aluna de direito e estudava os estatutos federais sobre tortura, ela percebeu que Washington tinha burlado a Constituição americana para criar um campo de detenção onde os prisioneiros poderiam ficar indefinidamente sem nunca ser acusados. Sentiu uma indignação crescente por ver o quanto criminoso e medieval era aquilo. Ela buscou os casos mais importantes e entrou em contato com os advogados dos prisioneiros. Queria participar como jornalista e advogada, mas quando soube que nenhum deles falava pachto, a língua predominante no Afeganistão, ofereceu-se como intérprete e foi aceita para trabalhar com os advogados defensores. Para ter acesso à prisão, sua vida foi investigada durante seis meses pelo governo americano. Na primeira visita à base, em janeiro de 2006, ela estava com muito medo, pois esperava encontrar um terrorista, um membro da Al Qaeda ou do Talibã. Por ser mulher, temia que os prisioneiros nem olhassem para ela.

Ali Shah Mousovi, um pediatra de 43 anos que havia trabalhado para a ONU em apoio ao governo democrático de Hamid Karzai, foi o primeiro a ser visitado. Ele era um muçulmano xiita perseguido pelo Talibã (milícia sunita) e, mesmo assim, os Estados Unidos suspeitavam que ele tivesse ligação com o Talibã. Nunca houve sequer uma acusação formal contra Ali Shah, que só foi libertado três anos depois. Mais impressionante foi o caso de Haji Nusrat Khan, um paraplégico de 80 anos que tinha sofrido dois derrames 15 anos antes de ser preso. Ele foi levado para a prisão de maca, o Departamento de Defesa americano afirmava que ele lutava no campo de batalha. Apesar de imóveis, suas pernas foram acorrentadas ao chão.

Mesmo reconhecendo que lá não exista apenas santos, ela acha que a maioria deles está ali por um erro, dezenas deles nunca foram acusados de nada criminoso. Militares americanos ofereceram até US$ 25 mil no Afeganistão por um membro da Al Qaeda ou do Talibã. Num país onde um cidadão comum ganhou em 2006 cerca de 80 centavos por dia (ou US$ 300 por ano) esse programa de recompensa estimulou muita gente a entregar outras pessoas por dinheiro e o maior erro dos militares americanos foi não investigar as alegações feitas pelos moradores. Isso criou um mercado negro em que pessoas entregavam seus inimigos. Assim, 80% dos prisioneiros foram capturados numa época em que os afegãos se beneficiavam das recompensas. Apenas 5% deles estão lá como resultado direto da inteligência dos Estados Unidos.

Para ela, o tratamento dado aos prisioneiros é bastante desumano. A maioria fica presa sozinha em celas de concreto do tamanho de um colchão king size, onde ficam a cama, o banheiro e a pia. Eles comem e rezam sozinhos. Muitos não veem a luz do sol durante meses, vários são submetidos a buscas nas cavidades do corpo na frente dos outros. São 15 buscas desse tipo em um só dia, também são confinados sob frio ou calor extremos. Quem faz greve de fome leva gás de pimenta e é forçado a comer. Haji Nusrat, um dos detidos, foi forçado a se despir na frente de guardas mulheres e foi espancado até quebrarem seu braço. Ali Shah e outros presos foram despidos e levados como gado, arrastados e cuspidos.

Quanto à publicação do livro, ela presume que cada palavra dita na presença dela por um preso de Guantánamo seja confidencial. Todas as notas que tomou sobre os diálogos e as descrições físicas durante aqueles encontros foram entregues a um grupo de censores do Departamento de Defesa. Tudo o que foi carimbado como "não confidencial" está publicado no livro. O resto, ela não pôde publicar. O livro foi bem recebido pela crítica americana e por alguns guardas de Guantánamo. Um deles até lhe pediu um exemplar autografado.

Ao fechar a prisão, Mahvish Khan acha que Obama poderá romper de forma decisiva com a era Bush e enviar um sinal de boa vontade aos líderes mundiais que pediram por isso; mas alerta que a tarefa de limpar a sujeira de Bush é difícil. Obama terá de enfrentar vários desafios jurídicos e diplomáticos relacionados com o fechamento. Por exemplo: como lidar com as provas obtidas sob tortura? É possível encontrar asilo político para os prisioneiros cujo país de origem talvez os torture ainda mais? São problemas que a equipe de Obama está tentando resolver. Quanto aos prisioneiros perigosos, ela considera que dos 775 presos no seu auge (hoje tem menos de 250), só 20% foram acusados de algo criminoso. Quanto ao resto, é presunçoso chamá-los de perigosos, estranho até mesmo chamá-los de inocentes. Inocentes de quê? A maioria (cerca de 500) foi solta sem acusação, tão repentinamente quanto foi presa. Ela acredita que serão feitos julgamentos públicos para os poucos que de fato são terroristas, os demais serão mandado aos seus países sem nunca ter sido acusados.

Também espero que o centro de detenção seja fechado e o destino desses presos seja acertado de forma democrática por aquela que se considera a maior nação democrática do mundo.

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Fonte: O Autor
 
Por:  Paulo Araujo    |      Imprimir