Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 12-06-2009

UM DEUS MOCINHO OU BANDIDO?
No meu minist�rio de atendimento aos sofredores de modo geral, uma coisa tem me intrigado...
UM DEUS MOCINHO OU BANDIDO?

Juliano Ribeiro Almeida

No meu minist�rio de atendimento aos sofredores de modo geral, uma coisa tem me intrigado: por que a maioria das pessoas atribui a Deus a "culpa" pela sua situa��o dif�cil? Isso seria consequ�ncia de uma forma��o religiosa superficial, que ensinou que, em v�rios sentidos, Deus � origem de todos os movimentos sobre a face da terra? Seria uma indevida aplica��o da terceira lei de Newton � espiritualidade, fazendo pensar que a� tamb�m, todo efeito tem uma causa? Seria isso provocado pelo senso comum da narrativa liter�ria ocidental, que afirma que em toda hist�ria tem que haver necessariamente um mocinho e um bandido?

� incr�vel, mas pessoas piedosas e com grande abertura para o bem e para a paz, quando s�o interpeladas pelo sofrimento, migram para o infrut�fero lugar da v�tima. Parece que, enquanto o sofrimento est� no outro, tudo se explica e se consola a poder de reza, tudo se encaixa na ordem do mundo espiritual, e fica f�cil falar em coisas perigosas como "os des�gnios de Deus"; e � autom�tico recorrer � imensa gama de clich�s b�blicos que tentam impor a resigna��o. Mas quando o sofrimento chega pela porta dos fundos, ou seja, quando seu destinat�rio s�o essas mesmas pessoas piedosas, ent�o nada daquilo que foi dito para o outro serve para si mesmas, todas as certezas parecem ruir e todo s�lido discurso religioso parece dissolver no ar.

Muitos crist�os n�o conseguem assimilar o sofrimento como algo que faz parte da vida, mesmo sendo esse segredo o que h� de melhor no cristianismo. T�o familiarizados com a dor que mana do crucifixo e t�o acostumados a reler Jesus alertando que a dor faz parte do nosso caminho � "no mundo, tereis afli��es", "renuncia a ti mesmo, toma a tua cruz", "bem aventurados os que choram" etc �, n�s �s vezes sofremos como pag�os, como os que "n�o t�m esperan�a" (cf. 1Ts 4,13).

Podemos nos colocar frente ao sofrimento de pelo menos duas formas bem distintas. Podemos consider�-lo uma esp�cie de "boletim de ocorr�ncia" que precisa ser investigado at� que se encontre o culpado (e quase sempre j� iniciamos a investiga��o tendo Deus como �nico suspeito). Mas podemos encarar o sofrimento como um mist�rio; e ningu�m ousa interrogar mist�rios; soa desrespeitoso e in�til. Mist�rios n�s apenas contemplamos e nos deixamos tomar por eles. Se poss�vel, buscamos encontrar neles alguma beleza ou algum aprendizado, para que n�o passem por n�s em v�o. N�o h� nada mais a fazer. O resto � sil�ncio, paci�ncia e espera em Deus.

A escol�stica nos ensinou que Deus � sumamente imut�vel, impass�vel e feliz: nada pode abalar seu estado de esp�rito, nada pode impeli-lo a coisa alguma. Ensinou-nos tamb�m que Deus � onipotente, pode absolutamente tudo. E que, se ele pode tudo e n�o faz, � certamente porque n�o quer fazer. Logo, o sofrimento de uma pessoa seria claramente vontade de Deus. Esse � o conhecimento teol�gico necess�rio para se formular a imagem de um Deus frio e indiferente. Portanto, � urgente acrescentar a tudo isso o maior atributo de Deus: a compaix�o. A natureza divina n�o sofre em si mesma, porque � perfeita e completa. Mas Deus sofre, sim, em rela��o aos outros. Ele sofre por amor a n�s. Essa � a face de Deus revelada por Jesus: um Deus que sofre com os que sofrem, chora com os que choram.

Amar n�o significa impedir, a todo custo, o sofrimento do amado, mas sim manifestar-lhe companhia e apoio quando aparecer o sofrimento inevit�vel. Se uma m�e estivesse determinada a impedir qualquer sofrimento de se aproximar de seu filho, ela n�o deixaria seu filho sair do �tero, n�o cortaria o cord�o umbilical, n�o o deixaria brincar, nem ir � escola etc. Isso, claro, n�o seria amor e sim absurdo ego�smo, fagocitose afetiva. Porque � imposs�vel crescer e ser feliz sem experimentar o sofrimento, consequ�ncia natural do confronto de liberdades humanas.

Entender isso no geral � at� f�cil. Dif�cil � aplicar concretamente isso no sofrimento particular, no drama de um momento pontual. Tamb�m h� desn�veis na forma de encarar os diversos tipos de sofrimento: f�sico, psicol�gico, moral, acidental, provocado etc.

Juliano Ribeiro Almeida, 28 anos, � padre e trabalha em Cachoeiro de Itapemirim-ES.

    Fonte: O Autor
 
Por:  Juliano Ribeiro Almeida    |      Imprimir