Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 20-01-2010

O RECONHECIMENTO JURÍDICO DAS UNIÕES HOMOAFETIVAS: UMA QUESTíO DE RESPEITO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
“O homossexual não é cidadão de segunda categoria. A opção ou condição sexual não diminui direitos e, muito menos, a dignidade da pessoa humana. Ministro Humberto Gomes de Barros,do STJ.
O RECONHECIMENTO JURÍDICO DAS UNIÕES HOMOAFETIVAS:  UMA QUESTíO DE  RESPEITO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.

De tempos em tempos o homem é capaz de produzir violências inimagináveis cujas lembranças desmerecem ser registradas. Existe, ainda outro tipo de violência tão cruel quanto a pobreza e o abandono social, decorrentes da falta de políticas públicas adequadas. Todas elas doem na alma, mas o desprezo de outro ser humano, o preconceito, atingem por vezes o mais íntimo da alma de um ser humano.

Não invoco aqui princípios da psicologia ou da sociologia, estudos que não desenvolvi, mas, começo pelo direito natural que assegura a todos a garantia de serem tratados com dignidade. Dignidade que está colocada na Constituição Federal como o maior de seus pilares, sobrepondo-se a qualquer outro princípio já que o Estado existe em função do homem e não o contrário.

Nessa linha de raciocínio incursiono pelo campo jurídico – e a ele me circunscrevo – para noticiar àqueles que ainda não sabem, que o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA em julgamento que pode ser tomado como paradigma, analisando a questão de duas pessoas do sexo masculino que viviam em união estável desde 1988, sendo um deles canadense, necessitando obter a cidadania brasileira, recorreu àquela Corte para ver judicializada a situação existente entre ambos como de UNIíO ESTÁVEL.

Embora possa parecer simples, como na dicção de LUIZ EDSON FACHIN, para quem os fatos acabam se impondo ao Direito e a realidade muitas vezes desmente a legislação, o certo é que existem no ordenamento jurídico normas expressas que ao serem interpretadas revolvem antigos preconceitos e fazem ressurgir obstáculos que a convivência moderna já não abona, embora titularizados por respeitáveis doutrinadores e Juízes.

São eles:

Artigo 226, § 3º, da Constituição da República:

"Art. 226. (...) § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento".

Visto por Doutrinadores de alta envergadura e o comando constitucional só admite o reconhecimento da união se os componentes forem pessoas de sexos diferentes, visto que se destinariam à formação de "família". Esse pensamento, é claro, excluiria a possibilidade de se admitir que pessoas do mesmo sexo possam formar uma "família", o que, em princípio, afronta qualquer interpretação moderna que se queira atribuir ao fato social em discussão. Sim, porque o direito existe para solucionar os conflitos decorrentes da sociedade, do seu modo de agir e interagir.


E mais se encontra na legislação avulsa:


Art. 1º da Lei nº 9.278/96:

"Art. 1º É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família".


O Novo Código Civil, que entrou em vigor em 11-01-2003, cuidou em parte do tema registrando:

"Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família".

"Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos".


A Escritora Maria Berenice Dias, Desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, citada no voto do Ministro Luis Felipe, já utilizava há alguns anos em seus artigos jurídicos a expressão relação homoafetiva, e sempre advertiu:


"A falta de previsão específica nos regramentos legislativos não pode servir de justificativa para negar prestação jurisdicional ou ser invocada como motivo para deixar de reconhecer a existência de direito merecedor de tutela." (Homoafetividade: o que diz a Justiça, Editora: Livraria do Advogado, p.11/12).

Em análise do quadro jurídico acima posto, o Ministro ANTONIO DE PÁDUA RIBEIRO, Relator do Recurso Especial 820.475-RS, julgado pela QUARTA TURMA, do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, publicado no DJ em 06-10-2008, assim se pronunciou:


Da análise dos dispositivos transcritos não vislumbro em nenhum momento vedação ao reconhecimento de união estável de pessoas do mesmo sexo, mas, tão-somente, o fato de que os dispositivos citados são aplicáveis a casais do sexo oposto, ou seja, não há norma específica no ordenamento jurídico regulando a relação afetiva entre casais do mesmo sexo. Todavia, nem por isso o caso pode ficar sem solução jurídica, sendo aplicável à espécie o disposto nos arts. 4º da LICC e 126 do CPC. Cabe ao juiz examinar o pedido e, se acolhê-lo, fixar os limites do seu deferimento.


No mesmo julgamento, ao apresentar seu voto o Ministro MASSAMI UYEDA, lecionou:


Exatamente por se discernir que os fatos da vida são dinâmicos e, muitas vezes, não estão previstos em leis formais, mas que exigem uma apreciação valorativa, quando o Estado-Juiz é instado e provocado a apreciar a controvérsia, é que o próprio legislador infra-constitucional dispõe no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, que : "Art. 4º Quando a lei for omissa, o Juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito." e, no âmbito das disposições de Teoria Geral de Direito, ainda na seqüência, no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, assim estatui: "Art. 5º Na aplicação da lei, o Juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.



Em voto desempate, o Ministro Luis Felipe Salomão assentou:


Como se percebe, não existe proibição para o reconhecimento de outros
tipos de união, desde que preenchidos os demais requisitos legais.


Os dispositivos mencionados limitam-se a estabelecer a possibilidade de união estável entre homem e mulher que preencham as condições impostas pela lei, quais sejam, convivência pública, duradoura e contínua, sem restringir eventual união entre dois homens ou duas mulheres.


O objetivo da lei é conferir aos companheiros os direitos e deveres trazidos pelo artigo 2º (lei 9.278/96), não existindo qualquer vedação expressa para que esses efeitos alcancem uniões entre pessoas do mesmo sexo.


Ainda no SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, o Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, relatando o Recurso Especial 238715-RS, publicado no DJ de 02-10-2006, lançava um importante alerta ao preconceito:


"O homossexual não é cidadão de segunda categoria. A opção ou condição sexual não diminui direitos e, muito menos, a dignidade da pessoa humana.

Por fim, em termos de posicionamentos de Cortes Superiores, cumpre transcrever voto de um dos mais importantes Ministros do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Celso de Mello, citado pelo relator, ao proferir voto no julgamento da ADIN 3.300/MC/DF (DJ 09/02/2006, p.06), assim se expressou:

(...)...invocando princípios fundamentais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não-discriminação e da busca da felicidade), tem revelado admirável percepção do alto significado de que se revestem tanto o reconhecimento do direito personalíssimo à orientação sexual, de um lado, quanto a proclamação da legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, de outro, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes conseqüências no plano do Direito e na esfera das relações sociais. Essa visão do tema, que tem a virtude de superar, neste início de terceiro milênio, incompreensíveis resistências sociais e institucionais fundadas em fórmulas preconceituosas inadmissíveis, vem sendo externada, como anteriormente enfatizado, por eminentes autores, cuja análise de tão significativas questões tem colocado em evidência, com absoluta correção, a necessidade de se atribuir verdadeiro estatuto de cidadania às uniões estáveis homoafetivas.


Como demonstrado acima, apesar do longo relato, o certo é que não existe no ordenamento jurídico impedimento legal ao reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo.

Por outro lado, realçando da importância desse quadro social, estima-se que 17,9 milhões de pessoas compõem o contingente de homossexuais no Brasil e esses números não deixam dúvidas de que o direito não pode ignorá-los porque isso significa negar a própria existência do direito e ampliar os sentimentos discriminatórios que ainda persistem em boa parte da população, por razões as mais diversas que não se quer aqui discutir, até mesmo porque este artigo procurou dimensionar a possibilidade jurídica existente para o reconhecimento dessas uniões como entidade familiar.

Sou de formação católica e respeito as diversidades não pretendendo aqui, de forma alguma, lançar qualquer manifesto de afronto àqueles que, por razoes respeitáveis, pensem de modo diferente, sempre realçando que o enfoque é jurídico.


    Fonte: O autor.
 
Por:  Edmilson Gariolli    |      Imprimir