Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 08-03-2010

DO DIA INTERNACIONAL DA MULHER. PODEMOS ENFIM COMEMORAR?
Passados j� dois anos de vig�ncia da Lei Federal n. 11.340 (mais conhecida como Lei Maria da Penha)
DO DIA INTERNACIONAL DA MULHER. PODEMOS ENFIM COMEMORAR?

Por Carlos Eduardo Rios do Amaral

Passados j� dois anos de vig�ncia da Lei Federal n. 11.340 (mais conhecida como Lei Maria da Penha), como notoriamente constatado por todos aqueles que diariamente lidam com a problem�tica da viol�ncia dom�stica e familiar contra a mulher � e a� n�o s� os protagonistas do processo, como Ju�zes, Promotores, Defensores P�blicos e Advogados, mas, igualmente, Assistentes Sociais, Psic�logos e Serventu�rios da Justi�a � , a maior causa, ou, pelo menos, aquela que mais se sobressai, respeitante � viol�ncia contra a mulher no seu n�cleo familiar � a depend�ncia do �lcool e das drogas.

Essa sujei��o qu�mica ao �lcool e �s drogas, inequ�voca e indubitavelmente, constitui-se em fundamental desventura das mulheres v�timas de viol�ncia f�sica, psicol�gica, sexual, patrimonial e moral, em todo o Brasil.

Dentre as subst�ncias entorpecentes mais aflitivas, causadoras da depend�ncia qu�mica de agressores, sobressaem a cacha�a e a droga conhecida como crack.

O acesso constante a essa bebida extra�da do mela�o, permitida pelo sal�rio, com a aus�ncia de limita��es para o uso, advindas da cultura brasileira e o consumo dentro de uma l�gica urbana (o trago ap�s o trabalho), contribu�ram com a utiliza��o di�ria da cacha�a. Fatores esses determinantes para a instala��o do quadro de depend�ncia.

Quanto ao crack, esta droga deriva da planta da coca, � resultante da combina��o de coca�na, bicarbonato de s�dio ou am�nia e �gua destilada, resultando em gr�os que s�o fumados em cachimbos. O seu surgimento se deu no in�cio da d�cada de 80, e o que possibilitou seu fumo foi a cria��o da base de coca batizada como "livre".

O consumo do crack � maior que o da coca�na, pois � mais barato. Por ser estimulante, ocasiona depend�ncia f�sica e, posteriormente, a morte por sua terr�vel a��o sobre o sistema nervoso central e card�aco. Devido a essa a��o sobre o sistema nervoso central, gera acelera��o dos batimentos card�acos, aumento da press�o arterial, dilata��o das pupilas, suor intenso, tremores, excita��o, maior aptid�o f�sica e mental. Os efeitos psicol�gicos s�o euforia, sensa��o de poder e aumento da auto-estima.

A depend�ncia do crack se constitui em pouco tempo no organismo. Se inalado junto com o �lcool � e essa � a regra entre os jovens nas periferias das grandes Cidades brasileiras � , o crack aumenta o ritmo card�aco e a press�o arterial, o que pode levar a resultados letais.

Deve se tornar claro que, ao contr�rio do que o leigo possa conjecturar, os sujeitos ativos � os agentes � dos delitos perpetrados contra mulher no �mbito dom�stico e familiar, submergidos na depend�ncia do �lcool ou das drogas, ou de ambos, n�o s�o apenas os maridos ou companheiros dessas pobres e infelizes mulheres.

A lastimosa constata��o pr�tica, no dia-a-dia das Audi�ncias judiciais, � assustadora, infeliz mesmo. Netos, bisnetos, filhos, enteados, sobrinhos, irm�os, cunhados, pais, padrastos, av�s, bisav�s � sim (!), estes mais idosos tamb�m (!) � , entre outros membros do n�cleo familiar e dom�stico, s�o freq�entadores ass�duos dos Juizados de Viol�ncia Dom�stica e Familiar contra a Mulher, na condi��o de acusados. R�us, que cometeram verdadeiras atrocidades contra suas bisav�s, av�s, m�es, madrastas, tias, irm�s, cunhadas, filhas, netas, e tantas outras do conv�vio �ntimo di�rio.

A maior parte, muit�ssimo dessas (atrocidades), em sincera e assombrosa comprova��o de que praticaram o delito em situa��o de f�ria e euforia ocasionada pela depend�ncia do �lcool e das drogas.

Bem sabem os dedicados Ju�zes das Varas de Fam�lia e Criminais do Pa�s afora, que a maioria desses r�us, em verdade, n�o s�o propriamente r�us, mas zumbis, indiv�duos ocos, destru�dos pela cacha�a e pela pedra do crack.

As pr�prias mulheres v�timas da repetida viol�ncia dom�stica e familiar se aquartelam nos F�runs, Gabinetes de Promotores de Justi�a e Defensores P�blicos, clamando calorosa e insistentemente para que seus doentes � ao mesmo tempo, carrascos � sejam internados para tratamento de desintoxica��o do �lcool e das drogas, para cura definitiva da depend�ncia.

Muitas, considere tranq�ilamente a unanimidade delas, amigo leitor, s�o �nissonas e seguras em dizer que seus agressores s�o pessoas trabalhadoras, queridas na comunidade, cumpridoras de seus deveres familiares, bons pais, religiosos etc, mas, quando est�o sob efeito do �lcool e das drogas "ningu�m pode chegar perto".

Por sua vez, os acusados, sem titubear, n�o negam o afirmado pelas suas amadas v�timas do conv�vio dom�stico. Ao contr�rio, choram � mesa de Audi�ncia, relatam submiss�o a breves interna��es em casas de amparo sem nenhuma assist�ncia psiqui�trica, alguns a rituais de exorcismo, tamb�m suplicando, todos esses, por tratamento m�dico eficaz, digno e curativo, para fazer cessar o sofrimento de seus familiares.

A verifica��o segura da depend�ncia qu�mica, na maioria esmagadora dos casos, � desnecess�ria de ser aferida por um perito m�dico oficial ou nomeado, eis que esses doentes viciados j� chegam �s Audi�ncias designadas completamente em estado desumano, em condi��es dignas de d�. N�o s�o raros os casos em que, entre o intervalo de uma Audi�ncia e outra, faz-se necess�rio abrir-se portas, janelas e b�sculas, interrompendo os trabalhos, para que se esvae�a o forte odor de narc�ticos ou bebida alco�lica. � que muitos acusados "tomam uma" (umas muitas, diga-se) ou se drogam, para perder a inibi��o em Audi�ncia, mas sem conseguir disfar�ar o estado de ebriedade.

A decreta��o de medidas protetivas de urg�ncia, cautelares para assegurar a incolumidade da ordem p�blica e da instru��o, para solu��o efetiva do processo, na tentativa de mitigar a dor e sofrimento da mulher, torna-se provid�ncia in�cua contra esses acusados dependentes, porque eliminada a capacidade de discernimento e autodetermina��o destes agressores. Os pr�prios devotados Oficiais de Justi�a, em suas certid�es ao Ju�zo, relatam que o cumprimento da medida, nestes casos, al�m de n�o ser socialmente recomend�vel, diante da verifica��o ocular no caso concreto, � tarefa imposs�vel.

As pr�prias v�timas n�o desejam manterem-se afastadas de seus doentes agressores, debatem-se contra a ordem judicial de afastamento destes do lar. Querem, sim, que sejam tratados, curados, que sejam devolvidos ao conv�vio familiar livres da depend�ncia do �lcool e das drogas. Como uma F�nix que ressurge de suas cinzas.

Desnecess�rio lembrar que a decreta��o de pris�o preventiva, ou de qualquer uma das modalidades de pris�o provis�ria previstas pela legisla��o processual penal, como uma esp�cie de profilaxia ministrada para a depend�ncia do �lcool e das drogas, extermina de uma s� vez nossa Constitui��o Federal de 1988 e todos os Tratados Internacionais de Direitos Humanos ratificados pela Rep�blica Federativa do Brasil.

Inimput�veis, como cedi�o, n�o se sujeitam � pris�o provis�ria, nem � pena corporal, mas, sim, a medida de seguran�a, nos termos do Art. 96 do C�digo Penal. Abandonamos, ainda que tardiamente, o odioso sistema do duplo-bin�rio. Todavia, muitas Comarcas do Pa�s n�o possuem hospital de cust�dia e tratamento psiqui�trico p�blico para tratamento de agentes inimput�veis necessitados.

Noutras palavras, mais duras, s� quem pode pagar as custosas despesas de um hospital psiqui�trico particular � coincidentemente, aqueles que n�o s�o assistidos pela Defensoria P�blica � conseguem a imediata interna��o de seus queridos parentes, ou membros do n�cleo dom�stico.

E, muitos dos hospitais psiqui�tricos p�blicos que existem para fins de interna��o de dependentes, est�o saturados, e n�o comportam mais essa massa de doentes, dependentes do �lcool e das drogas, que cresce, assustadoramente, a cada dia, em propor��o inversa aos investimentos p�blicos em sa�de mental.

O Art. 149, caput, do C�digo de Processo Penal, prescreve formalmente que quando houver d�vida sobre a integridade mental do acusado, o Juiz ordenar�, de of�cio ou a requerimento do Minist�rio P�blico, do Defensor, do curador, do ascendente, descendente, irm�o ou c�njuge do acusado, seja este submetido a exame m�dico-legal.

Para o efeito desse exame, o acusado, se estiver preso, ser� internado em Manic�mio Judici�rio, ou, se estiver solto, e o requererem os Peritos, em estabelecimento adequado � cadeia p�blica n�o! "Adequado" para sua convalescen�a � que o Juiz designar. Se os peritos conclu�rem que o acusado era, ao tempo da infra��o penal, irrespons�vel, o processo prosseguir�, com a presen�a do Curador. O Juiz dever�, nesse caso, igualmente como acontece por ocasi�o do exame de insanidade, ordenar (revalidar) a interna��o do acusado em Manic�mio Judici�rio ou em outro estabelecimento adequado. Se a insanidade mental sobrevier no curso da execu��o da pena, o sentenciado ser� internado em Manic�mio Judici�rio, ou, � falta, em outro estabelecimento adequado, onde lhe seja assegurado tratamento. Por fim, se se verificar que a doen�a mental sobreveio � infra��o, o processo continuar� suspenso at� que o acusado se restabele�a, ordenando-se, tamb�m, a interna��o do acusado em Manic�mio Judici�rio ou em outro estabelecimento adequado.

Entrementes, n�o h� como grande parte dos Juizados de Viol�ncia Dom�stica e Familiar contra a Mulher do Pa�s fazer cumprir com retid�o essas disposi��es do C�digo de Processo Penal, no que tange � instala��o do incidente de insanidade mental do acusado e sua interna��o compuls�ria em estabelecimento de sa�de adequado, como preconizado pelo C�digo de Processo Penal em seus Arts. 149 usque 154. Porque, insista-se, na maioria esmagadora das Comarcas do Brasil n�o h� Manic�mio Judici�rio, Hospital de Cust�dia e Tratamento Psiqui�trico, ou outro estabelecimento adequado para os necessitados, � disposi��o das Autoridades Judici�rias.

N�o se pode olvidar, tamb�m, que a pr�pria mulher em situa��o de viol�ncia dom�stica e familiar, principalmente aquela infeliz que durante anos a fio suportou calada o seu sofrimento, tamb�m pode desenvolver, como desenvolve, s�rios e graves transtornos da mente, a depender de interna��o para duradouro tratamento psiqui�trico. E esse mal � reconhecido pelo pr�prio Art. 7o, II, da Lei Maria Penha, que expressamente disp�e que a viol�ncia psicol�gica � uma das formas de viol�ncia dom�stica e familiar contra a mulher, entre outras.

N�o s�o raros nos Juizados da Mulher casos de v�timas desesperadas, que, quando convocadas para expor sua hist�ria em Audi�ncia, acabam por virar suas bolsas de ponta cabe�a, despejando diversos comprimidos, ansiol�ticos, medicamentos sedativos e hipn�ticos em geral. Muitas, automedicadas, sem nenhuma auto-estima e perspectiva de felicidade...

H�, tamb�m, nos Juizados da Mulher, casos de v�timas carentes que j� possu�am o transtorno mental antes mesmo do in�cio de sua submiss�o � condi��o de pessoa violentada no �mbito familiar. E, por falta de recursos para interna��o em uma cl�nica particular � em raz�o da aus�ncia de hospitais psiqui�tricos p�blicos � , os agressores deixam de promover a interna��o de suas perseguidas. O espet�culo � cruel. Muitas dessas mulheres � crian�as, idosas ou adultas � s�o literalmente mantidas em c�rcere privado em suas pr�prias casebres, acorrentadas ao p� da cama, onde ali mesmo defecam e urinam. Outras, costumeiramente, conseguem fugir, visitam o Juizado da Mulher para comunicar que continuam sendo objeto de flagelo.

Outrossim, h�, tamb�m, aquelas agressoras � sim, as pr�prias mulheres na condi��o de acusadas � , agentes de crimes cometidos contra suas pr�prias familiares, que, tamb�m � aquelas primeiras � , s�o portadoras de graves e s�rios desvios comportamentais da personalidade, ocasionados pelos mais diversos motivos, inclusive e, da mesma forma, pelo v�cio do �lcool ou das drogas, ou de ambos. Que, igualmente, por n�o possu�rem recursos, nem suas fam�lias, coabitam todos em ambiente extremamente intoler�vel.

Por conseguinte, devem os Governos Federal, Estadual e Municipal investirem sinceramente na constru��o de hospitais de cust�dia e tratamento psiqui�trico dignos, para interna��o e tratamento das doen�as mentais, notadamente para aquelas relacionadas ao problema do �lcool e das drogas. Atenuando-se, assim, a viola��o dos direitos humanos contra a mulher.

CARLOS EDUARDO RIOS DO AMARAL � Defensor P�blico do Estado do Esp�rito Santo oficiante perante o Juizado de Viol�ncia Dom�stica da Comarca da Capital

    Fonte: O Autor
 
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