Categoria Cinema  Noticia Atualizada em 27-08-2010

Karate Kid - Distante do filme cult
Nova versão do filme tem elenco inferior e dificuldade de encontrar seu contexto político
Karate Kid - Distante do filme cult
Foto: Divulgação


O primeiro Karate Kid, lançado em 1984 (no Brasil com o título A hora da verdade), tornou-se cult para a geração que era jovem na época. Com isso, tornou-se parte de nosso imaginário sobre jovens e artes marciais. Por essa condição, ficamos diante de uma daquelas situações em que se torna quase impossível pensar a nova versão da obra sem levar em conta nosso olhar sobre o filme que a inspirou. E a comparação acaba sendo desabonadora para a criação de 2010 – mesmo se ambas contam, essencialmente, a mesma história, apresentando a trajetória de um garoto que, maltratado pelos valentões da vizinhança, precisa se aperfeiçoar numa arte marcial com a ajuda de um heterodoxo treinador.


O primeiro problema é o desnível entre as habilidades artesanais dos diretores dos dois filmes. A hora da verdade tinha assinatura de John G. Avildsen, que na época tinha 15 anos de carreira, 16 outras produções no currículo, inclusive projetos de primeira como Joe, Sonhos do passado e Rocky, um lutador, aprendera no trabalho como assistente de nomes criativos da indústria (como Otto Preminger e Arthur Penn) e era uma visão de mundo pessoal e orgânica. O holandês Harald Zwart, por enquanto, continua sendo apenas um dos inúmeros estrangeiros que são cooptados por Hollywood a cada temporada, ainda a espera da grande chance de mostrar a que veio. Tem talento e, graças a ele, produz belas sequências quando acerta – como, no caso de Karate Kid, na viagem de Dre Parker (o menino Jaden Smith) e seu mestre Han (Jackie Chan) a um templo distante. Mas sua mão escorrega no que há de mais primário, o ritmo – o prólogo de Karate Kid parece não terminar nunca (Avildsen sempre apresentou suas personagens e a situação dramática em uns poucos minutos), e o torneio final enche um bocado de linguiça (o da primeira versão era ágil como um clipe), o que acaba fazendo com que seja 14 longos minutos maior que o original.

A seguir, temos um elenco inferior. Daniel Larusso, o jovem em dificuldades de A hora da verdade, era interpretado por Ralph Macchio, um dos melhores e mais carismáticos atores de sua geração. Jaden Smith bem que tenta, mas não tem competência para transformar a tagarelice de sua personagem em mais do que tagarelice (enquanto Macchio a transformava em representação de insegurança, desajuste, e uma série de coisas mais). Jackie Chan tem mais competência que seu parceiro no novo elenco – mas Noriyuki "Pat" Morita transformou seu Miyagi (o sensei de A hora da verdade) em exemplo de contenção expressiva.

Por fim, Karate Kid se esvazia na dificuldade em encontrar seu sentido no contexto político contemporâneo. A hora da verdade tinha foco. Como em Rocky, um lutador, Avildsen construiu com eficiência a história do sonho americano, apresentou-nos uma versão coerente do mito da terra em que basta o esforço pessoal e a obstinação para conquistar alguma coisa. Rocky era derrotado por pontos em sua luta de boxe, mas o fato de não ter desistido já o transformara num vencedor; Daniel, mais do que a vitória, encontra sua dignidade e, no processo, redime todas as outras personagens – inclusive alguns dos rivais. Para que isso ocorresse, A hora da verdade contava com dois olhares presentes no imaginário do espectador: a recuperação da autoestima dos americanos, que tentavam seguir em frente uma década depois da derrota no Vietnã e do escândalo de Watergate; e a euforia dos anos Reagan, que colocavam em alta a ideia dos Estados Unidos multiétnicos (Miyagi é de uma pequena ilha japonesa, Daniel é hispânico).

Karate Kid vem em outro contexto, de baixa autoestima em época de crise, e não sabe como lidar para elevá-la. No que se refere à questão étnica, também se mostra ambíguo: se em 1984 o inimigo era ostensivamente wasp (Daniel precisa encontrar seu caminho em meio à hostilidade de uma América branca, anglo-saxã e protestante), ou seja, identificado com o próprio público do filme, em 2010 a ação é deslocada para a China – e este deslocamento para o território do principal rival dos Estados Unidos nos dias de hoje dificilmente seria feito sem alguma xenofobia, são eles, os outros, os violentos, os provocadores, os que merecem ser derrotados.

Fonte: UAI
 
Por:  Joilton Cândido Vasconcelos    |      Imprimir