Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 11-10-2010

DA VARANDA DO SALíO
“Com as lágrimas do tempo e a cal do meu dia eu fiz o cimento da minha poesia”. ( Vinicius de Moraes)
DA VARANDA DO SALíO

Ainda pela manhã bem cedinho, da varanda do salão enquanto traga-se um cigarro o trânsito já dá o tom da loucura que será o dia. Buzinas de carros de motoristas apressados, apitos de guardas no trevo, condutores nervosos, inabilitados, no celular, na contramão, no meio da confusão na maior avenida da cidade.

No meio do caos, faixas de pedestres não são respeitadas. Não há semáforo e nem gentileza alguma. Basta um esbarrão no retrovisor para o saque da pistola e um tiro na cabeça do outro condutor.

Todos querem a preferência, muita pressa para o seu destino. Motociclistas no páreo da pista encostam lado a lado ao retrovisor do motorista no celular. Uma confusão infernal.

O show de imprudência aponta justificativas descabidas para o atropelamento, para a vitima que expirou no meio do asfalto deixando sua marca vermelha e os documentos espalhados na mão do policial.

Na banca de jornal a tragédia anunciada em negras e grandes manchetes. Embriagado e sem habilitação motorista bate no poste e fica tetraplégico. Sangue no asfalto, ou o tiro na própria cabeça, no peito, disparado depois da loucura de matar a ex a facadas também num salão de beleza.

Falta tempo para todos, todos querem ultrapassar o semáforo que já não existe na maior avenida da cidade.

O guarda apita, a criança quer atravessar, a senhora idosa espera do outro lado, e no botequim cachaça no copo americano, cerveja gelada e desabafos como se o dono do bar fosse um psicólogo a ouvir cada fragmentado cliente que bebe enquanto chega sua vez na barbearia e a chave do automóvel pendurada num chaveiro.

Tempo que perde e que falta para ajoelhar na presença do Criador na busca desenfreada pelo maldito capital sedutor.

Os bancos impõem suas taxas, as financeiras anunciam supostas vantagens debitadas na folha de pagamento. As lojas expõem nas vitrines suas promoções e os jornalistas cumprindo seu papel no trânsito, nos DPJ’s, IML’s, nas câmaras a espera de uma nova notícia.

Enquanto uma sobrancelha é feita e torneada, unhas pintadas, o cabelo escovado, pausa na varanda para um cigarro.

A falta de tempo para o tempo deixa o menino solitário no computador, ou no vídeo game violento na tela do monitor. O pai está ocupado demais na transação que tem de levar vantagem, a esposa com os ofícios, de fora e dentro de casa, não percebe onde navega o filho observado pelo doente que lhe oferece moedas e doces e conversas de afeto.

No trânsito confuso e tumultuado que cada um quer pegar a via mais rápida e ultrapassar o advertente sinal, não sobra tempo para a cordialidade, nem para saldar o outro com um simples bom dia.

Correria diária em busca de nada para nada, a lugar nenhum, ou a um solitário sombrio cemitério lotado, abandonado, cujas catacumbas repletas de cinzas, latas e cachimbos largados. A droga do crack chegou, é a pedra do túmulo de um cadáver estrebuchado.

Decadentes seres apressados, famigerados em profunda tristeza e agonia. No trânsito da cidade que não para, um morre quase todo dia, ou sai esfaqueado, outro decepado, enquanto vidas se perdem por nada, manchetes sangram e a sociedade se corrompe, e nas lentes de um cronista a reflexão, vale a pena, e o repórter fotografa a desgraça para o próximo dia.

Perdida a sociedade no meio da pressa, dos valores que se foram, resta-me somente a busca pelo fugere urbem e o bucolismo na tentativa de abrir uma porteira e sentir o cheiro da terra molhada. E para os apressados carpe diem!

Fonte: A Autora
 
Por:  Luciana Maximo    |      Imprimir