Categoria Cinema  Noticia Atualizada em 03-12-2010

A Rede Social - Uma criação incomum
Filme não se interessa pelos traumas das personagens, mas por sua condição no mundo
A Rede Social - Uma criação incomum
Foto: www.divirta-se.uai.com.br

O filme A rede social, de David Fincher (O curioso caso de Benjamin Button), é uma cinebiografia de Mark Zuckerberg, o cara que, em 2004, com menos de 20 anos, foi o criador do Facebook, ferramenta de relacionamentos que tem hoje mais de meio bilhão de usuários. O filme apresenta os anos entre a fundação do site e os processos que questionaram os direitos de Zuckerberg sobre ele a partir dos últimos – cada pergunta ou resposta dos interrogatórios conduz a um flashback em que são apresentados os fatos que podem ajudar o espectador a se posicionar frente às razões de cada personagem.

À primeira vista, estamos diante de mais um drama "edificante", um desses filmes que contam a história de personagens exemplares na maneira como sobem na vida ou enfrentam obstáculos apenas com seus próprios meios – principalmente a obstinação. Mas A rede social é criação incomum nessa categoria. Em geral, o drama edificante pretende apresentar seu heroi como modelo. Seríamos mais felizes, ou melhores como pessoas ou cidadãos, ou transformaríamos mais o mundo se agíssemos como ele. A rede social traz instabilidade a essa estrutura.

Mark Zuckerberg, com certeza, é bom exemplo do homem que vence por si mesmo. Do ponto de vista material, tornou-se, em menos de uma década, o mais jovem bilionário da história; de um ponto de vista conceitual, o Facebook transformou radicalmente ideias como relacão e rede, além de constituir modelo importante para boa parte da representação que fazemos hoje de sociedade, realidade virtual, sociabilidade nesta era de novas tecnologias. Mas A rede social, mesmo reconhecendo a importância de sua contribuição para a construção da contemporaneidade, recusa-se a apresentá-lo como modelo.

A trajetória de Zuckerberg é jornada da solidão para uma solidão maior ainda. Leva-nos a questionar a possibilidade de uma ética dentro de uma sociedade que valoriza o sucesso, o prestígio e a fortuna à frente das relações humanas. No fim das contas, o espectador provavelmente sairá do cinema com grande admiração pelo heroi e suas conquistas; mas, ao mesmo tempo, levará gosto amargo na boca, estará se perguntando se o preço a pagar por uma ascensão como aquela não é demasiadamente alto. Em resumo, não considerará Zuckerberg como modelo a ser imitado – algo essencial a outros filmes que narram aquele tipo de trajetória.

De um ponto de vista formal, A rede social é avanço na trajetória de David Fincher. Em Seven e O curioso caso de Benjamin Button ele já havia demonstrado sua perícia como artesão: capacidade de construir suspense mesmo quando sabemos o final da história, eficiência na direção de intérpretes, inventividade ao fragmentar a narrativa dando-lhe um ar de contemporaneidade. A maneira como A rede social é editado, contudo, vai além disso. Os saltos não são apenas temáticos, mas conceituais. Exatamente por isso, convidam o espectador a uma postura intelectual ativa.

Com isso, o filme entra para a rarefeita lista de obras de Hollywood que se identificam autenticamente com a proposta do teatro brechtiano: em A rede social, não nos interessam as motivações psicológicas ou os traumas das personagens, mas sua condição no mundo. A obra pretende fazer-nos investigar, juntamente com ela, por que as coisas são, materialmente, de certos jeitos, por que aquela sociedade produz aqueles indivíduos, por que eles fracassam existencialmente mesmo quando parecem bem sucedidos.

Fonte: www.divirta-se.uai.com.br
 
Por:  Wellyngton Menezes Brandão    |      Imprimir