Categoria Esportes  Noticia Atualizada em 24-12-2010

Após cogitar encerrar carreira, Felipe Melo faz balanço positivo de 2010
Volante diz que expulsão e gol na partida contra a Holanda já não tiram o seu sono e que sonha repetir a volta por cima de Dunga na Seleção Brasileira
Após cogitar encerrar carreira, Felipe Melo faz balanço positivo de 2010
Foto: g1.globo.com

O luxuoso condomínio em Paraty, quase na divisa do Rio de Janeiro com São Paulo, poderia ser um esconderijo. Mas esta é uma palavra que não combina com Felipe Melo. Na bela casa comprada no início do ano, o volante reúne amigos e familiares para recarregar as energias quando tem folga no Juventus. No local não existem muros. Muros que o jogador também ignorou quando sentou para a entrevista ao GLOBOESPORTE.COM. Sincero ao extremo, não fugiu de perguntas. Disse que cogitou até pendurar as chuteiras aos 27 anos por causa da dor na África do Sul, mas que os lances contra a Holanda já não tiram seu sono. Recuperando-se do trauma, firmou-se na Velha Senhora e agora sonha com uma volta por cima na Seleção seguindo o exemplo do amigo Dunga. Quase em 2011, Felipe faz um balanço positivo de 2010.

- Positivo em todos os aspectos. Muitas vezes aprendemos na derrota e em momentos dificeis.

De camisa do Flamengo ("Tenho mais de 40", diz), o volante não demonstrou mágoa dos torcedores que o criticaram pela expulsão e pelo gol contra na partida com a Holanda - ou melhor, gol do Sneijder: Felipe faz questão de lembrar que a Fifa colocou o nome do holandês na súmula. Pelo contrário. Além de usar a internet diariamente para conversar com fãs, diz que ficou surpreso de receber mais carinho do que xingamentos nas ruas. Sua reclamação maior cai sobre comentaristas que já foram jogadores. Ele não cita nomes, mas pega pesado. Apesar de fugir da fama de violento.

- Não chegam nem na minha canela e querem falar alguma coisa. Falaram tanto que me colocaram como vilão, contra o Brasil. Têm que me superar antes - afirmou.

O volante conta que nunca foi procurado por Mano Menezes, mas que sua meta é voltar à Seleção um dia. De preferência, a tempo de disputar a Copa de 2014. Felipe Melo gosta da pressão. Dentro de campo ou embaixo d"água. Após o papo na varanda, pegou seu equipamento de mergulho e se preparou para sair pelo mar com os amigos. Sem tanque de oxigênio.

- Com tanque não tem graça.

Abaixo, a entrevista completa com Felipe Melo. Sem muros, mas com fôlego.

GLOBOESPORTE.COM: O que você achou de 2010?
FELIPE MELO: Um ano positivo. Positivo em todos os aspectos. Para aprender. Muitas vezes aprendemos na derrota e em momentos dificeis. Particularmente, podemos fazer um balanço positivo.

Qual lembrança fica de 2010?
Sem dúvida, a Copa do Mundo. Infelizmente não vencemos a Copa, mas fica a lembrança também do primeiro título com a Seleção, a Copa das Confederações (NR: o torneio foi disputado em 2009). Fica também a lembrança da volta por cima no Juventus. Depois de muitos falarem que o Felipe Melo estava acabado, consegui voltar e em seis meses virar ídolo da torcida do Juventus.

O gol de empate da Holanda e a expulsão ainda tiram o seu sono? Você ainda pensa nisso quando vai dormir?
A gente pensa, é normal. Às vezes falamos sobre futebol, comeca o papo sobre Copa do Mundo e é claro que a gente lembra. Mas já não tira o meu sono. Futebol é um jogo em que tudo pode acontecer, somos seres humanos, podemos errar. Acontece.

Seleção se descontrolou depois do gol de empate da Holanda?
Depois do empate não. O empate foi um erro coletivo, acabou acontecendo. Depois do segundo gol, sim... A equipe se desestabilizou, não se encontrava dentro de campo.

Algum jogador em especifico você sentiu mais nervoso?
Digo todos. O futebol é um grupo. Se um ou dois se descontrolarem, os outros nove seguram. Na verdade, a maioria.

Hoje você é diferente do Felipe Melo que embarcou para a África do Sul? Está mais maduro?
Não pela Copa. Amadurecemos a cada minuto da vida, a cada dia. Aprendemos com os filhos, com os amigos, tudo que acontece no dia a dia a gente aprende e amadurece. A Copa me ajudou profissionalmente, a ser um pouco mais tranquilo em campo, a escutar um pouco mais. Isso me ajudou bastante. Não podemos só colocar coisas ruins. Me ajudou muito também fora de campo. Dentro de campo, pelas minhas atuacões, até então eu estava sendo um dos melhores da Copa. Comecei jogadas de gol, roubei bolas, estava sendo muito elogiado. Quando acabou o Mundial fui elogiado pela Fifa. Mesmo saindo da Copa, eu cresci muito.

Quando acabou o jogo contra a Holanda, ou no momento da expulsão, o que passou pela sua cabeça? Seus filhos, seus pais?
No momento, nada. Nosso grupo era muito unido. Tínhamos um grupo que merecia ganhar a Copa, ficou uma tristeza muito grande por isso. Estávamos fazendo tudo para ganhar e muitas vezes o time estava sendo injustiçado. Ganhamos tudo, as pessoas falam do Dunga até hoje. As pessoas não podem falar um "A" do Dunga... Ele chegou na seleção, venceu, convenceu. Como técnico, ele venceu a maioria das coisas, mas infelizmente a Copa não. Foi um camarada que venceu tudo, ajudou.

Quando você desembarcou no Brasil imaginava qual reação da torcida? Havia até seguranças do condomínio ao redor da sua casa para evitar qualquer problema, não foi?
Quando acabou o jogo com a Holanda, fomos para o hotel dormir e eu soube de algumas notícias. O que me deixa chateado não são os jornalistas. São os ex-jogadores de futebol que não chegam nem na minha canela, na verdade. Falam muito... Melhor nem falar o nome para não dar moral. Um é uma eterna promessa no futebol, o outro é famoso por agredir juiz. Eles não chegam nem na minha canela e querem falar alguma coisa. Tem que me superar antes. Minha chateação é com ex-jogadores que quando jogavam não fizeram metade do que eu fiz. Falaram tanto que me colocaram como vilão, me colocando contra o Brasil.

Quando cheguei tinha receio de ver pessoas exaltadas. Alguns amigos meus, que já trabalham comigo, estavam aqui, mas nenhum segurança do condomínio. Eu fiquei de boca aberta quando eu cheguei no aeroporto e vi duas meninas chorando, minhas fãs, pessoas gritando "guerreiro". Alguns xingaram, mas a maioria era me chamando de "guerreiro". Me surpreendi pois achava que seria pior, mas as pessoas sabem o guerreiro que eu sou e o quanto lutei para ir à Copa.

Você chegou a pensar em parar de jogar depois de tudo que aconteceu na África do Sul?
O meio do futebol tem uma parte muito suja. Nós somos seres humanos, temos família. Além do jogador Felipe Melo, tem o pai Felipe Melo,o filho Felipe Melo, o ser humano Felipe Melo. As pessoas esquecem isso, começam a fazer coisas que tocam a família, os filhos e os pais. Isso é dificil, é ruim, desagradável. Hoje não preciso de dinheiro para sobreviver, graças a Deus. Tenho minha vida estabilizada, minha família. Para que continuar vivendo com isso? Minhas costas são largas, se quiserem falar de mim, sem problema. Com 16 para 17 anos eu estava no profissional do Flamengo. Estou acostumado com pressão. Mas minha família não merece isso. O ser humano merece respeito, não só o Felipe Melo. Isso não aconteceu depois da Copa com algumas pessoas maldosas. Mas sem dúvida a maioria me deu apoio e também à Seleção. Por isso fiz conta no Facebook, no Twitter... Para ter esse carinho recíproco e mostrar que eles são importantes na minha vida. Eles e minha familia foram as pessoas que fizeram que eu continuasse no futebol.

Mas você pensou em largar o futebol?
Estava muito difícil. Eu não queria voltar para o Juventus, pois vivemos um ano complicado e eu não estava querendo voltar. Tenho contrato, tenho uma famíliia que me ajuda e dá força. Querendo ou não, foi um desafio voltar a um grande clube como o Juventus, um clube acostumado a ganhar títulos, com pressão. Um desafio que estou me saindo bem, sou ídolo da torcida, onde vou tenho muito carinho.

Você se acha um jogador violento?
Jogador violento é aquele que quebra perna ou braço de outro. Estamos vendo tantas entradas feias, fraturas expostas. No meu currículo nao tem uma jogada de quebrar alguem, de tirar de dois ou três meses de jogo. Sou um jogador muito duro, forte. Sem dúvida nenhuma depois da Copa eu mudei muito, tanto que só recebi 4 cartões amarelos na temporada. Sou duro, mas desleal jamais.

Você literalmente ganhou um cartâo amarelo do árbitro... Ficou surpreso?
Era um jogo que estava muito duro, e antes eu era de falar muito com o juiz, reclamava. Dessa vez, eu estava muito tranquilo, o jogo estava pegado. Depois da partida o árbitro pediu minha camisa e disse que ia me dar um cartao amarelo, assinado. Ele escreveu "Ao irmão bom do Felipe Melo" mostrando que eu sou o irmão do Felipe Melo do ano passado, um cara mais centrado, mais tranquilo em campo. Aquilo foi um reconhecimento muito grande para mim. Depois a imprensa italiana começou a ver a mudança. Tecnicamente nunca fui contestado, contestavam minha cabeça. Hoje estou muito mais preparado que ontem e creio que amanhã estarei mais do que hoje.

O Juventus está em quarto no Italiano, após uma temporada ruim. Dá para brigar pelo titulo? O Lazio vem bem com Hernanes, assim como o Milan tem o Robinho crescendo...
O Hernanes está muito bem no Lazio e vencemos o Lazio sem o Lazio fazer muita coisa. Robinho muito bem e vencemos o Milan no San Siro... Bem estamos nós. Estamos a cinco pontos do Milan, pois demos alguns moles, somos um time criado neste ano e mostramos que podemos chegar sim. Não falo de scudetto agora, temos que ir jogo a jogo, cada jogo é uma final.

Você já teve alguns problemas com a torcida do Juventus. Como é a relação hoje? Você se sente um ídolo dos torcedores?
Eu me sinto um ídolo porque eles me fazem sentir isso. Antes de começar o jogo gritam meu nome, levantam bandeira com foto. A torcida me elegeu o melhor jogador do time nos últimos dois meses. Isso é gratificante. Onde eu chego tem a torcida gritando o meu nome, perdendo ou ganhando.

Você está viciado em internet?
Não (risos)... Já estou há uns três dias dias sem entrar no Twitter. Eu me sinto na obrigação de conectar para falar com os fãs, o carinho tem que ser recíproco. São eles que te dão moral, que te dão a mão como no exemplo da Copa. Tenho que mostrar carinho também.

BRASIL MUNDIAL FC: relembre como foi o Diário do Felipe Melo no blog e comente!

O que você falou para a menina que fez a tatuagem com seu rosto nas costas?
"Você é doida". Eu não faria a tatuagem jamais. Eu não a conhecia. Ela entrou em contato pelo meu site, minha assessoria viu e me avisou que ela queria mandar a foto. Isso me deixou de boca aberta. Fiz um sorteio no Twitter entre os fãs que queriam ver um jogo e ela não ganhou, mas fiz questão de pagar uma passagem para ela ir na Itália assistir ao Juventus jogar.

Cinco meses após a Copa, como você é tratado aqui no Brasil atualmente?
Depois do Mundial, fui dar uma volta no Centro e não tive sossego. Fotos, autógrafos, pessoal falando "você é guerreiro". Não precisa entender muito de futebol, quem tem bom senso e é realista sabe o que eu fiz pela Seleção, como deixei minha pele pela Seleção. Não foi por causa da minha expulsão que o Brasil perdeu, se eu estivesse em campo perderia do mesmo jeito. Tenho recebido um carinho muito grande. Fiquei aqui em Paraty uma semana após a Copa, depois fui pra Disney. Ao contrário do que alguns bobões falam, eu andava de óculos e boné porque estava um sol de 45 graus, eu tirava o boné e vinha todo mundo pedir foto e autógrafo. Eu queria privacidade com minha família. Fiquei surpreendido.

O que representou o Dunga na sua vida?
Como técnico, deu a cara por mim. Ele e Jorginho. Quando me convocaram, a maioria foi contra. Foi uma convocação que deu certo. Foram vários jogos, uma derrota, o título da Copa das Confederações. É um camarada que mesmo agora, que não trabalhamos juntos, vai ficar para sempre no meu coração. Além de grande treinador, é uma grande pessoa. A Seleção perdeu e ele puxou toda a responsabilidade, diferente de muitos técnicos que perdem e colocam a culpa nos jogadores. Por isso ele é o Dunga, ganhou tudo.

Vocês ainda se falam?
Às vezes. Ele foi na Itália recentemente e conversamos por telefone. Por tudo que ele fez por mim, não podemos perder o contato. Devo muita coisa ao Dunga.

O Dunga era volante, tinha fama de violento, ficou marcado por uma derrota em Copa, fez sucesso na Fiorentina e depois deu a volta por cima com o título em 1994. Você consegue fazer um paralelo da carreira dele com a sua? Já pensou em repetir essa história?
Sem dúvida nenhuma, penso nisso e é uma meta pra mim. Minha meta é voltar para a Seleção, acho que tenho qualidade, mas que seja natural. Nunca corri contra o tempo para ir à Seleção. Não é agora que vou fazer isso. Tenho que continuar quietinho, trabalhando, e se fizer bem feito a oportunidade vai chegar

Você se vê em 2014?
É a minha meta. "Me ver" em 2014, não. Mas é minha meta. Minha meta é ser campeão do mundo com o Brasil em 2014.

Alguém da CBF ou da nova comissão técnica entrou em contato com você após a saída do Dunga?
Não, ninguém.

Nunca foi consultado sobre como está no Juventus?
Jogo em um dos maiores clubes do mundo. Não preciso ser consultado. Todo mundo vê o Juventus jogar. Se eu estiver bem, sem dúvida vou ter minha oportunidade. Se não tiver, vou torcer paro Brasil ganhar a Copa.

Você está de camisa do Flamengo e também já disse que conversou a presidente Patrícia Amorim na Disney sobre um retorno. Vanderlei Luxemburgo, que foi seu treinador no Cruzeiro, está na Gávea. Se o Flamengo fizer uma proposta hoje com valores semelhantes ao do Juventus você volta?
Quando falo em treinador, penso em Dunga, Luxa, Prandelli, Emery (hoje no Valência) e Del Neri, que está no Juventus. São treinadores que deixaram marcas, que me ajudaram a crescer. Cheguei no Cruzeiro com 18 para 19 anos, moleque ainda. O Luxa não me ensinou só taticamente, me ensinou a crescer como homem. Por isso liguei para ele pra agradecer quando fui convocado para a Copa. Encontrei a Patrícia na Disney e houve uma conversa informal, de brincadeira. Sabemos a dificuldade que é para voltar, nem tenho multa no Juventus pelo valor que pagaram por mim. Recentemente um clube grande quis pagar € 35 milhões e eles nem quiseram conversar. Todos sabem que sou flamenguista doente, que tenho um sonho de voltar, mas temos que ser realistas e saber que é muito dificil voltar paro Flamengo agora. É claro que se chegar uma oferta que igualasse o Juventus, ou até ganhando menos, eu pensaria duas vezes. Mas tem o lado do Juventus também.

Para fechar: você se arrepende de alguma coisa que fez na vida?
De nada. De repente, se não tivesse feito alguma coisa, no futuro não teria acontecido outra.

Fonte: g1.globo.com
 
Por:  Wellyngton Menezes Brandão    |      Imprimir