Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 05-01-2011

DO ATENDIMENTO INTERDISCIPLINAR NA LEI MARIA DA PENHA
Proclama nossa Constitui��o Republicana de 1988 que a Defensoria P�blica � Institui��o permanente essencial � fun��o jurisdicional do Estado, sendo express�o e instrumento do regime democr�tico.
DO ATENDIMENTO INTERDISCIPLINAR NA LEI MARIA DA PENHA
Foto: www.maratimba.com

Cabendo-lhe, entre outras diversas atribui��es, exercer a defesa especializada dos direitos e interesses individuais e coletivos da mulher v�tima de viol�ncia dom�stica e familiar e de outros grupos sociais vulner�veis que mere�am prote��o especial do Estado.

Para tanto, no sentido de se efetivamente alcan�ar tal elevada miss�o institucional, a Emenda Constitucional n. 45, de 2004, finalmente assegurou � Defensoria P�blica autonomia funcional, administrativa e a iniciativa de sua proposta or�ament�ria. Copiando, em suma, o mesmo exitoso e fant�stico modelo tra�ado pelo constituinte origin�rio para o Minist�rio P�blico.

Atenta a estas extraordin�rias transforma��es na ordem constitucional do Pa�s no que se refere � Defensoria P�blica e ap�s a edi��o da Lei Maria da Penha, o Congresso Nacional e as Assembl�ias Estaduais viram-se compelidos a promover dr�stica atualiza��o e moderniza��o da legisla��o que rege as atribui��es e funcionamento desta Institui��o.

No plano infraconstitucional o primeiro passo foi dado com a san��o da Lei Complementar Federal n. 132, de 2009, que preconiza que a organiza��o da Defensoria P�blica dever� incluir atendimento interdisciplinar. Confira-se:

"Art. 4� S�o fun��es institucionais da Defensoria P�blica, dentre outras:

(...)

IV � prestar atendimento interdisciplinar, por meio de �rg�os ou de servidores de suas Carreiras de apoio para o exerc�cio de suas atribui��es".

E, ainda:

"Art. 106-A. A organiza��o da Defensoria P�blica do Estado deve primar pela descentraliza��o, e sua atua��o deve incluir atendimento interdisciplinar, bem como a tutela dos interesses individuais, difusos, coletivos e individuais homog�neos".

Operadores do Direito � Defensores P�blicos, Promotores de Justi�a e Ju�zes de Direito � que militam diuturnamente na complexa e sinuosa seara da viol�ncia familiar j� descobriram que f�rmulas positivistas e silogismos legais nada (ou quase nada) podem fazer para solu��o desse drama que tanto assombra e corr�i a estrutura da sociedade brasileira atual. A ci�ncia do Direito, mormente o ramo do Direito Penal, na grande maioria dos casos de viol�ncia dom�stica e suas conseq��ncias devastadoras, mostra-se como inconveniente, prolixo e sisudo intruso para atendimento e tratamento desse mal, que possui em sua profunda raiz diversas causas e efeitos que tangenciam e acionam outras Ci�ncias e, assim, outros profissionais especializados. Afinal, um psiquiatra domina a teoria e pr�tica da modula��o dos efeitos da decis�o no controle concentrado de constitucionalidade tanto quanto um jurista sabe das altera��es som�ticas em pacientes com transtornos psic�ticos, seu diagn�stico e tratamento medicamentoso.

A pr�pria jovem Lei Maria da Penha, diploma de vanguarda, desautoriza a elucubra��o e a especula��o em torno da problem�tica vivenciada pela mulher v�tima da cotidiana viol�ncia dom�stica e familiar. Determina seu texto vigente que a pol�tica p�blica que visa a coibir a viol�ncia dom�stica e familiar contra a mulher far-se-� por meio de um conjunto articulado de a��es da Uni�o, dos Estados, do Distrito Federal e dos Munic�pios e de a��es n�o-governamentais, tendo como uma de suas diretrizes a integra��o operacional do Poder Judici�rio, do Minist�rio P�blico e da Defensoria P�blica com as �reas de seguran�a p�blica, assist�ncia social, sa�de, educa��o, trabalho e habita��o.

Destarte, o Defensor P�blico, na sua sagrada miss�o constitucional, como fator de elimina��o, preven��o e erradica��o da viol�ncia familiar contra a mulher n�o deve, em hip�tese alguma, ser um eremita no seu N�cleo especializado de atendimento a essas v�timas, muito menos ter a pretens�o de avocar para si poderes sobrenaturais para solitariamente decifrar e ditar milagrosa profilaxia para a odiss�ia da viol�ncia familiar ou mesmo exorcizar o agressor. Deve o Defensor P�blico, em verdade, ser coadjuvado por uma equipe interdisciplinar de apoio, integrante dos quadros da pr�pria Institui��o, composta por profissionais das mais variadas �reas afetas � quest�o da viol�ncia familiar contra a mulher e suas recidivas, recrutados atrav�s de concurso p�blico, para que o problema n�o sofra mera solu��o paliativa.

Oportuno se faz aqui transcrever as considera��es de GL�UCIA RIBEIRO STARLING DINIZ, Professora Adjunta da Universidade de Bras�lia no Instituto de Psicologia, Departamento de Psicologia Cl�nica, e F�BIO PEREIRA ANGELIM, Doutorando na Universidade de Bras�lia � Instituto de Psicologia, in "Viol�ncia dom�stica - Por que � t�o dif�cil lidar com ela?", publicado na Revista de Psicologia da UNESP, in litteris:

"A viol�ncia n�o pode ser vista como um ato ou fen�meno isolado, e que nem tampouco pode ser reduzida a um processo policial ou judicial destinado a punir o autor do ato violento. Parte da dificuldade de lidar com os casos de viol�ncia est� relacionada a um processo de simplifica��o que permite configurar o agente agressor como criminoso ou psicopata e/ou mesmo as pessoas agredidas como portadoras de algum tipo de transtorno psiqui�trico.

A viol�ncia dom�stica tem uma dimens�o de g�nero. Ela ocorre num contexto social onde a mulher ainda � vista como inferior, ou seja, ela n�o tem o mesmo status, poder e direitos que o homem. Mudan�as v�m ocorrendo nesse cen�rio, mas ainda existem muitos mitos, preconceitos e desafios que dificultam a compreens�o da viol�ncia e a interven��o. A natureza da viol�ncia dom�stica e os estigmas associados a ela muitas vezes impedem que mulheres procurem ajuda. Esta dificuldade em procurar ajuda exige dos profissionais reflex�o, cuidado e forma��o continuada.

Assumimos ao longo do texto a posi��o de que refletir sobre a viol�ncia implica, entre outras coisas, entend�-la como parte da condi��o humana. Isso quer dizer que mesmo terapeutas e outros profissionais de sa�de podem participar de um sistema violento. Essa compreens�o afeta a maneira como vivenciamos a viol�ncia dos outros na medida em que nos leva a perceber que ela n�o � t�o estranha a n�s mesmos.

Conceber a viol�ncia em sua complexidade exige aten��o � articula��o entre sistemas sociais, hist�rias pessoais, hist�rias transgeracionais, o papel dos profissionais e os limites das interven��es. Exige, portanto, da parte dos profissionais disposi��o para lidar com o desafio de n�o simplific�-la".

Enfim, a Lei Complementar Federal n. 132, de 2009, ao exigir que a Defensoria P�blica tamb�m preste atendimento interdisciplinar, por meio de �rg�os e de servidores de suas carreiras de apoio para o exerc�cio de suas atribui��es, atende diretamente aos anseios da Lei Maria da Penha e de todos os setores do Estado e da sociedade organizada comprometidos com a quest�o da elimina��o da viol�ncia dom�stica e familiar contra a mulher. Pelo que sonegar ou retardar a concreta e real autonomia funcional e administrativa da Defensoria P�blica e a iniciativa de sua proposta or�ament�ria traz reflexos diretos e tr�gicos na perpetua��o do drama das mulheres v�timas do holocausto familiar, reduzindo a cinzas o princ�pio constitucional da dignidade da pessoa humana.




Fonte: Reda��o Maratimba.com
 
Por:  Carlos Eduardo Rios do Amaral    |      Imprimir