Categoria Geral  Noticia Atualizada em 23-02-2011

Gigante asiática inicia formação de "pequena China" no Vale do Paraíba
Empresa chinesa de máquinas vai construir fábrica de US$ 200 milhões. Oito empresas negociam instalação em SP e podem gerar até 4 mil vagas.
Gigante asiática inicia formação de
Foto: g1.globo.com

"Děng yí xià. Bu hao", alerta o supervisor na fábrica de máquinas, onde jovens operários chineses participam da montagem do primeiro guindaste na fábrica recém-inaugurada no... Brasil. Isso mesmo. As expressões em mandarim, que significam algo como "Espere um momento" e "Não bom", são usadas diariamente pelo engenheiro brasileiro Rodrigo Chabchowl, funcionário da Sany, empresa 100% chinesa que inaugurou este ano uma linha de montagem de CKDs (kits desmontados) em São José dos Campos (SP).

Atualmente, a Sany tem 150 funcionários no Brasil e emprega 108 profissionais na montagem de escavadeiras e guindastes no Vale do Paraíba. Desse total, cerca de 60 foram até a China passar por treinamento e vivenciar a cultura da empresa. Na bagagem, trouxeram algumas frases em mandarim, o que tem ajudado na comunicação com os técnicos chineses que vieram para o Brasil para supervisionar a produção da primeira fábrica da gigante chinesa na América Latina.

A filial brasileira é a quarta fábrica da companhia fora da China. A capacidade de produção instalada é de 500 escavadeiras e de 365 guindastes. De olho nas obras previstas para a Copa do Mundo de 2014, Olimpíada em 2016 e obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), a empresa anunciou um total de investimentos de US$ 200 milhões (cerca de R$ 340 milhões) para a construção de uma planta industrial completa para produzir máquinas para construção civil, pavimentação e abertura de estradas. A meta é chegar a um total de 1010 funcionários até 2012.

A Sany informa que já acertou a compra de um terreno de 560 mil metros quadrados na região do Vale do Paraíba. Embora o anúncio oficial ainda não tenha sido feito, tudo indica que a nova fábrica ficará em Jacareí, município vizinho a São José dos Campos e o mesmo escolhido pela Chery para instalar a primeira fábrica de uma montadora chinesa no Brasil, num investimento de US$ 400 milhões (cerca de R$ 680 milhões). A empresa prevê empregar 3 mil pessoas e produzir 150 mil veículos por ano.

"Depois de trabalhar um período com importações, optamos por nacionalizar nossa produção para ficarmos mais próximos aos clientes e superar as dificuldades desse processo, já que trazer máquinas da China pode levar até três meses", afirma o vice-diretor executivo da Sany, John Li.

Os investimentos asiáticos estão promovendo a formação de um espécie de "Little China" na região. "O Vale do Paraíba tem tudo para virar uma pequena China. Já recebemos oferta de duas outras empresas chinesas do setor metal-mecânico interessadas em se instalar na região", diz o secretário de Desenvolvimento Econômico de São José dos Campos, José de Mello Corrêa.

Pelas estimativas da prefeitura de São José dos Campos, atualmente cerca de 10 mil chineses moram na cidade. "A maioria deles atuam no comércio. Agora é que está chegando a China industrial", afirma Corrêa.

Outras 8 empresas chinesas estão em processo de negociação para se instalar no estado, segundo a Agência Paulista de Promoção de Investimentos e Competitividade (Investe SP), serviço vinculado à Secretaria de Desenvolvimento do Estado de São Paulo. Juntas, elas têm potencial de investimentos de R$ 1,5 bilhão e podem gerar até 4 mil empregos diretos. A Investe SP informa que as chinesas são dos setores metal-mecânico e de petróleo e gás, mas não revela o nome das companhias nem as cidades de interesse dos chineses.

Os municípios do Vale do Paraíba têm sido os preferidos dos chineses em razão da boa infraestrutura e da proximidade com os principais centros consumidores. "Levamos em conta aspectos logísticos, como o acesso às principais rodovias, pacotes de incentivos fiscais, garantidos pelo governo até a disponibilidade de mão de obra e a disponibilidade de fornecedores de insumos, que é um dos pontos principais no nosso processo de nacionalização", explica Li.

Segundo o Consulado da China em São Paulo, 36 empresas chinesas atuam hoje no estado, incluindo área financeira, comércio e indústria. A novidade é a chegada é a entrada de empresas chinesas na exploração de recursos naturais, como petróleo e aço, e na fabricação de bens de consumo.

"A China é um país novo em termos de economia moderna e estamos andando para frente, produzindo localmente. Levar tudo para a China não dá e nem a China necessita. Produzir e atuar no mercado brasileiro é estratégico", afirma o o cônsul-geral, Sun Rongmao.

A China liderou os investimentos diretos feitos no Brasil em 2010. Segundo estimativas da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet), os negócios anunciados somaram cerca de US$ 17 bilhões.

No Brasil, chineses ganham folga no sábado e domingo

Embora a Sany afirme que 85% dos seus funcionários sejam brasileiros, nota-se a presença chinesa por todos os setores da fábrica em São José dos Campos. Dos cartazes e letreiros do galpão à conversa nas linhas de montagem.

A empresa conta com uma equipe de cerca de 20 tradutores no país. Mas, dentro da fábrica, boa parte da comunicação acaba sendo mesmo improvisada.

"Muita coisa é no gesto mesmo. A gente faz, mostra, aponta para o olho, fala uma frase em chinês e vai se entendendo", diz Rodrigo Chabchowl, formado em engenharia mecatrônica.

"Técnicos costumam falar a mesma língua", completa Brian Zhiming Yan, gerente de vendas da Sany, e um dos poucos executivos chineses da empresa que já conseguem se virar bem na língua portuguesa.

"Em cada posto de trabalho, há um chinês que dá suporte técnico", explica Maurício Castro, gerente da fábrica. E a maioria dos chineses da fábrica é jovem, com idade entre 20 e 30 anos. São profissionais com curso superior, como Lino Chengno, de 22 anos, recrutado ainda durante o período de faculdade.

Chengno não aprendeu a falar ainda uma única palavra em português, mas quando lhe perguntam o que mais gosta no Brasil, ele responde rápido: "Sábado e domingo". Explica-se: na China, além da jornada de trabalho diária de mais de 10h, são 28 dias de trabalho por mês. Lá, os trabalhadores costuma dormir em dormitórios dentro das próprias fábricas. No Brasil, a empresa aluga imóveis para os técnicos chineses.

"Somos funcionários. Claro que preferimos a lei do Brasil", diz Yan. "Tudo no Brasil é perfeito, exceto o fato de estar muito longe da China", afirma o jovem executivo. Por ser filho único, ele diz que pretende retornar para a China após o término do prazo de permanência do seu visto de trabalho.

Sobre os brasileiros, Yan elogia a cordialidade: "Brasileiro é muito amigo, quer sempre ajudar". Ele só reclama da mania das pessoas daqui em ficar perguntando sobre as coisas que se come na China: "Brasileiro acha que chinês come só coisa estranha. Na minha vida inteira eu nunca comi escorpião".

Para matar a vontade de comer comida chinesa, ele diz ir com frequência até o bairro da Liberdade e São Paulo. Mas o que ele mais gosta de comer no Brasil é churrasco. E, segundo ele, a carne preferida dos chineses é o não tão prestigiado cupim. "Na China não tem cupim", revela.

Dificuldade para obter visto de trabalho
O tempo de permanência no país dos chineses trazidos pelas multinacionais costuma ser curto. Com exceção de poucos executivos que conseguem visto de permanência, os chineses costumam receber autorização para ficar por apenas três meses.

"Muitos até gostariam de ficar mais tempo para dar continuidade ao trabalho, mas acabam tendo de voltar", diz o gerente de vendas da Sany, que após gestões da empresa junto ao Itamaraty conseguiu visto de trabalho de dois anos.

Segundo o cônsul-Geral da China em São Paulo, Sun Rongmao, as dificuldades em obter vistos de trabalho é a principal reclamação de quem vem para investir no Brasil. "As empresas para entrarem precisam trazer técnicos, mas como o Brasil não dá visto de trabalho por mais de 3 meses, os chineses precisam ficar indo e voltando", diz.

Apesar das dificuldades com a burocracia brasileira, a gigante chinesa aposta alto no potencial do mercado brasileiro. "A Sany não veio fazer turismo. Assumiu um compromisso de investimentos para ficar no país, vender para os brasileiros e dar assistência para os clientes daqui", diz Yan.

A empresa também tem por missão mudar a imagem generalizada de que produto chinês é sempre barato e de qualidade duvidosa. O slogan da Sany é "A qualidade muda o mundo".

O desafio é justamente reverter a idéia de que se o produto é chinês, vai quebrar. "Não vamos brigar com outras marcas com preços. Não é porque é chinês que tem que ser barato", diz o gerente de vendas. "Queremos mostrar que a melhor máquina é a que não é barata".

Em 2010, as vendas da Sany no Brasil somaram R$ 51 milhões. "O objetivo é manter o ritmo de crescimento de 50% ano nos próximos três anos", afirma o vice-diretor executivo. A meta da empresa é chegar a 2014 faturando R$ 2 bilhões no Brasil, o que corresponderia a 16% do faturamento global atingido pela companhia em 2010. Fundada em 1989, a Sany Group está presente hoje em 110 países e faturou no ano passado R$ 12,5 bilhões.

Fonte: g1.globo.com
 
Por:  Wellyngton Menezes Brandão    |      Imprimir