Categoria Geral  Noticia Atualizada em 23-12-2011

Faculdade do RS denuncia ONU à OEA por surto de cólera no Haiti
Segundo consultora, é o 1ª caso de demanda contra a ONU nas Américas. Denúncia pede que Nações Unidas peça desculpas por negligência.
Faculdade do RS denuncia ONU à OEA por surto de cólera no Haiti
Foto: g1.globo.com

A Faculdade de Direito de Santa Maria (Fadisma) apresentou uma denúncia contra a Organização das Nações Unidas (ONU) por violação dos direitos à vida e à integridade corporal da população do Haiti. O documento foi produzido durante quatro meses e enviado em 27 de novembro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Na denúncia, a Fadisma afirma que a ONU violou, mesmo que sem intenção, dois artigos da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que falam sobre o direito à vida e à integridade pessoal, e pede que a ONU assuma a responsabilidade pelo surto. A faculdade gaúcha se baseou em estudos que comprovaram a data do primeiro caso de cólera no Haiti, depois de cem anos de erradicação da doença no país.

Segundo a denúncia, ele foi detectado no dia 17 de outubro de 2010, poucos dias após a chegada de soldados nepaleses à missão das Nações Unidas no Haiti, que ajuda a reconstruir o país após o terremoto de janeiro de 2010 que deixou pelo menos 200 mil mortos e mais de um milhão de desabrigados.

As tropas do Nepal chegaram ao país caribenho entre os dias 9 e 16 de outubro, depois de deixar sua capital, Katmandu, que havia sido atingida por um surto de cólera em 23 de setembro.

Os estudos, realizados por pesquisadores da França e dos Estados Unidos, também encontraram, nos dejetos dos soldados nepaleses, o vibrião do cólera que deu origem ao surto. Uma análise do DNA do vibrião concluiu que a cepa era originária do Nepal.

Os dejetos analisados estavam no acampamento da Minustah (força da das Nações Unidas no Haiti) na cidade de Mirabalais, mas, como a infraestrutura na região é precária, o esgoto é despejado no rio Artibonite, que começa em Mirabalais e cruza todo o país.

Foi justamente a partir do rio que o cólera se espalhou, diz a denúncia da Fadisma.

Segundo a assessoria de imprensa do Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil, apenas a Minustah pode se pronunciar sobre a denúncia. Procurada pelo G1, a missão da ONU no Haiti não respondeu aos pedidos de entrevista.

Média de 500 casos por dia

Em relatório divulgado em novembro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou que, até o dia 14 de outubro, 473.649 casos de cólera haviam sido contabilizados, e 251.885 dos pacientes (53% do total) haviam sido internados. Segundo a OMS, 6.631 morreram no primeiro ano do surto.

"Atualmente observamos uma média de 500 casos de cólera por dia", afirmou a OMS no relatório. O documento ainda prevê que a epidemia siga atingindo várias partes do país pelos próximos dois a três anos, antes de se estabilizar na fase endêmica.

Primeira demanda

De acordo com Maria Carolina Silveira Beraldo, consultora da Fadisma que colaborou com a produção da denúncia, trata-se da primeira vez que a ONU recebe uma demanda desse tipo no continente.

Beraldo afirmou que a ONU, em janeiro, nomeou um painel de especialistas para analisar a origem do surto. Em maio, segundo ela, o painel admitiu que a cepa do vibrião tinha origem nepalesa, mas culpou a infraestrutura precária do Haiti pela disseminação da doença.

"O tratamento de esgoto no Haiti é precário, mas essa base militar [da Minustah] é completamente precária, cai tudo no rio, é um acampamento sem estrutura", afirmou a consultora. "O grande problema não é nem a falta de infraestrutura local, é que a ONU não se preocupou em fazer análises prévias e, mesmo depois de tudo o que aconteceu, ela não se responsabilizou."

Foi isso, segundo ela, que motivou a Fadisma, que desde 2007 mantém o programa Brasil-Haiti de apoio ao país caribenho, a demandar a ONU em uma corte internacional.

A denúncia foi elaborada voluntariamente por duas advogadas a partir do cruzamento dos dados científicos. Segundo Beraldo, não é habitual acionar juridicamente as Nações Unidas porque ela tem imunidade para atuar nos países-membros. Porém, a Fadisma usou uma "soma de raciocínios" para levar a entidade ao tribunal.

"A ONU tem imunidade pra atuar, mas no Haiti ela se substitui ao estado haitiano. Além disso, todos os estados da OEA são parte da ONU, o critério de atuação do tribunal [da OEA] é territorial, e o surto aconteceu em solo americano", explicou.

Na demanda, a faculdade gaúcha pede que a Comissão Interamericana de Direitos Humanas recomende uma série de atitudes às Nações Unidas, entre elas que reconheça a responsabilidade pela introdução do vibrião e pelas consequências disso, que emita um "pedido de desculpas oficial, solene e público" às populações do Haiti e da República Dominicana, que também foi afetada pelo surto, que institua controle das condições de saúde dos militares que participam das missões de paz da ONU, que ofereça reparação econômica aos países afetados, às pessoas contaminadas e às famílias das vítimas, que crie novos centros de tratamento e prevenção do cólera no Haiti e que arrecade no mínimo US$ 500 milhões em um fundo para a criação de um sistema de esgoto no país caribenho.

Apesar de a ação judicial da faculdade brasileira não estipular um valor de indenizações, defensores do Instituto para a Justiça e a Democracia do Haiti (IJDH) apresentaram à ONU uma demanda interna para exigir um pedido de desculpas e US$ 100 mil de indenização às famílias ed vítimas, além de US$ 50 mil para cada uma das pessoas enfermas.

O grupo representa 5 mil vítimas da doença, entre doentes e familiares dos mortos. Segundo a agência France Presse, a Minustah não fez comentários sobre o documento.









Fonte: g1.globo.com
 
Por:  Maratimba.com    |      Imprimir