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Com renda de classe média, trabalhador diz que só faz "o básico"
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Com a renda mensal de cerca de R$ 800 que recebe como auxiliar de limpeza, Cleriston faz parte da classe média brasileira, de acordo com os novos critérios do governo, divulgados pela SAE.
Foto: g1.globo.com Estudo da pasta define como classe média no país famílias em que a renda por pessoa seja entre R$ 291 e R$ 1.019. Segundo o governo, esse universo representa 54% da população do país.
De acordo com o relatado por Dantas, contudo, seu salário só dá para fazer o básico. Dos R$ 800, R$ 350 vão para pagar sua parte no aluguel de R$ 1.000 de um imóvel que divide com o irmão e a cunhada na cidade de São Paulo. O resto vai para gastos com alimento, transporte, água e luz. Para o lazer, ele revela que "às vezes dá um jeitinho", como parcelar no cartão de crédito.
Se os R$ 800 já dão na risca, com R$ 291 ao mês, a faixa mínima por pessoa para se enquadrar na classe média, segundo o governo, Dantas afirma que não conseguiria viver na capital paulista. "Se fosse para eu trabalhar com esse salário aqui, eu ficava na Bahia", revela. "Lá a gente vive de plantar feijão, milho, essas coisas. Eu nunca calculei quanto eu ganhava por mês lá, mas mais do que R$ 291 eu ganhava", afirma, ressaltando, contudo, que os gastos no interior baiano eram menores, porque vivia na casa dos pais.
Para o economista André Braz, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), apesar de os quase R$ 300 parecerem muito pouco ao mês para viver nas cidades, é preciso levar em conta as diferenças regionais brasileiras na hora de avaliar os valores estipulados pelo governo. "Esses intervalos de renda, apesar de parecerem valores modestos quando a gente olha os custos de vida de centros urbanos, são uma definição estatística. O Brasil é um território cheio de diferenças", avalia. "Às vezes, a condição de vida de quem ganha R$ 290 no interior do Nordeste é semelhante, equivalente a de quem ganha R$ 1.000 nos grandes centros urbanos."
O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) calcula, mensalmente, o preço para a compra da cesta básica em 17 capitais. De acordo com o resultado de abril deste ano, em São Paulo (a cesta mais cara), o preço foi, em média, de R$ 277,27. Na sequência, estão Porto Alegre (R$ 268,10), Manaus (R$ 267,19) e Vitória (R$ 262,14). Os menores valores foram encontrados em Aracaju (R$ 192,52), João Pessoa (R$ 216,95), Salvador (R$ 217,92) e Fortaleza (R$ 218,87) - veja a lista completa.
O aposentado Carlos Alberto da Conceição, de 73 anos, também se enquadra dentro do perfil da classe média anunciado pelo governo, mas afirma que a renda mensal não é suficiente para as necessidades básicas. Ele recebe cerca de R$ 600 e vive sozinho. Paga R$ 450 de aluguel, já incluindo as contas de água e luz. Os R$ 150 que sobram precisam ser divididos entre alimento e remédios – como a conta não fecha, complementa o resto com a ajuda que recebe de outras pessoas. Ele foi encontrado pela reportagem pedindo esmola na Avenida Paulista, em São Paulo.
Complemento da renda
Para o aposentado Manuel Antônio dos Santos, de 69 anos, os R$ 291 por pessoa numa família dariam apenas "para quebrar o galho", levando em conta o custo de vida em São Paulo. "O aluguel é de R$ 350 para cima, só se for um casal que não precisa pagar aluguel (...). Se a pessoa pagar aluguel, aí complica."
Santos também se enquadra como parte da classe média brasileira – recebe R$ 760 de aposentadoria e vive apenas com a mulher. Mesmo assim, o valor do benefício não é suficiente e ele trabalha como vendedor ambulante para complementar a renda. "Numa época boa consigo tirar até mais do que ganho na aposentadoria", revela.
Para as auxiliares de limpeza Maria do Socorro de Almeida, de 50 anos, e Cícera Gonçalves de Araújo, de 42, com renda de aproximadamente R$ 700, o salário mal dá para as despesas básicas. No caso de Cícera, ela recebe R$ 620 para o sustento dela e de três filhos – já é, porém, enquadrada como pobre pelo governo, pois a renda por pessoa da família é de R$ 206. "Dá para pagar o aluguel e o arroz e feijão das crianças", diz. Maria do Socorro concorda. "Eu não tenho filho pequeno e moro em casa própria. Mas o custo de vida aumentou muito e o salário nosso é baixo", diz.
O aposentado Manuel dos Santos trabalha como ambulante para complementar renda
Da doméstica ao Eike
Coordenadora do estudo da SAE, Diana Grosner diz que as informações vêm desmistificar a imagem que a população tem sobre o que é a classe média no Brasil.
"O entendimento comum é que todos que estão acima da empregada doméstica e abaixo do Eike Batista fazem parte da classe média. Mas não é assim", afirma.
Segundo Diana, o estudo também mostra que a renda média do brasileiro ainda é muito baixa. Mesmo assim, aponta, houve avanços nos últimos anos: em 2001, 27% da população se encaixava entre os pobres e extremamente pobres. Em 2009, essa parcela era de 15%.
A coordenadora diz que a classificação vai servir para balizar novos estudos que vão apontar as expectativas de cada extrato da população em relação ao governo. A partir daí, diz, o governo poderá definir as suas as suas políticas.
Imaginário da sociedade
Para o diretor-técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, é difícil estabelecer o que é, de fato, a classe média. "No imaginário da sociedade, a classe média é entendida por pessoas que tiveram ascensão social e que possuem bem estar e qualidade de vida que recepcionam tudo aquilo que a sociedade desenvolveu", avalia.
Dentro desse "imaginário", o professor cita itens como escola de qualidade, saúde, sistema de transporte adequado e moradia. "Se é um rico, tem muito mais que tudo isso. Se é um pobre, é alguém que não teve isso", avalia.
O próprio Dieese estima, mensalmente, o valor do salário mínimo necessário para suprir as despesas de trabalhador e sua família com alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, higiene, transporte, lazer e previdência, levando em conta o estabelecido na Constituição. De acordo com a última pesquisa do departamento, em abril deste ano o salário mínimo deveria ser de R$ 2.329,35 (levando em conta o maior custo para o conjunto de itens básicos que, em abril, foi verificado em São Paulo).
De acordo com Lúcio, a pesquisa leva em conta uma família de quatro pessoas, o que daria, dividido em quatro pessoas, uma renda de R$ 582 para cada um. "Mas isso é o mínimo, não é a média", ressalva.
Auxiliares de limpeza e copeiras afirmam que renda
de cerca de R$ 700 não dá para muita coisa
Classificação
No estudo, a SAE considera como "supérfluos" itens de despesa como plano ou seguro de saúde, cursos superiores, consulta e tratamentos médicos, hospitalização, serviços de cirurgia, artigos escolares e telefone fixo. Classificados em "essenciais" estão itens como roupas, remédios, aluguel, transporte urbano, artigos de limpeza, energia, alimentação, água e esgoto e eletrodomésticos, entre outros.
Na opinião de Lúcio, com relação à divisão de classes da SAE, é preciso entender a necessidade da criação dessas classificações por parte do governo. Um dos exemplos citados por ele que justificaria a separação, por exemplo, é ter o recorte para a construção de políticas públicas.
Para Braz, da FGV, contudo, medidas estatísticas servem para mostrar de que maneira a renda da sociedade brasileira tem evoluído ao longo do tempo. "Essas estatísticas refletem médias. Isso não quer dizer que com R$ 290 você vai pertencer à classe media em qualquer parte do país, pois nem representa hoje metade do salário mínimo nacional."
Braz também afirma ser difícil definir o que é, de fato, a classe média. "É uma questão social que muda muito com o tempo (...). Se você vai a uma cidade superpobre do Nordeste e ganha R$ 300, você pode ser rico em relação aos seus vizinhos", avalia.
Fonte: g1.globo.com
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