Categoria Geral  Noticia Atualizada em 22-02-2013

Queda do Palace 2 completa 15 anos com indenizações paradas
Oito morreram no prédio da Barra da Tijuca, em 22 de fevereiro de 1998. Desde 2009, Justiça não permite novos leilões da associação das vítimas.
Queda do Palace 2 completa 15 anos com indenizações paradas
Foto: g1.globo.com

O desabamento do Edifício Palace 2 completa 15 anos nesta sexta-feira (22) com as indenizações paralisadas há mais de quatro. Foi no final de 2008 que a Justiça liberou a última parcela pela queda do prédio que matou oito pessoas na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, em 22 de fevereiro de 1998, um sábado de carnaval. Os ressarcimentos totais a que os ex-moradores têm direito variam entre cerca de R$ 300 mil a mais de R$ 1,5 milhão, segundo os advogados da Associação das Vítimas do Palace 2.

Desde a tragédia, as famílias dos 120 apartamentos ocupados do total de 176 do prédio receberam, no máximo, 40% das indenizações devidas pela construtora Sersan, responsável pela obra, de acordo com Eduardo Lutz, um dos advogados que representa a associação. Segundo ele, cerca de 10% não receberam um tostão nesse tempo todo. "A lista de credores foi formada em ainda em 1998 pela 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, com as pessoas que ingressaram na Ação Civil Pública. Dos moradores que preferiram ações individuais, ou entraram depois na lista, alguns ainda não tiveram nada".

É o caso do cineasta Vitor Lustosa, 64, que mora em Campinas (SP) atualmente. "Meu processo original, individual, foi esquecido e chegou a ir para o Arquivo Nacional. Só depois que retornei à associação, foi localizado e desarquivado, há três anos, depois do último leilão. Naquela noite, iria para a Sapucaí. Nunca havia tido nada, mas acabei no Instituto Nacional de Cardiologia de Laranjeiras. De lá para cá, foram três pontes de safena e um stent –e nada do meu dinheirinho".

As indenizações foram feitas a partir de leilões de imóveis da construtora Sersan, que ergueu o Palace 2 com erro de cálculo, como atestou o laudo pericial. Foram sete leilões até agora, com a primeira parcela liberada somente em 2004, seis anos após o desabamento. Segundo Eduardo Lutz, cerca de R$ 38 milhões foram arrematados pela associação.

Outros R$ 5,25 milhões, de um terreno da empreiteira no Distrito Federal, estão retidos no Banco do Brasil, após serem arrematados no último leilão da associação, realizado em 2009, pouco após a morte do ex-deputado federal Sérgio Naya, dono da Sersan, cujo inventário ainda nem foi iniciado, segundo Lutz, que reclama de morosidade da Justiça. "Cada juiz que assume a 4ª Vara tem um entendimento diferente e isso atrapalha o andamento do processo. Por exemplo, por que, em vez de um prediozinho por vez, não nos deixam leiloar de uma vez toda a dívida da Sersan", questiona Lutz, que aponta em R$ 52 milhões o valor ainda devido pela construtora.

O G1 entrou em contato com a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que não retornou para responder sobre as acusações de morosidade.

Perda de quatro pessoas
Mais que o prejuízo financeiro, a perda pessoal marca até hoje e "para sempre" a vida da médica Bárbara de Alencar Leão Martins, de 56 anos, que perdeu a filha Luisa, então com 12 anos. Ela morreu com o pai, o médico Milton Luiz Martins, ex-marido de Bárbara, então com 42 anos, a mulher dele, Rosangela Quaresma, que tinha 26; e o filho do casal, Milton, de 2 anos na época – a família, que dormia, soma metade dos mortos na tragédia.

Hoje um zootecnista de 31 anos, o outro filho de Bárbara e Milton, Pedro, então com 16, morava com o pai e escapou de morrer porque estava em uma competição de natação em Saquarema, na Região dos Lagos. "Vi na televisão a notícia de um prédio que tinha caído na Barra e reconheci que era o meu. Meu pai não atendia o celular e fiquei com um "teto preto" durante a viagem", lembra Pedro que, ao chegar ao Palace 2, viu a mãe, já à procura da filha e dos familiares.

"Entrei, mesmo com a polícia tentando impedir e tive esperança, porque o carro do meu pai não estava no lugar onde ele sempre estacionava, aré porque eles iam viajar para São José do Rio Preto, em São Paulo, na noite anterior, até hoje não porque não foram. Mas depois vi o carro, no subsolo", conta Pedro. Ele e a mãe só viram os corpos após a quarta-feira de cinzas, quando os bombeiros mandaram demolir o prédio.

A tragédia não se resume à queda do prédio. "Até hoje, precisamos de tratamento psicológico, psiquiátrico o tempo todo", diz Bárbara. "Vivemos em um luto permanente", resume a médica, que vive com fotos da filha perdida e, recentemente, recebeu, pelo Facebook, imagens dela do grupo de escoteiros do qual participava. "Cada imagem é como se ela estivesse mais aqui", diz.

Para Pedro, viver em apartamento é, ás vezes, um fator de estresse. "Peguei síndrome do pânico. Não ocorre sempre, mas, de vez em quando, à noite, penso que o teto vai cair quando estou dormindo. Quando minha filha [Gabriela, de 2 anos] nasceu passei a entender mais ainda o sentimento da minha mãe pela minha irmã. Um pai não se imagina sem o filho".

Não estar com o pai também deixou marcas. "Um dia antes da tragédia meu pai me disse "eu te amo" e eu, como sempre, não disse o mesmo. Adolescente, você sabe, tem verginha de dizer essas coisas. Fiz zootecnia até para me sentir mais perto dele, do cheiro de mato de São José do Rio Preto, cidade dele. Nas nunca mais vou poder responder "eu também" ", lamenta.

Renascido aos 15 dias
Por pouco a morte também não foi o destino de Jusssara Borges Santos, de 55 anos, e de Flávio Matheus. Hoje com 15 anos, ele tinha 15 dias quando o Palace 2 desabou. "Quando a primeira coluna estalou e rachou, depois da meia-noite, não percebi e continuei dormindo. Meu então marido desceu, falou com bombeiros e, três horas e meia depois, me acordou para eu descer com o bebê. Quando saí do elevador comecei a ver poeira, era o prédio caindo. Corri com ele no colo sem ver nada, caí e acabei salva por um vizinho que me puxou", lembra.

Há oito anos morando em Vargem Pequena, também na Zona Oeste, Matheus lembra dos sete anos que viveu no Hotel Atlântico Sul, onde algumas famílias de desabrigados do Palace 2 viveram até o ano passado. "Tinha amigos diferentes a cada semana, mas só duravam uma semana", diz, sobre as crianças filhas de hóspedes.

Para Jussara, que conta ter recebido apenas R$ 300 mil de "mais de R$ 1 milhão" devidos de indenização, a queda do edifício teve mais um legado negativo: "se tornou normal. Você vê quantas pessoas morreram naquele prédio no Centro", aponta, referindo-se ao edifício Liberdade, que desabou no Centro do Rio em janeiro de 2012, deixando 17 mortos (com os corpos reconhecidos) e cinco desaparecidos com morte presumida.

Operação de saída
Coronel reformado do Corpo de Bombeiros, Marcos Silva, de 61 anos, vê outra construção em andamento atualmente no local onde ficava o Palace 2, na Rua Jornalista Henrique Cordeiro. "Só espero que as famílias desse novo prédio tenham um tratamento bem diferente", afirma. Na madrugada do desabamento, ele arrombou portas de 17 dos 22 andares do edifício para os moradores fugirem. "As portas não abriam, porque a viga já tinha se rompido e envergado o edifício, estava tudo torto, eles giravam a maçaneta e não abria", lembra Marcos, que depois chegou a chefiar o Grupamento Marítimo do Corpo dos Bombeiros.

O engenheiro civil Gerard de Azevedo Queiroz, que constatou a quebra do pilar foi a quinta vítima, ao voltar para o subsolo do prédio. "Ninguém sabe ao certo o que ele foi fazer", diz Marcos Silva. Também morreram Leonel Benevides, na época com 18 anos, Fátima Ferraz, de 30, e Gilberto Maneschi. Segundo ex-moradores, todos voltaram ao prédio após evacuá-los, quando o edifício desabou de vez.

"Parece que isso não vai acabar. Estão todos desanimados com a Justiça", comenta, sobre a demora do processo, a presidente da associação das vítimas, Rauliete Barbosa, apontando o local onde o prédio começou a ruir e lamentando a absolvição, em 2005, de Sérgio Naya – a 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entendeu, em 2005, que ele não tinha conhecimento do risco de queda, causado por um erro de cálculo do projetista no dimensionamento de dois pilares.

Naya chegou a passar 137 dias preso. Ele devia mais R$ 70 milhões em processos judiciais quando morreu de enfarto, em fevereiro de 2009, na Bahia.

Fonte: g1.globo.com
 
Por:  Maratimba.com    |      Imprimir