Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 26-03-2013

Um sábado
Tento fazer disto uma rotina, mas não é tão fácil: sair todos os sábados rumo à praia. Calção, camiseta, boné, sandália, um discreto bronzeador... E uma vez estando lá, procurar um lugar, o mais solitário possível e deixar este “corpicho” exposto ao sol
Um sábado

Hoje, até que deu certo. Voltei um pouco antes do almoço. Faz parte desse ritual uma ducha na chegada. Fiz isso. Depois veio o suco com bolachas. Na sala, minha mulher, computador ao colo, me chama para ver uma mensagem no seu "Face", acrescentando ao mesmo tempo: " Leia isto. Nosso filho quem escreveu..."

Sempre vejo o que ela tem a me mostrar olhando por cima dos seus ombros, atrás da sua favorita poltrona reclinável. Mas hoje é sábado e eu me acomodei na poltrona do lado e aí, mudamos a telinha de colo.

Por conhecer o nosso caçula, peguei o aparelho deixando escapar um comentário fazendo alusão ao fato de considerá-lo muito mais eficiente com as mãos no domínio de uma 500 cilindradas do que no controle da palavra escrita. E coração de pai não se engana.

Aquela olhada de leitor acostumado fez vislumbrar "mi" em lugar de "me", "deichar" em lugar de "deixar"... Mas a primeira frase do cara me pegou. Falava de sua saída matutina para o trabalho e de ter visto uma cena triste... Pronto! O motoqueiro-escritor armara o cenário e o leitor sentiu-se naturalmente fisgado.

Ignorei a surra que ele impingia à Gramática e o acompanhei na sua descrição convincente: uma cadelinha atropelada, à beira da estrada, sendo velada por um cãozinho tristonho, quem sabe na esperança de ver a amada levantar-se para que ambos pudessem concluir a corrida alegre, festiva, saltitante, pela ampla estrada que lhes parecia tão convidativa, tão segura até que –oh dor! - o destino põe ponto final naquela livre e despreocupada caminhada, deixando o bichinho só e desnorteado, no meio do caminho.

Embora impiedoso para com o nosso idioma, o autor redimiu-se na condução da narrativa. E aí, sobrou pra mim. Com uma habilidade surpreendente ele toma emprestado a cena da estrada e faz reviver a lembrança da avó materna que partiu a alguns meses, colocando-se no lugar do cãozinho a olhar fixamente o corpo da avó amada levada por um súbito AVC, estando ausente o neto favorito. Ele viu a avó, mas ela já não podia ouvi-lo e nem ele, lhe falar... Nesse ponto, então, ele discorre sobre a importância das coisas simples: a família, a vida, o amor...

E não é que o malabarista das cilindradas estava inspirado? Escreveu com a alma. Conseguiu tirar de uma cena corriqueira de acidente envolvendo animais na pista, uma comovente reflexão. O texto do garoto pegou-me pelo queixo e só pude me desvencilhar dele aos prantos, entregando o computador para a mulher e saindo da sala à procura de um lugar para deixar sangrar toda aquela carga emocional. Eu não estava preparado para ler aquilo.

Não, não estava. Num átimo de segundo, o texto trouxe-me à memória a pessoa que ele colocara como sua segunda mãe e que também o fora pra mim; a figura que lhe é inesquecível e que também o é pra mim; a saudade imorredoura que ele carrega e que também invade-me a mim! Foi por isso que eu disse sobrou pra mim. Amigos, eu chorei. Chorei e chorei.

Foi a segunda emoção forte deste sábado. A primeira foi ver nosso calçadão de Itaipava destruído pela força do mar. E essa agora, provocada por um texto inusitado que me vem como uma onda violenta arremessando-me a um passado cheio de recordações que, de tão agradáveis, inundam-me os olhos. Eu choro e me reconstituo. E o calçadão da minha cidade?

Continuará caído? Quando será reconstituído??

Fonte: Redação Maratimba.com
 
Por:  Silvio Gomes Silva    |      Imprimir