Tento fazer disto uma rotina, mas não é tão fácil: sair todos os sábados rumo à praia. Calção, camiseta, boné, sandália, um discreto bronzeador... E uma vez estando lá, procurar um lugar, o mais solitário possível e deixar este “corpicho” exposto ao sol
Hoje, até que deu certo. Voltei um pouco antes do almoço. Faz parte desse ritual uma ducha na chegada. Fiz isso. Depois veio o suco com bolachas. Na sala, minha mulher, computador ao colo, me chama para ver uma mensagem no seu "Face", acrescentando ao mesmo tempo: " Leia isto. Nosso filho quem escreveu..."
Sempre vejo o que ela tem a me mostrar olhando por cima dos seus ombros, atrás da sua favorita poltrona reclinável. Mas hoje é sábado e eu me acomodei na poltrona do lado e aí, mudamos a telinha de colo.
Por conhecer o nosso caçula, peguei o aparelho deixando escapar um comentário fazendo alusão ao fato de considerá-lo muito mais eficiente com as mãos no domínio de uma 500 cilindradas do que no controle da palavra escrita. E coração de pai não se engana.
Aquela olhada de leitor acostumado fez vislumbrar "mi" em lugar de "me", "deichar" em lugar de "deixar"... Mas a primeira frase do cara me pegou. Falava de sua saída matutina para o trabalho e de ter visto uma cena triste... Pronto! O motoqueiro-escritor armara o cenário e o leitor sentiu-se naturalmente fisgado.
Ignorei a surra que ele impingia à Gramática e o acompanhei na sua descrição convincente: uma cadelinha atropelada, à beira da estrada, sendo velada por um cãozinho tristonho, quem sabe na esperança de ver a amada levantar-se para que ambos pudessem concluir a corrida alegre, festiva, saltitante, pela ampla estrada que lhes parecia tão convidativa, tão segura até que –oh dor! - o destino põe ponto final naquela livre e despreocupada caminhada, deixando o bichinho só e desnorteado, no meio do caminho.
Embora impiedoso para com o nosso idioma, o autor redimiu-se na condução da narrativa. E aí, sobrou pra mim. Com uma habilidade surpreendente ele toma emprestado a cena da estrada e faz reviver a lembrança da avó materna que partiu a alguns meses, colocando-se no lugar do cãozinho a olhar fixamente o corpo da avó amada levada por um súbito AVC, estando ausente o neto favorito. Ele viu a avó, mas ela já não podia ouvi-lo e nem ele, lhe falar... Nesse ponto, então, ele discorre sobre a importância das coisas simples: a família, a vida, o amor...
E não é que o malabarista das cilindradas estava inspirado? Escreveu com a alma. Conseguiu tirar de uma cena corriqueira de acidente envolvendo animais na pista, uma comovente reflexão. O texto do garoto pegou-me pelo queixo e só pude me desvencilhar dele aos prantos, entregando o computador para a mulher e saindo da sala à procura de um lugar para deixar sangrar toda aquela carga emocional. Eu não estava preparado para ler aquilo.
Não, não estava. Num átimo de segundo, o texto trouxe-me à memória a pessoa que ele colocara como sua segunda mãe e que também o fora pra mim; a figura que lhe é inesquecível e que também o é pra mim; a saudade imorredoura que ele carrega e que também invade-me a mim! Foi por isso que eu disse sobrou pra mim. Amigos, eu chorei. Chorei e chorei.
Foi a segunda emoção forte deste sábado. A primeira foi ver nosso calçadão de Itaipava destruído pela força do mar. E essa agora, provocada por um texto inusitado que me vem como uma onda violenta arremessando-me a um passado cheio de recordações que, de tão agradáveis, inundam-me os olhos. Eu choro e me reconstituo. E o calçadão da minha cidade?
Continuará caído? Quando será reconstituído??
Fonte: Redação Maratimba.com
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