Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 03-04-2013

FORÇA, MARINA!
A sala estava meio estranha. Havia um quê de suspense, de mistério, de sei lá o quê pairando na atmosfera, naquele primeiro dia de aula da semana. O professor percebeu, mas evitou comentários ou qualquer tipo de provocação.
FORÇA, MARINA!

Preferiu deixar que os fatos viessem à tona, de forma natural. É claro: sentiu falta da Marina, aluna compenetrada que na aula anterior estivera ocupando a primeira carteira, próxima à sua mesa, e que agora estava num lugar qualquer, lá no fundo da sala. Mas isso era banal. Mapas de sala são feitos e refeitos. E, não raro, para atender ao humor deste ou daquele professor...

Pouco a pouco o ambiente parecia se normalizar: o tema da aula espraiando-se envolvente, o humor natural da petizada (como diriam professores "das antigas"), tomando conta da sala e aquela inexplicada impressão ia lentamente desvanecendo-se, como se tudo não tivesse passado de uma falsa suposição. Mesmo assim, percebia-se, alguma coisa estava travando...

De repente, lá do fundo:

- Professor, dá licença pra sair com a Marina? Ela não está bem!...

A cena vista pelo professor, ao dar as costas para a lousa, dispensava maiores explicações. Marina estava sendo amparada por uma colega, enquanto deixava a sala. O "mistério" estava sendo desvendado e aquele professor estaria prestes a receber uma bonita lição ministrada pela sua turminha de pré- adolescentes.

A verdade é que Marina teve um final de semana horrível.. Alguém da turma narrou o acontecimento: "O padrasto dela aproveitou o domingo para fazer um conserto na instalação elétrica da casa. Não tendo alicate apropriado para o serviço, usou uma torquês. Foi morte na hora. Eletrocutado. Coitado! A família entrou em desespero. Foi muito triste!"...

Estava explicado. Não dava para fingir que tudo ia bem. Alguém do grupo sofria e isto mexia com todos eles. Alguns minutos se passaram. As duas meninas voltavam à sala e Marina recebia um abraço solidário do seu professor.

Bom que ainda exista isso: solidariedade. Às vezes, precisamos provar para nós mesmos que não somos solidários apenas nas catástrofes que atingem pessoas distantes da gente. Campanhas são feitas para atender vítimas de enchentes, terremotos... E todos nós fazemos questão de participar. Nesse sentido a solidariedade é o lado, digamos, agradável das misérias nossas de cada dia. Solidarizamo-nos com naturalidade, porque somos gente e sabemos nos colocar no lugar daqueles distantes desconhecidos que passam por momentos aos quais todos nós estamos sujeitos. É emocionante qualquer atitude humanitária, independente de colorações religiosas, político-partidárias ou outras...

Descubro, então, que preciso parar e fazer uma autoanálise. E ao meu redor? Como tenho exercido minha solidariedade? Tenho sido parceiro ou tenho feito, na maioria das vezes, vista grossa aos sofrimentos do meu semelhante? Sou capaz de, olho no olho, demonstrar minha sensibilidade ao que sente dores ou simplesmente ajo com indiferença? Respeito o momento difícil por que passa aquele que eu chamo de amigo ou fico fazendo minhas conjecturas dos seus reais motivos? Meus abraços oferecidos são apenas pró-forma, para as câmaras ou, de fato tenho verdadeira empatia?

E a lição do dia ficou. Aquele professor jamais se esquecerá de que um dia, alegres e extrovertidos pré-adolescentes de uma escola pública hastearam a meio-pau a bandeira da sua natural e contagiante alegria em respeito à dor de uma colega em seu sofrimento particular, tão próximo deles, tão perto de nós...

Fonte: Redação Maratimba.com
 
Por:  Silvio Gomes Silva    |      Imprimir