Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 02-05-2013

A MOÇA DO GUICHÊ
Pela segunda vez no dia voltou ao mesmo caixa para pagar boletos que não estavam em seu nome.
A MOÇA DO GUICHÊ

A moça do guichê recebia a todos indiscriminadamente com um "bom dia!" ou um "boa tarde" dito em voz firme, mas com uma sonoridade que parecia aumentar a sua discreta beleza e dar ao seu par de olhos grandes e bonitos, um brilho todo especial.

É verão. E nessa estação ardente desfilam-se ante os olhares de quem é daqui e de quem chega, lindas mulheres, com seus corpos já bronzeados, outros por bronzear. Elas passam indo ou voltando da praia. E ele sempre se pergunta, lá atrás da fila, no volante do carro, se o engarrafamento constante não se deve a um olhar demorado de algum motorista descuidado. Elas passam alheias aos indecifráveis olhares. Não se sabe os seus segredos, ninguém lhes dirige a palavra. Não as conhecemos, não temos o que lhes falar. E, alheias aos loquazes olhares, elas passam, elas passam, elas passam.

A moça do guichê, diferentemente das que passam e passam, já pela sua condição de funcionária, traja-se deixando à mostra nada mais do que o belo rosto, uns braços alvos com quase imperceptíveis penugens aloiradas e mãos ágeis com que digita freneticamente o teclado de sua "máquina registradora".

Na primeira vez, ele foi atendido profissionalmente. Nota dez. "Muito obrigada. Tenha um bom dia". E aqueles olhos invadindo os seus, não podiam deixá-lo sem uma resposta: "Eu é que agradeço. Um bom dia pra você também". Nessa segunda vez, seguindo a incorrigível veia galante, depois do sonoro "boa-tarde", comentou:

- Está direto aqui, ou teve substituta?

- Estou aqui há dois anos...

Percebendo a fragilidade da pergunta, emendou:

- Estou me referindo ao dia de hoje. Hoje foi puxado, não?

- Toda segunda-feira é puxado assim. É por isso que eu não gosto de segunda-feira!!

Esse diálogo seco e revelador, mostrou-lhe, mais uma vez, que os grandes profissionais são grandes atores. O dia é horrível, o pior da semana para se trabalhar e lá estão eles: impávidos, laboriosos e, no caso em apreço, esbanjando cordialidade e simpatia.

Imaginou-a chegando a casa no fim do dia, se casada, atirando-se no sofá, fechando-se no seu cansaço de segunda-feira, incomodada com as perguntas do marido querendo saber como foi o dia, essas coisas que eles dizem para tentar ganhar a noite.. Ou, se solteira, depois de leve descanso, um banho refrescante, um jantar, uma novelinha, que ninguém é de ferro... E tudo isso calada, no seu cansaço do dia. E os irmãos e os pais que bem a conhecem, nem ousam ir além de um habitual "tudo bem?" invariavelmente sem resposta. Hoje ela não vai à pracinha. Dispensa convite. Segunda-feira horrível. Ninguém merece!

Ele recebeu das mãos dela o boleto, com o recibo mecanográfico nele grampeado, acompanhado das habituais palavras e do mesmo sorriso profissional e, vejam só, sentiu uma pontinha de compaixão daquela moça bonita, compenetrada no seu serviço e, no entanto, realizando um trabalho, pelo menos naquele dia, com alguma coisa de raiva e desgosto corroendo o seu interior.

E a rua continuava apinhada de veranistas bronzeadas passando, passando, passando...

Fonte: Redação Maratimba.com
 
Por:  Silvio Gomes Silva    |      Imprimir