Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 22-05-2013

ELA CHOROU
Minha primeira gradua��o foi feita em regime de internato. Foram quatro anos. Costuma-se dizer que um per�odo de internato equivale ao dobro ou mais em termos de maturidade emocional para um jovem estudante.
ELA CHOROU

O internato � desafiador. E � preciso ter a experi�ncia para avaliar o sentido desta palavra aqui aplicada.

Deixei a minha cidade, no norte do Estado, nos idos de 1972, numa �poca em que viajar para o Rio de Janeiro trazia ainda aquela aura de aventura. Contava ent�o com os meus vinte aninhos. Um grupo consider�vel de amigos foi comigo � Rodovi�ria e o clima que se instaurou foi um misto de alegria e tristeza pela saudade antecipada e as naturais apreens�es. Hoje as estradas s�o outras e a contagem do tempo tamb�m. Quando algu�m de l� sai para o Rio de Janeiro � como se dissesse: "Vou dar uma pescada. J�, j� t� a�"...

Conheci um Rio de Janeiro sem a "Ponte Rio-Niter�i", sem o sistema de metr� e outros deslumbramentos da cidade maravilhosa.. Meu antigo educand�rio ainda jaz numa �rea privilegiada. Zona Norte: Tijuca. Patrim�nio imenso que, infelizmente, cedeu � especula��o imobili�ria uma enorme fatia. Mas ainda l� est� a alameda de acesso simplesmente magn�fica, esplendorosa. No plat� da colina, constru��es inspiradas na arquitetura norte-americana do in�cio do s�culo XIX: capela, biblioteca, refeit�rio, pr�dio educacional, edif�cios habitacionais... Beleza s�!

Tudo ali me � inesquec�vel. O local apraz�vel, os momentos de estudo, os mestres generosos dividindo seus saberes, as partidas de futebol... E a conviv�ncia. Ah! a pura conviv�ncia! Calouros e veteranos em suas trocas de impress�es num ambiente cosmopolita. Alunos de v�rios estados deste imenso Brasil convivendo com outros: argentinos, paraguaios, uruguaios, e at� do continente africano. Sem contar com professores gringos que no meu per�odo somavam cinco.

O �ltimo ano � sempre emocionalmente demolidor nessa situa��o. Sabe-se, por experi�ncia, que a separa��o em alguns casos � quase morrer. � claro que reencontros, mesmo que casuais, acontecem. Na maioria das vezes, entretanto, a separa��o � terminantemente definitiva: nunca mais! Valha-nos rede social!...

Esses pensamentos vieram-me quando minha mulher, que vive os momentos finais de um curso de onze meses, na vizinha Anchieta, chegou a casa com um semblante tristonho e a declara��o lac�nica: "Hoje foi dif�cil! Chorei como crian�a!..." Mais do que ningu�m, eu compreendia perfeitamente a extens�o do seu choro. Estranho seria n�o chorar.

Ela chorou porque chegou ao fim de uma travessia repleta de assimila��o de conhecimentos e autoconhecimento. Ali, ela se descobriu e se desenvolveu como pessoa. E isso, doravante, far� toda a diferen�a na sua vis�o de mundo. Escancarou-se a janela para o outro e suas necessidades.

Ela chorou porque est� deixando para tr�s um per�odo no qual, despida de velhos conceitos e aprendizados, deixou-se incorporar de outros mais atualizados que lhe foram acrescentados, acenando-lhe com alvissareiras perspectivas. Ela nunca mais ser� a mesma!

Ela chorou porque os rostos festivos retidos na sua mem�ria bem como do seu insepar�vel facebook far�o indel�vel o sentimento bom de alegria e saudade do tempo ali vivenciado. Posso imaginar ela e toda a turma em alguma �poca e em lugar qualquer, recolhendo uma l�grima furtiva ante a vis�o de quando eram mais jovens e t�o sonhadores.

Ela chorou como eu o fiz h� quase quarenta anos. Foi l� que eu aprendi a considerar amizade e companheirismo como coisas sagradas. Foi na conviv�ncia que eu me apercebi desta verdade: Se eu soubesse que fosse hoje o �ltimo dia que eu esteja a contemplar um rosto amigo ou que esteja dirigindo a palavra a algu�m ou simplesmente oferecendo-lhe o meu sorriso, certamente eu faria esses gestos com mais emo��o e com muito mais verdade do que tenho feito. Passei a entender que esta deve ser a base na qual se constr�i um relacionamento humano profundo.

Fonte: Reda��o Maratimba.com
 
Por:  Silvio Gomes Silva    |      Imprimir