Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 09-07-2013

DE COMO ME FARTEI DE CORDEL OU TRIBUTO AO AMIGO DE INFÂNCIA
Zapeando pela Sky, dei-me com Ariano Suassuna sendo entrevistado pelo jornalista Geneton Morais. O escritor, hoje nos seus 86 anos, me encanta. E não somente a mim,evidentemente. Eu o descobri na década de setenta.
DE COMO ME FARTEI DE CORDEL OU TRIBUTO AO AMIGO DE INFÂNCIA

Meu colega de quarto, dos tempos de internato, foi à Praça Saens Peña, na Tijuca, e voltou sobraçando o "Romance d A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta", publicado em 1971. Confesso que nem sabia da existência de Ariano Vilar Suassuna. Era o ano de 1973. Aquele meu colega, hoje doutor em filosofia e profícuo autor, já era um devorador de livros por natureza. Dotado de memória fotográfica - como dizíamos. E eu, longe de igualá-lo nos dotes intelectuais, enriquecia-me de suas informações literárias. Não cheguei a ler a tal obra de mais de seiscentas páginas. Apenas pré-leitura, suficiente para despertar o interesse pelo autor de "O Auto da Compadecida".

Na dita entrevista, Suassuna fez alusão ao poeta Leandro Gomes de Barros, em quem confessou ter se inspirado para escrever O Auto da Compadecida. Fui, assim, remetido ao chamado "Pai da Literatura de Cordel", nascido em 1865, na Paraíba, e que veio a falecer com apenas 53 anos de idade, em Recife. O poeta Leandro mereceu de Carlos Drummond de Andrade este registro: " [...] Não foi príncipe dos poetas do asfalto, mas foi, no julgamento do povo, rei da poesia do sertão e do Brasil em estado puro." E o poeta de Itabira disse isso para discordar da escolha de Olavo Bilac, como "O Príncipe dos poetas Brasileiros" feita, em 1913, por 39 intelectuais que, ou por preconceito ou mesmo por desconhecimento, ignoraram o poeta sertanejo. Drummond sabia de quem estava falando.

Aí, o abençoado Google me diz, com exuberantes detalhes, quem foi esse poeta baixote, cabeçudo, bigodudo, troncudo, de olhos azuis, criado na companhia de violeiros e cantadores e, que, em vida escreveu centenas de histórias, denominadas Folhetos de Cordel. Gomes de Barros está entre os primeiros a fazer da poesia sua exclusiva fonte de renda. Chegou a ser proprietário de uma gráfica, montada exclusivamente a serviço de sua poesia. Veio a venda dos direitos autorais e com ela, fatalmente, a omissão de seu nome em algumas de suas obras.

Tudo o que falei até agora está em função de recordações da minha infância. Comecei a ler muito cedo. Meu pai matriculou-me, aos cinco anos, no "Jardim da Infância" que funcionava na Igreja Batista. Ao final daquele ano, eu já lia correntemente e, menino tímido, via na leitura uma forma de justificar as fugas de contatos com outras pessoas. A "Cartilha" era lida e relida e, ainda sobrava tempo para "visitar" os livros dos mais velhos. Desses, havia um intitulado "Uma história... e depois outras": simplesmente marcante.

Foi por essa época que entrei em contato com o Cordel. Para nós, não tinha esse nome. A gente chamava de Romance. Minhas leituras de Cordel estão associadas a um amigo de infância inesquecível: Alzerino Paulino Gonçalves, o Zerino. Ele era pouco mais velho que eu. Éramos, todos, crianças pobres, naquele morro onde luz elétrica era privilégio de apenas dois moradores da rua: A venda do "seu" Maurílio" e o quintal do "seu" Atílio. Na venda, a gente acompanhava, pelo rádio, debruçado no balcão, no meio de bêbados, a novela "Jerônimo, o Herói do Sertão"; e no "seu Atílio", sua vitrola fazia a alegria da garotada, em dias determinados. E tome Teixeirinha, Luiz Gonzaga, Carequinha, Orlando Dias, Nelson Gonçalves, Anísio Silva...Ô tempo bom!

Pois bem. O Zerino não sabia ler. Enquanto eu estava na escola, ele ganhava dinheiro recolhendo café que os proprietários de armazéns, no descarregamento, permitiam ser catado no chão, peneirado e vendido aos comerciantes que o revendiam no Mercado Municipal. O Zerino não lia, mas gostava de ouvir as leituras dos romances. E como tinha dinheiro, trazia quase toda semana um ou dois romances. E sabe quem lia pra ele, sob as poucas luzes da rua? "Só dava eu!"

E foi assim, amigos, que adentrei ao universo do Cordel. "Lampião", "Dioguinho", "Antonio Silvino", "Zé Pretinho", "Pedro Malazartes", "Pavão Misterioso", "Zé Bico Doce", "João Grilo", "Cancão de Fogo", Príncipes, Princesas e Dragões povoam minha memória. E eu, agradecido, rendo aqui minhas homenagens a um amigo de infância que mesmo sem saber ler, gostava de leitura!

Fonte: Redação Maratimba.com
 
Por:  Silvio Gomes Silva    |      Imprimir