Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 27-08-2013

O EX-PROFESSOR
Continuei minha caminhada noturna com uma d�vida: O que eu acabara de ouvir foi num momento de rara lucidez do meu interlocutor, ou foi puro del�rio, fruto de uma mente perturbada?
O EX-PROFESSOR

Fui abordado por ele de forma direta, sem rodeios: "- Senhor, boa noite! Por gentileza, posso roubar um pouquinho do seu tempo?" Quem est� cumprindo o ritual de uma caminhada n�o gosta de quebr�-lo por nada. Voc� � assim? Eu tamb�m sou, mas n�o hesitei e, sem rancor, diminui minhas passadas r�pidas. "- Pois n�o? Em que posso servi-lo?"

Parar �quela hora, naquele lugar, com aquele personagem j� podia parecer a algu�m, que por ali passasse, algo estranh�ssimo. E se o transeunte parasse para ouvir um pouco da conversa, ficaria, como eu fiquei: sem saber se achava engra�ado ou se me comportava como se tudo fosse normal... Pessoas como ele nos fazem experimentar sentimentos confusos, variados, que, muitas vezes v�o do sentimento de d�, passando pelo medo e rar�ssimas vezes de real compaix�o.

Talvez o que me levou a parar, sem titubear, foi a voz pausada, a boa dic��o. Eu j� o tinha visto v�rias vezes nas minhas caminhadas. Mas nunca, em conversa com algu�m. Elegeu-me, naquele momento, para conversar. Creio que foi esse pensamento que me fez parar, imediatamente, no meu ritual, para atender ao seu cumprimento e dar-lhe a aten��o requerida...

O homem que empurrava um velho carrinho de supermercado � sabe Deus onde o achara - cheio de quinquilharias velhas e variadas, estava vestido a car�ter: era um mendigo a que me dispenso descrever suas vestes e os detalhes de sua fisionomia. Alto. Moreno. Aparentava uns setenta de idade...Com palavras escolhidas, deu sequ�ncia � conversa. "- Veja bem. Sou um homem que gosta de uma bebida. Hoje est� muito frio e at� agora n�o bebi nada. Estou sem um centavo no bolso...O que o senhor pode fazer para me ajudar?"

Qual seria sua rea��o, meu solid�rio leitor? Voc� j� foi abordado dessa forma? Comigo foi a primeira vez. E olha que consegui reagir com naturalidade. Seja pela franqueza usada, seja pela empatia que ele em mim despertou ... " � Olha, cavalheiro (isso me soou um pouco ir�nico), realmente est� frio e posso imaginar como uma bebida lhe faria bem... Mas estou caminhando; e quando estou fazendo isso n�o carrego dinheiro... N�o fosse assim, sinceramente, seria agora!" Ele respondeu: "-Acredito no senhor." E eu, curioso, estico a conversa perguntando o seu nome... Pronto!

Na conversa de pouco mais de cinco minutos, soube que o chamavam de "Mag�iver". Lembrei-me do MacGyver - genial e inesquec�vel personagem da antiga s�rie de TV, e perguntei se ele era do tipo que consertava tudo. E ele, num sorriso entre t�mido e feliz, explicou que o apelido vinha de alguma habilidade que ele possui no campo da eletr�nica. Perguntei se ele fizera algum curso e ele surpreendeu-me dizendo que tinha sido um dos primeiros professores do SENAI, em Cachoeiro do Itapemirim, no final da d�cada de setenta. Mostra a m�o espalmada e diz que alguns o chamam de "Dedo-grosso", mas que ele prefere MacGyver. Desafia-me a perguntar pelos botecos, e aos donos de barco quem ele era. E foi al�m: "- Se algu�m falar mal de mim pode estar certo de que � ... inveja." Naquela hora, percebi que o MacGyver tinha senso de humor. Ele riu e n�s rimos juntos...

A�, eu "viajei", como diria um meu amigo mais jovem que eu. Caraca! O Cara foi professor!! Somos colegas!! Imaginei-o, d�cadas atr�s, cercado de alunos, dividindo saberes, consciente de sua miss�o, e em parceria escola/fam�lia, envolvido na constru��o de uma sociedade melhor, mais justa, onde seres humanos sejam verdadeiros cidad�os que usufruam de seus direitos, mas cumpram,tamb�m, com os seus deveres, respeitando o outro, aceitando as diferen�as, crescendo no conv�vio social, conscientes da necessidade de preservar o planeta, para entreg�-lo �s gera��es posteriores com o m�nimo de estragos e acima de tudo, mantendo o cora��o repleto de esperan�a!... Ele foi professor! Meu Deus, aquele mendigo, era um ex-professor!...

Na despedida, senti nas minhas m�os os dedos grossos do Mag�iver. Afastei-me, silenciosamente, sem nenhuma garantia de que ele me reconhecer� ao passarmos novamente um pelo outro. Reiniciei minha caminhada. E, sozinho, no sil�ncio da noite, acredite: agradeci a Deus pelos professores, lembrando Fernando Pessoa: "Tudo vale a pena, quando a alma n�o � pequena."

Fonte: Reda��o Maratimba.com
 
Por:  Silvio Gomes Silva    |      Imprimir