Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 19-10-2013

ALÍVIO IMEDIATO

ALÍVIO IMEDIATO

Observa-se na sociedade contemporânea uma busca desenfreada por
explicações biológicas, fisiológicas e comportamentais que possam dar
conta de diversos tipos de sofrimento psíquico, dentre estes, os mais
frequentes são a ansiedade, estresse, depressão, síndrome do pânico,
transtorno bipolar e fobias. Todos muito divulgados na mídia através
de reportagens e documentários que pretendem ajudar os leigos a
identificar os principais sinais e sintomas de seu mal estar,
contribuindo assim para que muitos pacientes cheguem ao consultório
buscando apenas uma validação da hipótese diagnóstica que obteve
através de algum site.

Nesta busca por um alívio imediato dos sintomas, constata-se que cada
vez mais pessoas depositam sua confiança em receitas rápidas que
possam diminuir o mal estar sem se preocupar em buscar um sentido para
este sofrimento. A medicalização da vida e do sofrimento tornou-se uma
prática comum e na atualidade tornou-se corriqueiro ir a uma consulta
e sair com uma receita em mãos. Segundo Roudinesco (2000) há um
pagamento do sujeito, pois seja qual for o sintoma, sempre haverá um
medicamento a ser receitado:

Cada paciente é tratado como um ser anônimo, pertencente a uma
totalidade orgânica. Imerso numa massa em que todos são criados à
imagem de um clone, ele vê ser-lhe receitada à mesma gama de
medicamentos, seja qual for o seu sintoma. (ROUDINESCO, 2000).

O grande perigo da situação descrita acima é que se cria uma
perspectiva totalizadora do ser humano, na qual se pretende atribuir
todos os problemas vivenciais, emocionais a uma explicação orgânica e,
especialmente, genética. Assim, difunde-se a idéia de que existe um
gene que poderia explicar o alcoolismo, as doenças mentais e a
infelicidade, fazendo com que hipóteses duvidosas sejam divulgadas
pela mídia como fatos comprovados (Leite, 2011).

Explicar e reduzir a experiência humana através de um saber
totalitário, de categorias fechadas e limitadas, CID- 10 e DSM-IV, que
oferecem explicações prontas para determinados comportamentos diminui
o real do sofrimento e a angústia por não saber a razão deste
sofrimento. Assim, percebe-se atualmente uma grande adesão a estas
formas de explicação que reduzem e até mesmo impedem o homem de
construir através de uma experiência particular e subjetiva um
significado para seu sofrimento. (idem).

Além da exacerbada carga medicamentosa prescrita aos adultos, uma
constatação ainda mais preocupante é o aumento da medicalização da
infância. Atualmente observa-se que crianças e adolescentes que
apresentam comportamentos e características de personalidade que
diferem dos considerados e catalogados como normais são frequentemente
enquadrados em categorias nosológicas e assim rotulados como
depressivos, portadores de TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e/ou
Hiperatividade) ou de TDO (Transtorno Desafiador Opositor). Segundo a
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), somente entre 2002
e 2006, a produção brasileira de metilfenidato, medicamento utilizado
para o tratamento do TDAH cresceu 465% e as vendas saltaram quase 80%
entre 2004 e 2008.

Cabe esclarecer que os psicofármacos, quando prescritos de forma
criteriosa e responsável, tornam-se um importante aliado na luta
contra o sofrimento humano, mas de forma alguma se deve restringir o
tratamento apenas a uma resposta medicamentosa.

Na contramão destas receitas instantâneas, encontra-se a psicanálise.
Há mais de cem anos, através da escuta de pacientes histéricas, Freud
descobriu que os sintomas apresentados por estas pacientes não eram
decorrentes de nenhuma lesão orgânica, mas que estes possuíam um
sentido, um significado e estavam relacionados às experiências
vivenciadas por estas pacientes.

Ainda hoje a psicanálise acredita que simplesmente extinguir o sintoma
é silenciar o sujeito, pois o sintoma representa a única possibilidade
encontrada por esse sujeito de expressar algo insuportável, para o
qual ainda não foi possível construir nenhuma significação.

Assim, a psicanálise propõe uma experiência subjetiva na qual o
sujeito construirá um significado para seu sofrimento, seu sintoma.
Sua regra fundamental é a associação livre, que consiste em que o
paciente fale livremente sobre seus pensamentos. Através deste método
de investigação busca-se essencialmente evidenciar o significado
inconsciente das palavras, das ações, das produções imaginárias
(sonhos, fantasias, delírios, atos falhos) de um sujeito. Desta forma,
o sujeito poderá elaborar situações traumáticas, esclarecer conflitos
e ressignificar questões dolorosas.

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"Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso.
Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro".
Clarice Lispector.

Fonte: O Autor
 
Por:  Elio Gonçalves    |      Imprimir