Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 14-01-2014

“NíO QUERO FALAR COM VOCÊ!...”
Criança é dotada de uma sinceridade, por vezes, desconcertante. Meu título de hoje é a resposta dada a um adulto que passou por uma criança e falou o seu nome como forma de cumprimento.
“NíO QUERO FALAR COM VOCÊ!...”

Criança é dotada de uma sinceridade, por vezes, desconcertante. Meu título de hoje é a resposta dada a um adulto que passou por uma criança e falou o seu nome como forma de cumprimento.

Ouvindo aquilo, fiquei a pensar por um momento: E se baixasse, de repente, um espírito de sinceridade nas pessoas enquanto seres que se relacionam? Seria um caos, continuei pensando. Veio-me à mente o personagem do enorme ator Luiz Fernando: sincero até demais ele vivia cometendo gafes aos borbotões. O constrangimento que ele causava com a sua sinceridade – lembra? – criava cenas hilariantes, impagáveis. Era um bom entretenimento. Eu gostava.

Na vida em sociedade, ser sincero como o personagem lembrado, é antissocial, beira à grosseria e ninguém quer passar imagem tão negativa de si, não é verdade? Acontece que tal não é a preocupação de uma criança. Ela ainda não cogita disso. O que é, para ela, imagem negativa? O que importa para uma criança a opinião de um adulto? Este é o tipo do questionamento que não lhe é inato, não é inerente à sua faixa etária! Criança é "tabula rasa", ou seja, sua mente e seus costumes vão se formando em contato com saberes que lhe vão sendo acrescentados, pelo convívio, pelas tradições. Ou, como dizem os sociólogos, pelos "folkways": costumes da sociedade onde se vive.

Minha digressão levou-me ao contexto da família. Já pensou se os cônjuges resolvessem ser sinceros assim? Pior que são! - como se diz. Quando ele ou ela omite-se no uso de etiquetas sociais rudimentares, como um simples cumprimento, é como se dissesse: "Não quero falar com você!". Pelo menos naquele momento! Irmãos que não trocam cumprimentos entre si, nem com os pais, estão a dizer o mesmo.... E aí, você diz: "Não estamos em época de formalidades! Isto é século XXI, esqueceu?" Da minha parte, fico com o que escreveu Içami Tiba no seu bestseller "Quem Ama Educa": "É preciso que o adolescente (eu acrescento: por extensão, os filhos) produza em casa, com os seus pais, o que ele tem que produzir na sociedade, com os amigos, professores e outros estranhos". E isso, o velho Tiba disse na edição de 2010. Então, amigo, nessa eu não estou só...

Viajei, também, ao contexto do trabalho. O superior que nega um cumprimento ao subordinado está dizendo: "Não quero falar com você!". Será que você, meu leitor, nunca sentiu isso na pele? Da mesma forma, os subordinados em relação a esse superior e mesmo entre eles mesmos. Nada justifica. Estou falando de adultos, conhecedores das regras. Estão sendo muito sinceros, para não dizer extremamente grosseiros, antissociais. E muitas vezes isso acontece num ambiente onde se prega a inclusão, o politicamente correto, a tolerância para com os diferentes... Mas a gente faz vista grossa, brinca de invisível até descobrir que não somos nada disso, na hora das cobranças... Nessa hora, passamos a ser caçados quando não nos podem cassar as funções. Aí, eu entendo quem diz que esse negócio de politicamente correto é uma deslavada hipocrisia social. A gente mostra uma polidez por fora que está longe de existir por dentro. Mas o que é que eu estou falando, gente! Não deveria dizer isso, não deveria... Desculpem-me! Desculpem-me!

A frase da criança me leva a dizer, à boca pequena: Viva a sinceridade e abaixo a hipocrisia! Sim. À "boca chiusa", como dizem os italianos, porque é preciso ter cuidado. Não se deve tecer loas à sinceridade, pondo em esquecimento as regras básicas da vida em sociedade. A sinceridade de que falamos aqui pode muito bem ser consequência de um lar onde não foi aplicado o "amor que ensina" para citar mais uma vez o eminente educador. E ele foi mais além: "Criança precisa de adulto responsável à sua volta. Agora, os pais funcionam como consciência familiar e social. A criança já identifica o que quer, mas são os pais que ensinam ou não, a adequação do seu querer. Portanto, mais que somente dar, está na hora de ensinar."

Então, fiquemos assim: Se acontecer de uma criança responder ao seu gentil cumprimento usando a expressão "Não quero falar com você", não fique triste e nem faça mau juízo dela. Louve sua sinceridade e, em seu íntimo, agradeça-lhe. Você está sendo preparado por ela para receber essa mesma mensagem emitida com outra roupagem, em outros contextos, por adultos, no seu dia-a-dia. Infelizmente.

Fonte: O Autor
 
Por:  Silvio Gomes Silva    |      Imprimir