Categoria Geral  Noticia Atualizada em 15-03-2014

Crimeia, o regresso da guerra fria?
O referendo de amanh�, que o Ocidente considera ilegal, deve ditar a independ�ncia da Crimeia. O que esperar do dia seguinte?
Crimeia, o regresso da guerra fria?
Foto: economico.sapo.pt

"� uma da madrugada deixei Pskov [noroeste da R�ssia] com o cora��o pesado pela forma como as coisas aconteceram. Tudo � minha volta � trai��o, cobardia e mentira". Nicolau II, o �ltimo czar do imp�rio russo, descrevia assim no seu di�rio, a 16 de Mar�o de 1917, as primeiras horas ap�s ser apeado pela revolu��o.

O dia parece perseguir a hist�ria do Leste europeu nas �ltimas d�cadas: em 1982, por causa da capacidade nuclear, a ent�o URSS e os EUA atravessavam uma tens�o muito pr�xima da que, nas �ltimas semanas, se intensificou por causa da Ucr�nia.

Cheg�mos a 2014 e 16 de Mar�o amea�a refor�ar o seu lugar destacado no calend�rio das rela��es Leste-Oeste. Amanh� o "Sim" dever� vencer no referendo � independ�ncia da Crimeia, reflectindo o desejo da popula��o se aproximar de Moscovo - ou, pelo menos, de se afastar de Kiev. E na segunda-feira?

"As consequ�ncias depender�o muito do que a R�ssia quiser fazer com o pr�prio resultado, pois poder� haver v�rios cen�rios: a independ�ncia, ainda que formal, ou a anexa��o. E isso pesar� sobre as negocia��es diplom�ticas para a resolu��o do problema", responde Nuno Severiano Teixeira em declara��es ao Econ�mico.

O ex-ministro de Jos� S�crates e presidente do Instituto Portugu�s de Rela��es Internacionais defende que "em certo sentido este � um �ltimo epis�dio da guerra fria". Severiano Teixeira sublinha que nenhuma das partes tem interesse em chegar ao confronto militar e que antes das armas h� a diplomacia, as san��es econ�micas e o isolamento internacional.

Sim quase certo

Tendo em conta as condi��es em que o referendo se realiza - a presen�a de tropas russas no territ�rio e o facto de a popula��o da Crimeia ser maioritariamente russa - o "Sim" parece ser um dado adquirido. A grande d�vida recai sobre o que ser� o dia 17 de Mar�o. E isso foi claro ao longo da semana - � medida que a data se aproximava, as principais bolsas mundiais ressentiam-se com fortes quedas.

O Ocidente deixou bem claro que o referendo � "ilegal" e Obama deu a m�o ao governo interino da Ucr�nia, que at� recebeu na Casa Branca, avisando que a viola��o pela R�ssia do direito internacional ter� um "custo" para Moscovo. Ontem o secret�rio de Estado norte-americano John Kerry tentou em Londres um �ltimo esfor�o antes de avan�ar com as pr�ximas muni��es nos campos diplom�tico e econ�mico.

Um dia antes, a senhora Europa, Angela Merkel, elevou o tom para garantir a Putin estar pronta a limitar a entrada de russos no espa�o da Uni�o, congelar activos financeiros e cancelar a pr�xima cimeira UE-R�ssia. Na pior das hip�teses, Moscovo pode enfrentar um isolamento compar�vel ao do Ir�o. E esse segundo degrau de retalia��es econ�micas e diplom�ticas pode ser subido j� esta segunda-feira, na reuni�o dos ministros dos Neg�cios Estrangeiros da UE.

Portugal a Leste

A 3.600 quil�metros de dist�ncia, a quest�o do ponto de vista econ�mico n�o est� a ter eco. A balan�a comercial com Kiev � deficit�ria para Portugal, com as vendas na Ucr�nia a rondarem 22 milh�es de euros em 2013, perante importa��es dez vezes superiores - sobretudo de produtos agr�colas. H� poucas empresas nacionais no territ�rio, que � essencialmente uma plataforma girat�ria para entrada e sa�da de bens da R�ssia, Ge�rgia e China.

No n�cleo do Governo, tanto Passos Coelho como Rui Machete apelaram a uma solu��o pol�tica e diplom�tica que salvaguardasse a soberania e a integridade territorial da Ucr�nia. O ministro da Economia, Ant�nio Pires de Lima, tocou no assunto na feira de cal�ado de Mil�o para desdramatizar os receios dos exportadores portugueses de sapatos para a R�ssia. E Bruno Ma��es, secret�rio de Estado dos Assuntos Europeus, aconselhou as empresas portuguesas presentes na Pol�nia a "repensar os seus planos para entrar na Ucr�nia".

Embora reconhe�a que a actual tens�o torna "os neg�cios mais complicados de fazer" e que a situa��o social prejudica o consumo interno, Lu�s Manuel Fran�a, administrador da C�mara de Com�rcio Luso-Ucraniana (CCLU), considera que "a desanexa��o da Crimeia da Ucr�nia, embora crie instabilidade pol�tica, n�o � relevante do ponto de vista comercial" para Portugal.

De acordo com a CCLU, Portugal exporta sobretudo vinhos para a Crimeia para produ��o de champanhe, muitas vezes em regime de troca com os produtores locais, mas em quantidades que n�o s�o consideradas relevantes. Nota ainda para a procura do territ�rio por parte de alguns turistas portugueses, mas tamb�m aqui os fluxos s�o fracos.

Lu�s Manuel Fran�a confessa o desalento para com "um pa�s que h� cinco anos tinha uma taxa de crescimento de 10% e tem agora grandes dificuldades ao n�vel de divisas, por exemplo". Incertezas que levaram empresas do sector financeiro, que tinham aberto escrit�rios de representa��o no pa�s com o objectivo de depois abrir balc�es, a colocarem o seu processo de expans�o em "stand by".

Mercados em suspense

A n�vel internacional a tens�o na Ucr�nia tem sido monitorizada de perto pelos investidores. H� quem veja a Crimeia como um barril de p�lvora. Mas h� tamb�m quem nesta altura j� olhe para o referendo como um tiro de p�lvora seca.

"Para j� � um referendo que n�o � reconhecido pelo Ocidente. Para mais que j� foi votado no Parlamento da Crimeia o "Sim" � anexa��o pela R�ssia. Por isso o referendo ainda tem uma import�ncia mais limitada", disse Agostinho Leal Alves, do Departamento de Estudos Econ�micos e Financeiros do BPI, ao Econ�mico. "Mas se depois do referendo surgir instabilidade e escaramu�as militares entre russos e ucranianos, a� sim, pode haver uma certa turbul�ncia nos mercados financeiros", frisa.

De qualquer forma, nas bolsas o nervosismo foi not�rio ao longo de toda a semana. Depois de um bom in�cio de ano, mercados como Frankfurt, Paris e Londres passaram a acumular perdas anuais, contrariando a tend�ncia de recupera��o que se avizinhava no rescaldo dos tempos mais s�rios da crise de d�vida na zona euro. No reverso da medalha, os ecos de guerra fria t�m despoletado forte procura por activos de ref�gio, como a on�a de ouro e o iene japon�s.

Com o �ndice do medo na Europa a disparar mais de 30% este m�s, uma atitude de for�a de Moscovo conjugada com novas san��es econ�micas do Ocidente aumentaria ainda mais a confus�o entre os investidores, acrescenta Agostinho Leal Alves.

"Avizinha-se um fim-de-semana explosivo", antecipava Eduardo Santos, da XTB Portugal, numa altura em que a diplomacia intensifica contactos � procura de um entendimento m�nimo entre dois blocos que nunca deixaram de desconfiar um do outro.

Por isso parece t�o improv�vel um 16 de Mar�o t�o auspicioso como o de 1995. Esse dia em que, a 300 quil�metros de dist�ncia da Terra, os cosmonautas russos abriram pela primeira vez as portas da esta��o espacial Mir [paz, na l�ngua de Moscovo] a um astronauta norte-americano.

Fonte: economico.sapo.pt
 
Por:  Maratimba.com    |      Imprimir