Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 29-07-2014

BRIGA NA SALA DOS PROFESSORES
A imortal Rachel de Queiroz (1910-2003) tem um conto publicado no qual narra como respondeu a um cr�tico, bem ou mal intencionado, que discordou do uso de uma meton�mia no seu livro de estreia - O Quinze - , publicado em 1930.
BRIGA NA SALA DOS PROFESSORES
Foto: www.maratimba.com

Meton�mia � aquela figura de ret�rica que a L�ngua permite para embelezar o estilo. Rachel, incipiente escritora, usara a express�o "com o peito entreaberto na blusa" e o tal cr�tico liter�rio caiu de pau na menina dizendo ser uma descabimento: peito entreaberto ou blusa entreaberta? No conto, a acad�mica relata ter sido socorrida pelo seu professor de latim que a orientou a dar uma resposta ao cr�tico atrav�s de uma nota de jornal. Fico a imaginar a cara do "letrado" ao ler o texto de vingan�a daquela que se transformaria numa genial escritora.

Veio-me � lembran�a esse conto - "Meton�mia, ou a vingan�a do enganado" - lido h� muito tempo, quando h� poucas semanas, protagonizei uma cena de discuss�o que por pouco, n�o se descambava para as vias de fato, no melhor estilo MMA. Exageros � parte mas o que poderia ter sido uma saud�vel discuss�o sem�ntica, marcou o in�cio de um relacionamento de declarada antipatia m�tua, a bem da verdade...

O caso n�o foi de meton�mia. A quest�o envolveu o uso de um adv�rbio. Ah! A L�ngua Portuguesa! A �ltima flor do L�cio inculta e bela, do Bilac! Quantas farpas hist�ricas foram e ser�o trocadas por quem te ama e tamb�m por quem te desconhece! Encanta-me a declara��o de amor do poeta-cantor Caetano Veloso � L�ngua Portuguesa: "Gosto de sentir a minha l�ngua ro�ar / A l�ngua de Lu�s de Cam�es...." Nesse poema do baiano bom de verso est� material para deixar cr�ticos em polvorosa, se n�o considerarem a liberdade po�tica, como, por exemplo, nos versos: "Flor do L�cio Samb�dromo. / Lusam�rica latim em p�. " (?!)

Pois �. Aconteceu. Fui solicitado a dar uma entrevista, por escrito, a uma mestranda, falando sobre o trabalho que vem sendo realizado pela pedagoga da escola onde atuo. Mandei ver. Admirador que sou do trabalho daquela educadora, coloquei no papel minha opini�o sobre o que, sinceramente, considero um trabalho de alt�ssimo senso profissional. � o segundo ano que trabalho sob sua orienta��o pedag�gica... Pois bem. Entreguei o formul�rio � mestranda e, posteriormente, na sala de professores, quis fazer uma gra�a com a minha pedagoga com estas palavras: "- Enchi sua bola! Escrevi at� que voc� � bonita..."

Pronto. A� estava o ponto da quest�o. Esse "at�" provocou muxoxos na outra extremidade da longa mesa onde me encontrava. Foi dif�cil n�o ouvir o coment�rio de uma colega, n�o da mesma �rea que eu, dito meio que � socapa, como diria meu antigo professor: " - Hum! Esse "at�" estragou tudo... " E repetiu: "Escrevi �at� que voc� � bonita...". Bem. N�o sei qual a inten��o de um coment�rio assim, mas eu o recebi como uma cr�tica ao uso do voc�bulo AT� que, como se sabe, pode ser preposi��o ou adv�rbio dependendo do contexto...

O leitor, agora, procurar� colocar-se em meu lugar... Um professor de L�ngua Portuguesa sendo criticado por um suposto mau uso de uma palavra.... Deveria ficar calado? Engolir a cr�tica? Passar um atestado de ignor�ncia de uma mat�ria que vem lecionando a d�cadas, ensinando que, morfologicamente, AT� al�m de preposi��o, pode ser classificado como um adv�rbio de inclus�o? Veja neste exemplo: "Emocionalmente o indiv�duo AT� amadurece durante a adolesc�ncia." Nesse exemplo, AT� � um adv�rbio de inclus�o como: Ainda, mesmo, inclusivamente, tamb�m...

A mim me pareceu que a cr�tica considerou o meu AT� como na frase: "O pol�tico prometeu AT� fazer chover." Quer dizer, no m�nimo, fez um ju�zo de valor, o que n�o � de bom tom. Nessa frase, parte-se do princ�pio de que pol�ticos falam besteiras e prometem at� o que n�o podem cumprir, n�o � mesmo? Ora, a rela��o do AT� � diferente se eu afirmar: "Os pol�ticos recebem altos sal�rios e havia AT� aux�lio palet�." Aqui, n�o h� julgamento. O enunciado � um fato. � ou n�o �?

Esse racioc�nio levou-me a dar uma resposta, sem rodeios, no mesmo contexto, procurando esclarecer o uso do adv�rbio em causa. Acham que fui ouvido? Pois nem bem come�ara a expor o meu arrazoado e j� recebia como resposta um cortante: "-O senhor tem alguma coisa contra mim?" acompanhado de uma ostensiva retirada da sala. A minha protetora presen�a de esp�rito ainda me permitiu responder: "-Talvez tenha, inconscientemente.." E o assunto morreu. Ou n�o.

No sil�ncio absoluto que se abateu na sala por alguns segundos, eu pensei: tenho, sim. E sempre terei algo contra pessoas que, por preconceito ou por desinforma��o, emitem ju�zo de valores sobre outrem, como se fossem senhores ou senhoras do nosso destino. Tenho e sempre terei algo contra pessoas que fazem cr�ticas infundadas, sem conhecimento de causa, sobre assuntos que est�o longe de serem especialistas. Tenho e sempre terei algo contra personalidades que julgam poder dizer o que querem cabendo aos outros dizer am�m a seus discursos, colocando-se acima do bem e do mal, como se fossem os donos da verdade... Tenho, sim! E como tenho!

E a�, o leitor me pergunta: se n�o houve briga, por que esse t�tulo? Explico: um dos colegas, de excelente humor, depois do caso passado, brincou comigo, na chegada: " � Hoje voc� n�o vai brigar a�, n�o, hein?" E eu digo: Ningu�m resiste a uma boa briga! Nem o mais santo dos homens!


Fonte: Reda��o Maratimba.com
 
Por:  Silvio Gomes Silva    |      Imprimir