Categoria Geral  Noticia Atualizada em 29-07-2014

"Valeu a pena. Faria de novo", diz casal de adolescentes que fugiu de casa
Kelly dos Santos e Mateus Alves, 14 anos, desapareceram por cinco dias. Eles alegam que atingiram objetivo de obter maior di�logo com os pais.

Foto: www.g1.globo.com

"Pode dizer, isso tudo foi uma loucura, n�?", arrisca, em um impulso, a adolescente Kelly dos Santos, de 14 anos, antes mesmo de a entrevista come�ar na casa do namorado, o tamb�m adolescente Mateus Alves, de mesma idade, em um bairro afastado de Guarulhos (Grande S�o Paulo).
Mais de uma hora de bate-papo depois, de muitos sorrisos, alguns constrangidos, outros mais soltos, de troca de gracejos m�tuos e de car�cias, a jovem de cabelos vermelhos que combinam com as t�nues sardas do rosto faz quest�o de deixar claro, no entanto, que o casal n�o est� arrependido da fuga de suas respectivas resid�ncias e da epopeia que viveram desde a �ltima quarta-feira (23) at� domingo (27), quando finalmente reencontraram os pais.
"Nunca achei que fosse uma loucura. Valeu a pena porque as coisas mudaram por aqui. N�o estou arrependida. Eu faria de novo. Vou ter muita coisa para contar para os meus filhos", afirmou, como conclus�o da aventura vivida ao lado do primeiro namorado.
Com um corte de cabelo semelhante ao do cantor teen Justin Bieber no in�cio de carreira, Mateus n�o demonstra a mesma seguran�a que a exibida pela namorada em rela��o � solu��o radical que encontraram para ficar juntos, mas aparenta al�vio com as mudan�as recentes em que suas a��es resultaram.

"Tomamos essa decis�o por medo de nos separarmos, da minha parte e da parte dela. Ent�o, para mim, tinha de ser, tinha que ser, e ela tamb�m decidiu isso e para ela tamb�m tinha que ser assim. (...) Por enquanto, melhorou tudo, porque a fam�lia est� mais ligada, h� mais di�logo. Mas vamos conversar ainda", ressalta.
A noite da segunda-feira (28) seria - e, provavelmente, os pr�ximos dias ser�o � para discutir a rela��o entre pais e filhos. Ao menos, essa foi a promessa de Cristiane Alves de Souza, m�e de Mateus, e de Jos� Manuel, pai de Kelly. E a DR (g�ria para discutir a rela��o) seria mesmo em fam�lia, com todos reunidos.
"Vou conversar com ele hoje (segunda-feira) tamb�m. Chamei o pai dele e vamos ter uma conversa. O primeiro ponto � ouvir, tanto ele quanto ela. Procurar ver onde estavam os erros e procurar conversar. Nada como um di�logo para se resolver as coisas. Nada de botar uma mochila nas costas e sair por a�. Tantos eles quanto n�s sofremos muito. A mudan�a tem que vir das duas partes. Mesmo estando distante, morando com a av� dele, ele sabe que pode contar comigo e com o pai dele", afirma Cristiane.
Jos� Manuel fez um mea culpa e admitiu erros da parte dele e tamb�m tentou se mostrou aberto ao di�logo com a filha. "J� me entendi com ela, sim, mas ainda n�o conversamos tudo o que temos para conversar. Espero que a conversa seja amig�vel. Espero que eles cumpram algumas regras e que n�o voltem a fazer uma bobagem dessas. Porque, al�m de eles correrem risco, acabaram com a fam�lia. A fam�lia morreu durante estes dias. (...) Todo mundo erra. Eu errei em algumas partes, mas estou disposto a conversar. "
De todo modo, Mateus e Kelly, com certeza, j� t�m hist�ria para contar para os pais, parentes, amigos e, quem sabe um dia, at� para os filhos. Um hist�ria de aventura com alguns sustos, de medo, fome, cansa�o, dor e priva��es. Mas uma hist�ria tamb�m de coragem, ousadia, solidariedade, compaix�o e amor, claro. Afinal, o(a) primeiro(a) namorado(a) ningu�m esquece.
Planejamento
Mateus e Kelly moram em resid�ncias pr�ximas, mas s� se conheceram por atuarem em v�deos para um canal espec�fico do Youtube. No final de janeiro, atuaram juntos em um destes v�deos. Pouco depois, come�aram a namorar � ali�s, o primeiro namoro de ambos. No dia 23 de fevereiro, Mateus foi at� a casa de Kelly para pedi-la em namoro junto ao pai dela. "A turma do v�deo toda foi comigo para ver eu fazer o pedido. Ele disse: �N�o fa�a com a minha filha o que voc� n�o quer que fa�a com a sua um dia.�", conta, dando risada.
O namoro s� acontecia entre quatro paredes, na casa dela ou dele. Com as restri��es impostas, principalmente por parte do pai de Kelly, o casal come�ou a cogitar a fuga de casa. "Foram tr�s vezes que falamos em fugir. Da �ltima vez, foi por causa de uma nota baixa que ela tirou e o pai dela come�ou a brigar com ela. Ao mesmo tempo, a minha m�e come�ou a falar que iria me levar para morar com ela em S�o Paulo. Eu n�o queria isso", disse Mateus.
Diante de uma possibilidade de separa��o, o casal come�ou a fazer planos. Kelly se encarregou de levantar o dinheiro para a fuga; Mateus tratou do planejamento, como os roteiros e o que iriam levar. Kelly juntou, ao todo, R$ 367,00. Enquanto isso, Mateus elaborava o roteiro, pesquisando na internet.
A data para partida foi 23 de julho, anivers�rio de cinco meses de namoro. O destino escolhido foi a cidade de Itanha�m, no litoral sul do estado. "Sabia apenas que tinha praias boas", justifica. Na bagagem, tr�s mochilas, com poucas roupas, produtos de higiene pessoal, comida, como macarr�o instant�neo e biscoitos, uma panela, um viol�o e dois skates � isso mesmo, dois skates. "Estava planejando morar l� e trabalhar tocando e cantando em algum lugar, algum bar", contou.
Logo depois de iniciarem a fuga, pararam em um supermercado em Guarulhos para comprar uma barraca, ao custo de R$ 46,00. "Uma mulher que estava na frente do mercado falou assim quando nos viu: �Suas m�es devem estar com o cora��o na m�o.�", lembrou Mateus.
1� Dia (quarta-feira, 23)
Pelo roteiro tra�ado com bastante anteced�ncia, no dia 18 de junho, o casal pegaria um �nibus de Guarulhos at� a Esta��o Arm�nia do Metr�, na Zona Norte. De l�, seguiriam at� a Esta��o Ana Rosa, onde fariam a baldea��o para a Esta��o Tamanduate�, j� na linha verde do Metr�. A partir da�, pegariam um �nibus para Ribeir�o Pires, ponto de partida para o litoral pelo Caminho do Mar, antiga estrada de acesso � Baixada Santista, atualmente fechada para ve�culos.
O casal conseguiu chegar em Ribeir�o Pires, na regi�o metropolitana, na noite de quarta-feira. Nesta cidade, depois de muito caminhar em busca de um local para armarem a barraca, tiveram de pernoitar na cal�ada de um bairro nobre, segundo Kelly. "Por volta das 3h (de quinta-feira, 24), passou um carro de pol�cia por n�s, mas n�o falaram nada. Nessa hora, entrei em p�nico", recordou Kelly.
2� Dia (quinta-feira, 24)
Na manh� de quinta-feira, eles seguiram a p� pela Rodovia �ndio Tibiri�a - que liga a Via Anchieta at� a cidade de Suzano - at� o Caminho do Mar, onde chegaram por volta do meio-dia. Segundo eles, as pessoas que os avistavam perguntavam se eles estavam drogados. Depois, procuravam aconselh�-los, em v�o, a retornar para casa. Em contrapartida, em momento algum foram abordados por policiais, militares ou rodovi�rios, seja em �rea urbano ou na rodovia.
"Nosso objetivo era descer at� Cubat�o (na Baixada Santista) e pegar um �nibus at� Bertioga (no litoral norte). De l�, pegar�amos outro �nibus at� a Praia Grande (na Baixada Santista) e, depois, mais um �nibus para Itanha�m (no litoral sul)", revelou.
Se dar ao trabalho de viajar de um lado para outro no litoral tinha por objetivo evitar passar por postos rodovi�rios nas estradas mais movimentadas, revelou Mateus. Al�m disso, tamb�m evitaram pegar �nibus em rodovi�rias intermunicipais. "Pois eles iriam pedir os nossos documentos", justifica Mateus. Para completar, cortaram la�os de vez com suas fam�lias ao retirarem os chips de seus celulares. Posteriormente, os aparelhos foram destru�dos.
J� no Caminho do Mar, andaram por cerca de 900 metros. "Estava dando tudo certo at� a�. Mas come�ou a ter muito mosquito, neg�cios de macumba, o frio", relata Mateus. E a sensa��o de medo foi inevit�vel. Para demov�-los de vez da ideia de seguirem at� Cubat�o, um outro casal que passava pelo local informou-lhes que a trilha at� a cidade era muito longe e perigosa.
Desta forma, o casal decidiu retornar para Ribeir�o Pires de �nibus. Na volta, Mateus passou mal e teve uma crise de choro. "Ele n�o parou de chorar a viagem toda de �nibus", relembra Kelly. "N�o lembro de nada", completa Mateus, sem saber explicar o motivo da crise. Em Ribeir�o Pires, dormiram mais uma vez na cal�ada de um outro bairro nobre.
3� Dia (Sexta-feira, 25)
Na sexta-feira, vagaram pelas ruas de Ribeir�o Pires, comendo em lojas de conveni�ncia de postos de gasolina. Por fim, decidiram pegar o trem da CPTM. "Ficamos para l� e para c� nas esta��es, para ver onde ir�amos dormir na noite seguinte. A inten��o era ir para Liberdade (regi�o central de S�o Paulo)", relembra Mateus.
Por fim, se decidiram pela Esta��o Pra�a da �rvore do Metr�, na Zona Sul da capital. "Ele achou que haveria uma pra�a com �rvores e que �riamos poder acampar nesta pra�a", recordou Kelly. Antes, por�m, o casal foi at� um shopping da Zona Norte para comprar mantas. "Pagamos R$ 25 cada uma", diz Kelly.
Apesar disso, o frio se tornou insuport�vel assim que a noite caiu. E mais uma vez Mateus teve uma crise e chorou. "Dormimos em uma viela. Trem�amos tanto at� o dente doer", recordou. Enquanto um dormia, o outro vigiava, para evitar que fossem roubados ou at� mesmo v�timas de algum tipo de viol�ncia.
4� Dia (S�bado, 26)
No dia seguinte, o casal conheceu um rapaz chamado Paulo, que morava pr�ximo, com quem conversaram. "Ele nos disse onde tinha uma casa para alugar, por R$ 450, e onde procurar emprego. E conseguimos, em uma lanchonete. A propriet�ria iria nos pagar R$ 100 por m�s para cada um, para fazermos de tudo na lanchonete. Era para come�armos hoje (segunda-feira)", conta Mateus.
Mais tarde naquele dia, o casal decidiu ficar acordado para esperar por Paulo na mesma viela. No entanto, foi Kely, mulher de Paulo, quem tamb�m se aproximou para puxar conversa. "Ela tamb�m perguntou se �ramos drogados. Ela s� confiou na gente porque tinha esp�rito meio de hippie", disse Mateus.
5� Dia (Domingo, 27)
Kely os levou para casa, deixou que tomassem banho e serviu refei��es para eles. "Conversamos at� de madrugada. Acordamos quase ao meio-dia (de domingo). Foi quando resolvemos olhar o Facebook e estavam l� todas aquelas reportagens sobre o nosso desaparecimento. Pensei: �Agora ferrou!�", narrou Mateus.
Ao perceberem a situa��o, Paulo e Kely pediram os telefones dos pais ao casal, alegando que iriam avisar que os filhos deles estavam bem e para n�o se preocuparem. Em seguida, sa�ram, dizendo que iriam fazer compras em um supermercado. "Quando eles voltaram, estavam com os nossos pais. Foi aquela choradeira", recorda Mateus.
Depois do reencontro, as fam�lias seguiram para uma delegacia para registrar o reaparecimento do casal de adolescentes. De volta �s suas respectivas casas, Mateus e Kelly demonstram estarem ainda mais pr�ximos e tentam tirar li��es de todo esta aventura.
"Sabe que eu acho que ele � meio doido, aventureiro. Mas sou um pouquinho aventureira, sen�o, n�o toparia, n�o. O que eu aprendi � que ainda n�o sei bem o que � o mundo, mas esses cinco dias n�o vou dizer que foi uma m... N�o foi, porque eu estava com ele; porque sen�o teriam sido. Mas realmente fugir de casa, viver na rua n�o � o que agente espera. Voc� vai passar frio, vai passar fome, vai pegar gripe e meu conselho � esse: para ningu�m fugir de casa", ensina Kelly.
"A experi�ncia foi boa, principalmente a de dormir junto com ela. Ela tinha umas alucina��es durante a noite. (...) Mas a gente pensou que a vida era boa l� fora, que a gente iria acampar normal, iria fazer fogo, para fazer comida na panela que a gente levou, mas n�o foi. Deu muito medo, voc� ficar sem comida, ficamos com muita dor por causa da bagagem, dor nas costas, nos p�s, na cabe�a, pegamos muito frio. A maior parte do caminho foi de muita preocupa��o por causa dela, com medo de que nos assaltassem, perdi horas de sono. Depois de saber que estavam atr�s de n�s, veio aquele clima de esperan�a que iriam nos deixar juntos. Mas o que estava ruim foi resolvido. Melhorou bastante o di�logo", confirma Mateus.

"Na minha casa tamb�m", completa Kelly, sem desgrudar a m�o da do namorado durante toda a entrevista.


Fonte: g1.globo.com
 
Por:  Ana Luiza Schetine    |      Imprimir