Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 01-09-2014

Complexo, mas necessário
“É possível que o dependente em recuperação esteja extremamente doente mentalmente e ainda assim possua o desejo de abandonar sua necessidade. Neste caso, a cura, no verdadeiro sentido da palavra ‘cuidar’, será realizada. Todos os dias”. RM.
Complexo, mas necessário
Foto: www.maratimba.com

Muitos ainda insistem em não reconhecer o trabalho sério de algumas Comunidades Terapêuticas (CT) para tratamento de dependentes químicos. Por isso, e a contragosto de "pequenos burgueses" enraizados em cargos públicos, os caciques atiram todas as flechas para cima e algumas acertaram uns alvos narcisistas e estúpidos. Em ano eleitoral já era de se esperar.

O anúncio de que o Centro de Atenção Psicossocial - Álcool e outras Drogas (Caps-AD) de Cachoeiro de Itapemirim vai encaminhar pacientes para comunidades terapêuticas ligadas ao programa da Rede Abraço do Governo do Estado do Espírito Santo é para ser comemorado como avanço e não retrocesso como insistem alguns que se dizem "especialistas" no assunto.

Se por um lado, o início de um diálogo representa um passo à frente, de outro, práticas e preconceitos antigos, insistem em comprometer a construção de uma rede eficaz de assistência biopsicossocial para usuários crônicos e seus familiares, ao contrário do que vem acontecendo até o momento. Muitos municípios não cumprem a lei e abandonam seus contribuintes quando precisam de acolhimento em outra comarca. Essa é a verdade nua e crua.

Quem buscava acolhimento nos espaços, que auxiliam na recuperação da dependência, precisava recorrer ao Centro de Acolhimento na região metropolitana. De lá ainda eram encaminhados para unidades credenciadas e que atendem todos os requisitos de acordo com os editais governamentais e as leis que regem a atuação das unidades comunitárias.

A crítica às CT’s, inclusive de profissionais que atuam em Caps-AD espalhados pelo país, parte do pressuposto de que no momento em que a luta antimanicomial ganha força de alguns setores, acontece o investimento em vagas para instituições não governamentais que praticam a contenção física, isolamento e restrição à liberdade do usuário. Na realidade acontece exatamente o contrário.

As comunidades terapêuticas já fazem parte da Rede Substitutiva de Atenção à Saúde Mental de caráter transitório, bem como a ampliação do número de CAPS-AD III e leitos em Hospitais Gerais, dentre outros. Temos sim que aumentar as opções para a subjetividade da demanda da dependência e não restringi-la a um único sistema de serviço público que, muitas vezes, não é adequado para determinada abordagem de tratamento.

Entre outras afirmações infundadas está a de que a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD) promove editais que destina apenas apoio financeiro a projetos de acolhimento para usuários de crack, álcool e outras drogas em CT’s. Uma verdadeira falta de conhecimento sobre o assunto, pois para se ter o apoio é necessário as adequações e cada vez mais médicos, psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros e outros profissionais com nível superior fazem parte da equipe multidisciplinar destas residências terapêuticas.

Outra falácia é de que os "internos" (sic) são obrigados a participar de "atividades de cunho religioso" (sic,sic) durante o período de internação. Neste caso, dois aspectos devem ser levantados: primeiro, já que se trata de comunidade, nada pode faltar num ambiente para reproduzir uma realidade alternativa sem, somente, as substâncias psicoativas. Em segundo lugar há uma infinita diferença entre "atividade de cunho religioso" e espiritualidade. Momentos de reflexão fazem parte do cotidiano de quase todo mundo e não poderia ser diferente numa Comunidade Terapêutica.

Analisando pelo prisma da Prevenção à Recaída, a falta de informação ou educação sobre o tema é um fator de risco para dependência, neste caso, dogmática sobre a atuação das CT’s. Elas, há décadas, atuam e obtém resultados infinitamente superiores aos números apresentados pelos programas paliativos recém nascidos de discursos e hipóteses que, na prática, não possuem eficácia.

Agora, para se fazer justiça, e caminhar pelo bom senso, mesmo com desespero de uma minoria corporativista que nada sabe ou entenderá a complexidade de um tratamento para adictos, as Comunidades fazem parte sim da Rede Substitutiva da Saúde Mental.

Posso dizer com base na CT que atuo como técnico. Todas as ações, desde o primeiro contato com o dependente encaminhado voluntariamente, visam reconstruir os laços comunitários e a inserção social dos envolvidos no programa. Na "Casa Reviver" há articulação com a rede SUS e SUAS dos municípios de origem dos acolhidos, que muitas vezes, como já havia dito, não cumprem o dever de assistir seu munícipe.

Além do Projeto Terapêutico geral, cada um tem um programa individualizado, com a participação do residente e seus familiares. Após a alta do tratamento (período de seis, podendo ser ampliado ou reduzido), a equipe técnica formada por psicóloga, enfermeira, assistente social, pedagoga, psicanalista, terapeuta bioenergético, conselheiros (as) terapêuticos e voluntários acompanha, durante um ano, o reabilitado e seus laços sociais.

O Caps-AD, agora, além de oferecer somente o atendimento ambulatorial gratuito a dependentes químicos vai poder encaminhar os casos que achar necessário para as Comunidades Terapêuticas. E é esta a preocupação. A avaliação deve despir de preconceitos e Comunidade não é o mesmo que clínica. Já presenciei muitos encaminhamentos inadequados e que nada contribuem para a finalidade do projeto, pelo contrário, pode até desestabilizar o processo de muitos que já estão em reabilitação.

Apesar da unidade de Cachoeiro de Itapemirim contar com equipe formada por dois psiquiatras, um clínico geral, dois enfermeiros, três técnicos de enfermagem, uma artesã, duas assistentes sociais, dois psicólogos, um terapeuta ocupacional e um educador físico. O paciente pode até passar o dia no local, onde recebe refeições e medicação e vai para casa apenas com os remédios indicados para tomar à noite e aos fins de semana.

Por fim, política pública de saúde mental é um processo complexo, composto de participantes, instituições e forças de diferentes origens que acontece em diversos territórios. É um conjunto de transformações de práticas, saberes, valores culturais e sociais, e é no cotidiano da vida das instituições, dos serviços e das relações interpessoais que o processo da política avança, passando por tensões, conflitos e desafios. Aqui não poderia ser diferente.


Fonte: Redação Maratimba.com
 
Por:  Roney Moraes    |      Imprimir