Categoria Geral  Noticia Atualizada em 04-09-2014

Com livros achados no lixo, morador do DF aprende a ler
�rf�o aos 2 anos, ele cresceu no Chaparral e buscava comida pelas ruas. C�cero conheceu obras de Bach, Beethoven e Kafka por meio dos descartes.
Com livros achados no lixo, morador do DF aprende a ler
Foto: g1.globo.com

�rf�o de pai aos 2 anos e tendo a m�e alco�latra e um dos sete irm�os traficante, o m�dico de Bras�lia C�cero Pereira Batista, de 33 anos, conseguiu vencer as adversidades estudando a partir de livros que retirava do lixo. Ainda crian�a, ele sa�a do Chaparral, onde a fam�lia mora at� hoje, e percorria 20 quil�metros todos os dias pelas ruas de Taguatinga em busca de comida.
Junto com as sobras de alimentos descartados no lixo, Batista recolhia todos os livros que encontrava e vinis de Beethoven e Bach, atualmente suas inspira��es. Ele se formou h� menos de tr�s meses e agora sonha em abrir um consult�rio.
"Meu pai era quem fazia o sustento de casa, e morreu de uma �lcera que provocou hemorragia interna. Minha m�e ficou louca e bebia muito. Ela come�ou a lavar roupa para fora e a catar latinha no meio da rua, mas n�o era suficiente. A gente sempre passou fome, tudo o que ela fazia n�o dava jeito. E meu irm�o levava traficante para a nossa casa. Aliados a nossa mis�ria, t�nhamos o alcoolismo e as drogas dentro de casa. Eu sa�a para buscar comida � a gente n�o tinha mesmo, n�o tinha nem o que vestir � e tinha dias que n�o voltava. Eu n�o precisava, mas tinha dias que dormia na rua para n�o ter que aguentar as brigas", lembra.

Na procura por alimento, o garoto encontrou coisas que lhe despertavam uma aten��o ainda maior. As p�ginas cheias de letras e figuras e os discos o deixavam fascinado, ainda que misturados ao chorume que havia no lixo. C�cero sempre reservava um peda�o da caixa que carregava para os "tesouros". Com a ajuda de vizinhos, ouvia os vinis e p�de aprender a sonoridade de cada letra.
"Fui juntando as s�labas e compreendendo as senten�as e palavras. Quando entrei na escola para fazer o prim�rio, j� sabia ler, escrever e fazer as opera��es fundamentais. Entrei tarde, acho que eu tinha 10 anos, eu que pedi para a minha irm� me matricular", diz. "Eu trazia a caixa na cabe�a debaixo de chuva e sol. Muitas vezes, escorria secre��es dos alimentos e das carnes em mim. Eu parava, descansava um pouco e ent�o seguia para casa."

Entre as obras que encontrou descartadas estavam "O serm�o de Santo Ant�nio aos peixes", do Padre Ant�nio Vieira, e "A metamorfose", de Franz Kafka, al�m de "Magnificat" e a cantata "BMV 10" de Bach. O menino tamb�m achou livros de biologia, filosofia, teologia, direito e hist�ria e passou a colecion�-los em casa. Tudo era lido por ele.

"Amo Bach e Mozart. Junto com os livros, eles me salvaram. Eles falavam mais alto que a fome e me transportavam para outros mundos", conta o m�dico. "Depois descobri Vivaldi e Strauss e comecei a amar m�sica cl�ssica. �s vezes eu pensava, vendo a vida dos compositores, que se Bethoven era surdo e fez o que fez, eu n�o poderia tentar? Eu, mesmo com fome, mesmo com adversidades, pobre, negro, n�o sendo homem bonito, conseguiria chegar l�. E � isso que a gente tem que pensar, que todo esfor�o � poder."
A inspira��o o levou a fazer um teste para o curso profissionalizante de t�cnico de enfermagem, que valia como ensino m�dio. A ideia veio dos cuidados que ele tinha com a sa�de da fam�lia e do gosto por dissecar cachorros mortos ou observ�-los ampliados com a ajuda de uma lente achada em m�quina de fotografia Polaroid, tamb�m tirada do lixo. O jovem foi aprovado em segundo lugar na sele��o.
Ap�s concluir os estudos, C�cero decidiu ent�o prestar concurso e passou a trabalhar na Secretaria de Sa�de. O pouco dinheiro j� era um al�vio diante das dificuldades vividas pela fam�lia, mas o rapaz queria mais. Tr�s anos depois, fez vestibular para medicina em uma faculdade particular no interior de Minas Gerais, passou e, sem pensar duas vezes, decidiu enfrentar o novo desafio.

Como n�o podia abrir m�o do emprego, o jovem se dividia entre os plant�es aos fins de semana no Distrito Federal e as aulas na outra cidade. O sal�rio seguia contado. "Acabei passando fome, cheguei a desmaiar em sala. Por vezes, precisei dormir na rodovi�ria para economizar", lembra.
Um ano e meio depois, o rapaz conseguiu 100% de desconto em uma institui��o de Paracatu (MG) por causa do bom desempenho no Enem. A faculdade se recusou a aproveitar os tr�s semestres feitos em Araguari, e C�cero precisou recome�ar os estudos. Seis meses depois, j� em 2008, ele repetiu o resultado e conquistou uma bolsa integral em Bras�lia.
"Quando vim, eles aproveitaram algumas mat�rias, mas tamb�m n�o quiseram me progredir de per�odo, portanto eu voltei � estaca zero de novo. Mas eu nunca desisti, continuei trabalhando e fazendo o meu curso. Eu sa�a do plant�o noturno para a faculdade. Era muita dificuldade, tinha dias que eu chegava molhado e sujo porque tinha chovido, eu pegava dois �nibus, e no trabalho eu era obrigado a usar roupa branca", conta.
Sem os custos com passagens de viagens interestaduais e a mensalidade, C�cero p�de se dedicar melhor �s paix�es. Ele virou frequentador ass�duo de sebos e passou a comprar mais livros e vinis. Assim, refor�ou a paix�o pelos autores e m�sicos que conheceu por meio do lixo e p�de estender as no��es que j� tinha na �rea. As primeiras compras para si foram livros da faculdade de medicina e CDs de m�sica cl�ssica.

"Nunca foi f�cil, meu dinheiro nunca foi suficiente, mas eu n�o cedi. Eu me esforcei, eu n�o me rendi �s adversidades financeiras, �s adversidades das drogas. Eu dormi no meio da rua fugindo das drogas que tinha dentro de casa muitas vezes. Eu n�o era morador de rua, eu tinha onde ficar, mas eu dormia fora para evitar a situa��o. Nunca usei droga, nunca botei um cigarro de maconha ou qualquer cigarro na boca, nunca bebi", explica.
Formado em junho deste ano, C�cero atualmente trabalha como m�dico cl�nico e generalista em dois hospitais de �guas Lindas e Valpara�so, munic�pios no Entorno do DF. Ele afirma reconhecer em muitos pacientes um quadro semelhante ao que viveu. "S�o iguais a mim. S�o pessoas que muitas vezes chegam com fome, chegam doentes porque n�o tiveram o que comer"
Para ele, a experi�ncia na inf�ncia acaba o ajudando a cumprir o que considera uma miss�o. "O m�dico muitas vezes tem essa autonomia de aliviar o sofrimento. Eu me formei em medicina para aliviar o sofrimento de pessoas que estavam como eu."
Futuro
Al�m de continuar prestando atendimento a quem vive em situa��o de vulnerabilidade social, o m�dico planeja a abertura de um consult�rio particular na capital do pa�s e acumula os sonhos de fazer resid�ncia em psiquiatria e especializa��o em medicina aeroespacial fora do Brasil.

"Gosto de entender os conflitos humanos, as fugas, os processos que levam a pessoa � depend�ncia qu�mica, � realidade de alguns familiares meus, como o alcoolismo da minha m�e e o uso de drogas do meu irm�o. Como estas pessoas se entregaram ao v�cio? Como trat�-las? Como cur�-las? Eu tamb�m sempre gostei das coisas do espa�o, das estrelas, pois de certa forma olhar e compreender o c�u me aliviavam o sofrimento e a fome e me davam for�a para seguir em frente", declarou.
O profissional, que voltou a morar com a m�e no Chaparral, afirma ainda querer comprar um apartamento para poder morar sozinho, al�m de promover melhorias na casa da fam�lia. "Est� em peda�os e mofada, e minha m�e por isso tem pneumonias de repeti��o. Se eu n�o conseguir reformar a casa da minha m�e, [quero] tentar comprar uma para ela."
"Minha m�e est� velhinha e precisa de um m�nimo de conforto e paz. Ela cuidou de muitos filhos, j� est� na hora de eu cuidar dela agora que eu me formei m�dico. N�o quero que ela passe fome de novo, n�o quero que ela viva em uma casa com goteiras e mofo. Esses �ltimos ideais s�o meus sonhos de realiza��o imediata e necess�ria", afirmou.

Fonte: g1.globo.com
 
Por:  Gabrielly Rebolo    |      Imprimir