Categoria Geral  Noticia Atualizada em 14-11-2014

Médico que apura estupros na USP pede afastamento
Paulo Saldiva presidia comissão que apura casos na Medicina da USP. Estudantes denunciaram oito casos de estupro desde 2011.
Médico que apura estupros na USP pede afastamento
Foto: g1.globo.com

O médico Paulo Saldiva pediu afastamento do cargo de professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Ele alegou, entre outros motivos, a falta de um posicionamento oficial da instituição sobre as denúncias feitas por estudantes de medicina de casos de violência sexual contra mulheres e abusos contra estudantes negros e negras e homossexuais dentro da faculdade na audiência pública de terça-feira (11) na Assembleia Legislativa de São Paulo. "Para mim foi a gota d água", disse Saldiva.

Na audiência pública, alunas do curso de medicina relataram casos de estupros em festas de estudantes e violência psicológica contra minorias. O Ministério Público abriu inquérito para apurar as denúncias de oito casos de estupro desde 2011.

Saldiva foi o presidente da comissão formada por professores, alunos e funcionários que de junho a outubro apurou os casos de abusos praticados dentro da FMUSP. A comissão preparou um relatório sobre os casos que será apresentado à congregação da faculdade. O relatório aponta também denúncias de abusos de álcool e drogas e intolerância racial, sexual e religiosa.


"Meu sentimento como professor é de que não fui capaz de detectar isso", disse o professor. "Fomos a audiência pública sem um posicionamento oficial da FMUSP. Não conseguimos ir lá com uma posição mais consistente. Ficamos a reboque dos conhecimentos. É duro ouvir na assembleia que a faculdade não tomou medidas necessárias."


"Se os médicos, os alunos e todos os profissionais de saúde não souberem se respeitar, vai ser difícil "mudar a chave" e tratar melhor o paciente", afirma.
Saldiva vai tirar licença-prêmio de 90 dias e depois deve deixar o cargo. Ele também se queixou das dificuldades que a USP impões para promover parcerias com outras universidades do país. "Tenho 60 anos, não posso esperar a USP mudar o seu estatuto", afirmou. "Ainda tenho muito gás para dar"


O patologista Paulo Saldiva se formou em medicina na USP em 1977. Ele se tornou professor titular da faculdade em 199 e é um dos maiores especialistas em doenças causadas pela poluição. Ele faz parte do comitê de qualidade do ar da Organização Mundial de Saúde (OMS).


Medicina da USP criará centro de apoio
A Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) anunciou, na tarde desta quarta-feira (12), que vai criar um centro de direitos humanos para dar assistência jurídica e psicológica para apoiar alunos do curso que se sentirem "vítimas de qualquer tipo de violação" como agressões sexuais, machismo, racismo e homofobia. Em nota divulgada nesta tarde, a faculdade diz que o centro "estará atuando em até 40 dias", e contará com membros da diretoria da faculdade, além de professores e especialistas.


Ainda de acordo com o comunicado, a FMUSP diz que "o novo órgão também terá como missão, além do acolhimento das vítimas, a apuração de denúncias e a eventual punição dos envolvidos, de acordo com o regimento da Universidade de São Paulo, e a promoção de políticas institucionais em defesa dos direitos humanos".


Na tarde desta quarta, diretores da faculdade se reuniram para discutir as denúncias de violência sexual contra mulheres e abusos contra estudantes negros e negras e homossexuais dentro da faculdade. A reunião aconteceu um dia depois que, em audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo, três vítimas de violência sexual sofridas em festas da faculdade foram ouvidas pela Comissão Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, da Cidadania, da Participação e das Questões Sociais (CDH).


Na nota, porém, a FMUSP diz que a decisão de abrir o centro "é parte de um processo iniciado em 2013 que inclui sindicâncias abertas para apurar as denúncias, designação de Comissão composta por professores, alunos e funcionários, e viagem de uma comitiva, no mês de setembro, à Universidade de Toronto para conhecer as medidas adotadas pela instituição em defesa dos direitos humanos e promoção da saúde".


Segundo a faculdade, o centro receberá denúncias identificadas ou anônimas.
Por meio da nota, José Otavio Costa Auler Junior, diretor da FMUSP, afirmou que o primeiro objetivo do centro é "garantir todo o apoio à vítima caso haja alguma violação" e, depois, punir os responsáveis. "Mas é fundamental ressaltar que tudo isto está sendo feito com os alunos, em um projeto conjunto que interessa a todos. Diretoria, professores, alunos e funcionários somos parceiros nessa caminhada", afirmou ele no comunicado.


Auler Junior disse que "casos de abuso são exceções dentro da faculdade", mas que "eventuais violações aos direitos humanos não são toleradas" na faculdade.
Inquérito civil


A promotora de Justiça de Direitos Humanos e Inclusão Social do Ministério Público do Estado de São Paulo, Paula de Figueiredo Silva, disse em entrevista ao G1 que os relatos de alunas vítimas de violência sexual em festas da Faculdade de Medicina mostram que "há naquele ambiente universitário uma cultura violenta e opressiva".

Ela instaurou um inquérito civil para apurar as denúncias de abusos de estudantes contra alunas mulheres, negros e homossexuais dentro da faculdade. A promotora apura também quais ações a direção da faculdade está tomando para evitar esta prática.
O curso de medicina da USP é o mais concorrido do vestibular da Fuvest, com 55 candidatos por vaga.


No inquérito civil ao qual o G1 teve acesso, a promotora relata: "Dentre as condutas opressoras, relatou-se a ocorrência de 8 (oito) estupros nos últimos anos, ocasiões em que as vítimas não obtiveram qualquer suporte da Diretoria, que deixou de dar prosseguimento a procedimentos administrativos de apuração. Mais do que isso: relata-se tentativas de ocultar os casos, a fim de evitar exposição à imagem da universidade. Uma das vítimas de estupro, através da mídia, deu publicidade à agressão sofrida e, em razão disso, passou a ser hostilizada por colegas".


O inquérito inclui ainda a agressão a um casal homoafetivo que tentou entrar uma festa promovida pelos estudantes e faz referência a piadas de um professor sobre as genitálias das alunas.


"Fiquei chocada, começou a narrar uma série de atos de discriminação contra mulheres, contra o público LGBT, além de outros atos violentos contra alunos", afirmou a promotora.
Atuando na área de direitos humanos, a promotora não trata de inquéritos criminais, mas pretende reforçar ações para mudar a cultura que existe nas universidades.

"Quero saber quais as matérias de humanísticas que existem no curso de medicina e como fazer uma ação humana desses alunos", diz. "A educação é inspirada nos princípios da liberdade tem que formar o cidadão. Ainda mais na faculdade de medicina que vai trabalhar a vida humana e tratar com pessoas doentes."

Fonte: g1.globo.com
 
Por:  Ingrid Leitte    |      Imprimir