Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 18-11-2014

O navio Lombardia e o mosquito da dengue

O navio Lombardia e o mosquito da dengue

Brasil, 1895. Chega ao Rio de Janeiro, com vistas a uma visita oficial, o navio italiano Lombardia. E eis que, por for�a de um mosquito de nome Aedes aegypti, sua tripula��o viu-se v�tima de uma epidemia de febre amarela.

O que se viu a seguir foi uma humilha��o a n�vel mundial para o nosso pa�s. Dos 340 homens a bordo, 333 adoeceram e 234 morreram. O Brasil foi retratado, pelo planeta afora, como um pa�s sem saneamento b�sico adequado, no qual as pessoas urinavam pelas ruas e vendiam alimentos em barraquinhas sem qualquer condi��o higi�nica. A vergonha foi tamanha que as ag�ncias europeias passaram a anunciar viagens de navio direto para Buenos Aires, sem escala no Brasil.

E eis que, dentro do quadro de um not�vel esfor�o para mudar esta realidade, promovido pelo ent�o presidente Rodrigues Alves, entrou em cena a figura �mpar de Oswaldo Cruz. Baseando-se em pesquisas realizadas em Cuba, ele defendia a tese de que a febre amarela era transmitida por mosquitos. A partir da�, organizou at� brigadas de mata-mosquitos para combater os focos dos insetos.

Apesar do ceticismo da imprensa - ele era um alvo cotidiano dos caricaturistas e humoristas - e da esmagadora maioria da popula��o, a campanha deste grande brasileiro teve �xito: os casos de febre amarela diminu�ram consideravelmente.

Desde aquela �poca, j� quase esquecida pelos livros de Hist�ria, passaram-se mais de cem anos. O saudoso sanitarista passou a ser lembrado mais pelo instituto especializado na pesquisa de vacinas, que leva seu nome, do que por sua obra propriamente dita. Sim, os tempos mudaram e todos os brasileiros saudaram, com o cora��o repleto de esperan�a, a aurora de um novo mil�nio - ali�s, os brasileiros e os mosquitos, os mesmos de 1895! Afinal, estes pequenos insetos tamb�m anseiam por paz e mesa farta!

Temos que reconhecer que o s�culo XXI come�ou bem para eles - apenas em 2007 foram quase 500 mil brasileiros contaminados. Naquele ano, chamou a aten��o uma frase do Ministro da Sa�de: "121 pessoas j� morreram. Eu diria que n�s estamos perdendo a guerra para a doen�a".

Da� � volta dos "mata-mosquitos" foi um pulo! S� mudou o nome do cargo, que passou a ser "Agente de Sa�de" ou "Fiscal de Combate � Dengue" - afinal, o nome original poderia inspirar a popula��o a abrir os livros de Hist�ria.

Em escala mundial, o nosso j� moderno e vibrante Brasil continua humilhado pelo mosquito! Que o diga qualquer passageiro de avi�o que embarque no Rio de Janeiro ou em S�o Paulo rumo � Europa, obrigado a ser "desinfetado" a bordo. Coisa triste, a cena das aeromo�as passando pelos corredores desinfetando a aeronave ap�s o fechamento das portas...

E continua firme e forte, o mosquito! Em 2008, s� no Rio de Janeiro, foram quase 250 mil casos de contamina��o, com 174 mortes. Apenas entre os dias 1 de janeiro e 13 de fevereiro de 2010, constatou-se que inacredit�veis 108.640 brasileiros foram infectados.

Para conseguir tanto sucesso, a mosquitada conta com um grande aliado: nossa ainda prec�ria rede de saneamento b�sico, respons�vel final, segundo consta, pela morte di�ria de 20 crian�as - ou de 600 por m�s, o equivalente a dois jatos de passageiros lotados.

Oswaldo Cruz faleceu em fevereiro de 1917 - mas deixou saudades. Da leitura de sua biografia fico a imaginar se, diante do Brasil de hoje, ele n�o estaria se revirando na tumba...

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Por:  Pedro Valls Feu Rosa    |      Imprimir