Categoria Geral  Noticia Atualizada em 27-11-2014

Sócrates ao PÚBLICO: "As imputações que me são dirigidas são
José Sócrates reage, pela primeira vez desde que foi detido no aeroporto, ao processo em que o acusam de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais. Pede que a política “fique à margem”, embora não tenha dúvida de que "este caso tem também conto
Sócrates ao PÚBLICO:
Foto: www.publico.pt

Preso preventivamente desde a noite de segunda-feira, 24, e detido para interrogatório nos três dias anteriores, José Sócrates, 57 anos, esteve em silêncio sobre o caso mais mediático do país - o seu - durante cinco longos dias. Nesta quarta-feira à tarde ditou, de uma cabine telefónica da prisão de Évora, onde se encontra, uma carta ao seu advogado, João Araújo, para entregar ao PÚBLICO.

Nela, invocando "legítima defesa", diz considerar "absurdas, injustas e infundamentadas" as acusações de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais que a justiça portuguesa lhe dirigiu. Nesse texto, de oito parágrafos, afirma que "este caso tem também contornos políticos".

O texto começa por uma imagem que evoca o "ascetismo" filosófico: "Fora do mundo", é como José Sócrates diz estar, há cinco dias. E logo avança para a sua primeira crítica - ao "crime" que diz estar a ser cometido, contra a Justiça e contra si. Para o ex-primeiro-ministro, esse crime tem um autor: a acusação, ou seja, o Ministério Público.

De seguida, Sócrates garante que, "em legítima defesa", irá, "conforme for entendendo", "desmentir as falsidades lançadas sobre mim e responsabilizar os que as engendraram".

E é só no quarto parágrafo que aborda a questão essencial, e aquela porque aguardavam a maioria dos que seguem o seu caso. Ainda assim, Sócrates detém-se primeiro nos aspectos processuais - "A minha detenção para interrogatório foi um abuso e o espectáculo montado em torno dela uma infâmia" - para só depois falar da substância das acusações que sobre si recaem: "As imputações que me são dirigidas são absurdas, injustas e infundamentadas." A escolha das palavras é esta. Depois dessa frase, Sócrates queixa-se da "humilhação gratuita" que sofreu com a decisão do juiz Carlos Alexandre de o colocar em prisão preventiva, uma medida de coacção que considera ser "injustificada".

O texto tem, então, uma passagem quase sarcástica, aquela em que o homem que dirigiu o Governo durante sete anos, cinco dos quais com maioria absoluta, descobre "uma lição de vida" sobre o poder. O "verdadeiro poder - de prender e de libertar". Neste texto, e nas circunstâncias que o produziram, é fácil encontrar figuras de estilo pouco habituais nos discursos políticos. O que dizer da frase, naturalmente dirigida aos que o prenderam, mas que parece ter uma ressonância quase pessoal, se lida por muitos dos que o acusavam de ser autoritário? "Não raro, a prepotência atraiçoa o prepotente."

O final da declaração é guardado para marcar uma fronteira. "Este é um caso da Justiça e é com a Justiça Democrática que será resolvido." Porém, Sócrates não deixa de ver aqui "contornos políticos" - mas não aprofunda o tema. A intenção torna-se clara a seguir. Sócrates agradece a solidariedade de amigos e camaradas. Mas exige que a política não se misture no seu caso. "Este processo é comigo e só comigo. Qualquer envolvimento do Partido Socialista só me prejudicaria, prejudicaria o Partido e prejudicaria a Democracia." Assim, por esta ordem. Sócrates parece dizer que não é por nenhuma grandeza retórica que pede o afastamento do PS, é porque a mistura, indesejada, entre o processo e o partido prejudicá-lo-ia, em primeiro lugar.

E no fim, uma frase que parece demonstrar o ânimo que nele têm visto, e sublinhado, os que o viram depois da detenção: do advogado, João Araújo, a Mário Soares e Capoulas Santos. Se tivesse reticências, no final, a frase soaria, quase, a bravata. Assim, é uma quase-constatação: "Este processo só agora começou."

Para já, sai à liça o advogado que nesta quarta-feira anunciou, à agência Lusa, que na próxima semana vai pedir a libertação do ex-primeiro-ministro, por considerar que a sua prisão preventiva é ilegal. João Araújo indicou que o recurso que irá apresentar no Tribunal da Relação de Lisboa visa a libertação do ex-líder socialista, justificando que a sua detenção está ferida de ilegalidade por "questões substanciais", que não especificou.

O advogado disse ainda que pretende fazer esta semana uma visita de trabalho a José Sócrates no Estabelecimento Prisional de Évora para "analisar a situação e o despacho do juiz" de instrução.

Entre a "bandalheira" e a "normalidade"
A situação, já se sabe, suscita opiniões muito diversas e retrato disso é o fosso entre a leitura que o actual Presidente da República e o antigo chefe de Estado Mário Soares fazem do caso. A partir de Évora, onde foi ontem visitar o ex-primeiro-ministro, o fundador do PS qualificou o caso como uma "bandalheira", enquanto em Abu Dhabi, onde se encontra em visita oficial , Cavaco Silva considerou que "as instituições democráticas estão a funcionar com toda a normalidade".

Fonte: www.publico.pt
 
Por:  Desirée Duque    |      Imprimir