Categoria Geral  Noticia Atualizada em 01-12-2014

Enviado da ONU defende regulamentação da mídia no Brasil
Uma regulamentação da mídia que garanta uma "multiplicidade de vozes" no espaço público pode ser positiva para o Brasil - como o é para qualquer democracia.
Enviado da ONU defende regulamentação da mídia no Brasil
Foto: noticias.terra

É a avaliação do advogado especializado em direitos humanos David Kaye, desde agosto enviado especial da ONU para liberdade de expressão.


Formado pela Universidade da Califórnia em Berkeley, Kaye trabalhou por dez anos no Departamento de Estado americano e, desde 2005, é professor da Escola de Direito da Universidade da Califórnia em Irvine.


Ocupante de um posto da ONU criado em 1993, ele faz parte do Conselho de Direitos Humanos da organização e tem como missão monitorar violações à liberdade de expressão em países ao redor do mundo, além de cobrar explicações de governos, instituições independentes e outras entidades quando o direito de buscar, receber e compartilhar informação estiver sob ameaça.


Em entrevista à BBC Brasil, Kaye comenta as diferentes formas de regulamentação da mídia aplicadas em vários países, entre eles o Reino Unido e os Estados Unidos, e como isto pode tanto favorecer quanto prejudicar a liberdade de expressão:


BBC Brasil - Qual é o papel da mídia para a liberdade de expressão?
David Kaye - É crucial. O artigo 19 da Declaração Universal de Direitos Humanos diz que todos têm direito a buscar, receber e compartilhar informação. Também está previsto aí o direito a receber informação correta de nossos governos e outras autoridades. Isso se refere não só a jornalistas, mas a qualquer pessoa que use qualquer tipo de mídia.


Mas isso é muito mais difícil para indivíduos comuns do que para a imprensa. Por isso, a mídia é fundamental para a participação pública e para os valores democráticos. É difícil imaginar qualquer democracia sem imprensa livre. Então, quando falamos de qualquer proposta de regulamentação da mídia, devemos nos perguntar: ela preserva este espaço fundamental para a imprensa reunir e compartilhar informação?


BBC Brasil - Como o senhor vê a discussão sobre regulamentação econômica do mercado de mídia levantada pela presidente Dilma Rousseff?


Kaye - É difícil falar de uma proposta sem algo concreto. A presidente falou de forma geral da necessidade de regulamentação sob o argumento de que é preciso evitar a concentração de empresas de mídia nas mãos de poucos. A ideia é justa. Se você quer implementar uma regulamentação, ela deve favorecer a competição entre as empresas para que haja uma constante competição por leitores. Isso cria uma situação em que nenhum veículo é dominante. Encontrar uma forma de incentivar a diversidade na propriedade de mídia é bom para a liberdade de expressão.


BBC Brasil - Muitas pessoas veem qualquer proposta de regulamentação como sinônimo de censura. Isso é correto?
Kaye - Quanto ao propósito, não dá para alguém dizer que a regulamentação por si só seja um problema para a liberdade de expressão. Mas temos de ter em mente que o Brasil tem uma história de controle da mídia estatal ou privada, assim como muitos países da América Latina, que basicamente leva a uma censura direta ou prévia, não permitindo que certos assuntos sejam publicados ou punindo (os veículos de comunicação) depois da publicação.


Entendo que a discussão sobre este tema seja algo sensível. Isso é saudável, porque você não quer voltar àquela situação (de censura) ou criar meios de voltar a ela no futuro.
BBC Brasil - Como a regulamentação da mídia pode favorecer a liberdade de expressão?
Kaye - Ao aumentar o número de lugares onde indíviduos podem encontrar informação e se expressar. Se jornais competem por histórias, há mais incentivos para se investigar algo que pode não ser positivo para o Estado, mas que é uma informação de interesse público.


Se não há competição, a mídia se torna um pouco preguiçosa e não investiga como faria se houvesse concorrência.


A diversidade é importante por essa perspectiva, mas também para haver uma multiplicidade de visões no espaço público. Quando a imprensa é controlada por poucos veículos, isso reduz a quantidade de vozes às quais as pessoas têm acesso. Quando houver uma proposta concreta de regulamentação no Brasil, é preciso garantir que ela encoraje a multiplicidade de veículos de imprensa.


BBC Brasil - E quando esta regulamentação pode ser uma ameça à liberdade de expressão?
Kaye - Há todo um espectro de controle da mídia pelo governo. Há governos repressores que censuram ativamente, especialmente na Ásia e no Oriente Médio. Controlam a mídia e prendem jornalistas, como vimos no Egito recentemente. Esse país é um exemplo do efeito negativo. O país tem, em geral, uma mídia ativa. Mas, no último ano, houve grande pressão sobre a imprensa para que ela conte histórias de acordo com a visão do governo. Isso levou a uma autocensura nos altos escalões da mídia egípcia.


Ao mesmo tempo, na outra ponta deste espectro, há uma regulamentação da mídia feita em países desenvolvidos e em desenvolvimento que trata da propriedade de empresas da área ou determina as frequências que podem ser usadas na radiodifusão. Você vê isso em lugares como os Estados Unidos e a Europa, onde já existem leis antitruste para garantir que nenhuma empresa tenha o monopólio de várias indústrias. Não há motivos para não se aplicar isso também à mídia. Só é preciso ter mais cuidado para que esta lei não dê ao governo uma forma de controlar o conteúdo.

Fonte: noticias.terra
 
Por:  Ingrid Leitte    |      Imprimir