Categoria Opinião  Noticia Atualizada em 17-07-2006

"Estamos todos no inferno. Não há solução..."
Quando nos deparamos com o tamanho da violência que cresce em nosso país, como um câncer lançando suas células malignas por todo organismo, nos perguntamos como é possível...


Quando nos deparamos com o tamanho da violência que cresce em nosso país, como um câncer lançando suas células malignas por todo organismo, nos perguntamos como é possível isso acontecer ante a inércia de um estado catatônico. Talvez essa entrevista que o Marcola deu a um jornal de São Paulo possa lançar luz, ou melhor, trevas ao nosso entendimento.

"Estamos todos no inferno. Não há solução, pois não conhecemos o problema. Eu não sou só do PCC, eu sou um sinal dos novos tempos. Eu era pobre e invisível...vocês nunca me olharam durante décadas.Antigamente era mole resolver o problema da miséria, o diagnóstico era óbvio:migração rural, desnível de renda, poucas favelas, ralas periferias.Mas a solução não veio.Que fizeram? Nada. Nós só aparecíamos nos desabamentos no morro ou nas músicas românticas sobre "a beleza do amanhecer no morro".

Agora estamos ricos com a multinacional do pó. E vocês estão morrendo de medo. Nós somos o início tardio da vossa consciência social. Viu? Sou culto! Leio Dante na prisão.Mas... a solução seria...Solução? Não há mais solução cara... A própria idéia de solução já é um erro. Já olhou o tamanho das 560 favelas do Rio? Já andou de helicóptero por cima da periferia de São Paulo? Solução como? Só viria com muitos bilhões de dólares gastos organizadamente, com um governante de alto nível, uma imensa vontade política, crecimento econômico, revolução na educação, urbanização geral.

E tudo teria que ser sob a batuta de uma "tirania esclarecida", que pulasse por cima da paralisia burocrática secular, que passasse por cima do Legislativo cúmplice. Ou você acha que os 287 sanguessugas vão agir? Se bobear eles roubam até o PCC. Teria que haver uma reforma radical no judiciário, que impede punições. Teria que haver comunicação e inteligência entre as polícias municipal, estadual e federal, pois nós fazemos até conference call entre os presídios. E tudo isso custaria bilhões de dólares e implicaria numa mudança psicossocial profunda na estrutura política do país. Ou seja: É impossível, não há solução.

Eu não tenho medo de morrer. Aliás, aqui na cadeia vocês não podem entrar e me matar, mas eu posso mandar matar vocês lá fora. Nós somos homens-bomba. Nas favelas existem cem mil homens bomba. Estamos no centro do insolúvel, mesmo... vocês no bem e eu no mal. E no meio, a fronteira da morte, a única fronteira. Já somos uma outra espécie, um outro bicho, diferente de vocês.

A morte para vocês é um drama cristão, numa cama ou num ataque do coração. A morte para nós é presunto diário, desova numa vala.Vocês intelectuais não falavam em luta de classes, em ser um herói marginal? Pois é, chegamos, somos nós! Há, há, há.Vocês nunca esperavam esses guerreiros do pó né? Eu sou inteligente, já lí tres mil livros e leio Dante... Mas meus soldados são estranhas anomalias do desenvolvimento torto desse país.

Não há mais proletários, infelizes ou explorados. Há uma terceira coisa crescendo aí fora, cultivada na lama, se educando no absoluto analfabetismo, se diplomando na cadeia, como um monstro Alien escondido nas brechas da cidade. Já surgiu uma nova linguagem. Vocês não ouvem as gravações feitas com "autorização da justiça"? Pois é, é outra língua. Estamos diante de uma espécie de pós miséria. A pós-miséria gera uma nova cultura, assassina, ajudada pela tecnologia, satélites, celulares, internet, armas modernas. É a merda com chips, com megabytes.Meus comandados são uma mutação da espécie social, são fungos de um grande erro sujo. O que mudou nas periferias?
GRANA. A gente hoje tem.

Você acha que quem tem 40 milhões de dólares como o Beira Mar não manda? Com esse dinheiro a prisão é um hotel, um escritório. Qual a polícia que vai queimar essa mina de ouro, tá ligado? Nós somos uma empresa moderna, rica. Se funcionário vacila, é despedido e jogado no "microondas". Vocês são o Estado quebrado, dominado por incompetentes. Nós temos métodos ágeis de gestão. Vocês são lentos e burocráticos.

Nós lutamos em terreno próprio, vocês em terra estranha. Nós não tememos a morte, vocês morrem de medo. Nós somos bem armados, vocês vão de três oitão.Nós estamos
no ataque, vocês na defesa. Vocês têm mania de humanismo, nós somos cruéis, sem piedade.

Nós somos ajudados pela população das favelas, por medo ou por amor, vocês são odiados. Vocês são regionais, provincianos.Nossas armas e produtos vêm de fora, somos globais. Nós não esquecemos de vocês, são nossos fregueses. Vocês nos esquecem assim que passa o surto de violência. Mas o que devemos fazer? Vou dar um toque, mesmo contra mim. Peguem os barões do pó.

Tem deputado, senador, generais, tem até ex-presidente do Paraguai nas paradas de cocaína e armas. Mas quem vai fazer isso? O exército? Com que grana? Não tem dinheiro nem para o rancho dos recrutas. O país está quebrado, sustentando um Estado morto a juros de 20% ao ano. E o Lula ainda aumenta os gastos públicos empregando 40 mil picaretas. O exército vai lutar contra o PCC e o CV?Estou lendo Klausewitz, "Sobre a guerra".

Não há perspectiva de êxito. Nós somos formigas devoradoras, escondidas nas brechas. A gente já tem até foguete anti tanque...Se bobear vão rolar uns Stingers aí... Para acabar com a gente só jogando uma bomba atômica nas favelas. Aliás , a gente acaba também arranjando "umazinha", daquelas bombas sujas mesmo...Já pensou? Ipanema radioativa? Mas...não haveria solução? Vocês só podem chegar a algum sucesso se desistirem de defender a "normalidade".

Não há mais normalidade alguma. Vocês precisam fazer uma autocrítica da própria incompetência. Mas vou ser franco... na boa...na moral...estamos no centro do Insolúvel. Só que nós vivemos dele e vocês não tem saída. Só a merda. E nós já trabalhamos dentro dela. Não há solução porque vocês não entendem a extensão do problema. Como escreveu o divino Dante: "Lasciate speranza voi che entrate" – Percam todos as esperanças, estamos no inferno."


    Fonte: Redação Maratimba.com
 
Por:  Ivilisi Soares Azevedo    |      Imprimir